sábado, 14 de fevereiro de 2015

Domingo VI do Tempo Comum - ano B - 15.fev.2015

       1 – «Se quiseres, podes curar-me». O primeiro passo para a cura é o desejo de ser curado. A doença é, certamente, uma experiência de fragilidade, de impotência e, muitas vezes, de desencanto. Na presença de pessoas doentes, vem ao de cima, muitas vezes, o protesto contra a vida e contra Deus. Nunca é fácil lidar com a doença dos nossos familiares e amigos e sobretudo quando é prolongada e já não existem possibilidades de cura. Havendo esperança de melhoras, de estabilização ou de cura, então é possível aceitar as dores, os incómodos, os tratamentos. Não havendo, tudo se torna mais difícil, para o próprio e para quem está à volta.
       Outra das consequências da doença, crónica ou prolongada, além do desgaste físico e emocional, é o isolamento e a solidão. Os amigos vão desaparecendo progressivamente. Por esquecimento. Por cansaço. Por não quererem ver ou já não terem paciência para escutar os lamentos. Ou simplesmente por medo, porque se reveem em situações semelhantes.
       Uma pessoa (e a sua família) surpreendida por uma doença incurável poderá sentir-se revoltada e transparecer azedume para com aqueles que estão mais próximos. À doença acrescenta-se a solidão. A pessoa doente não faz vida social, deixa de conviver, pela (in)disposição, ou, em alguns casos, porque a própria doença desaconselha os ajuntamentos. E a falta de vontade; não quer ouvir ninguém; não quer ouvir as mesmas perguntas de sempre nem os olhares compadecidos!
       2 – Imaginemos agora uma doença infectocontagiosa!
       A Bíblia preserva o medo de contágio e as prescrições para evitar qualquer tipo de contacto com um leproso, dando à lei um carácter divino. «Quando um homem tiver na sua pele algum tumor, impigem ou mancha esbranquiçada, que possa transformar-se em chaga de lepra, devem levá-lo ao sacerdote Aarão ou a algum dos sacerdotes, seus filhos. O leproso com a doença declarada usará vestuário andrajoso e o cabelo em desalinho, cobrirá o rosto até ao bigode e gritará: ‘Impuro, impuro!’. Todo o tempo que lhe durar a lepra, deve considerar-se impuro e, sendo impuro, deverá morar à parte, fora do acampamento».
       A lei defende os sãos, mas condena ao isolamento e à exclusão os leprosos.
       Há pouco mais de 50 anos, existiam leprosarias e aldeias isoladas e situações em que os animais tinham um melhor tratamento. Lembremos a parábola de Lázaro, contada por Jesus.
       A propósito seria interessante ler a biografia do Padre Damião, o Santo de Molokai, ou algum dos filmes que se fizeram sobre ele; o galardoado filme Ben-Hur (adaptação do livro com o mesmo nome), e que mostra o tratamento dado aos leprosos, votados ao completo esquecimento, ou o romance de Victoria Hislop, “A Ilha” (Spinalónga), recordando como os leprosos eram obrigados a viver em ilhas, isolados da civilização, com acessos difíceis.
       3 – Se um leproso vem ter com Jesus é porque já ouviu falar d'Ele, já alguém lhe anunciou Jesus. Novamente a dinâmica da evangelização e da intercessão. Sorrateiramente, este homem aproxima-se. Confia no que lhe disseram, mas também no que o seu íntimo lhe diz. Arrisca muito, arrisca tudo, sujeita-se a ser escorraçado, apedrejado e morto.
       «Se quiseres, podes curar-me». O leproso faz a sua profissão de fé de forma simples, humilde e direta. São Marcos deixa-nos ver de perto a postura de Jesus. Há oito dias, víamos que Ele pega na mão da sogra de Simão Pedro e levanta-a. Esta semana, a mesma delicadeza, proximidade, sem meias nem peias, simplesmente, compadecido, Jesus estende a mão, toca-lhe e diz: «Quero: fica limpo». E como no momento da criação, também aqui a palavra de Deus tem efeito: aquele homem fica limpo da lepra.
       Quantas pessoas precisam apenas de um toque, um aperto de mão, um abraço, uma afaço, um beijo, um sorriso, para se sentirem humanas e se sentirem salvas! Ao vermos fístulas numa pessoa, a nosso instinto é, quase sempre, de defesa, desviamos o olhar e mantemo-nos com uma distância de segurança. Jesus arrisca tudo, como aquele homem arriscou tudo.
       4 – Aquele que é abençoado por Deus, quem se encontrou com Jesus, transborda em testemunho a alegria e a bênção desse encontro. A sogra de Pedro, uma vez curada, levanta-se e serve-os, a Jesus e aos discípulos. Hoje, este homem que fica curado, e apesar da recomendação de Jesus – «Não digas nada a ninguém, mas vai mostrar-te ao sacerdote e oferece pela tua cura o que Moisés ordenou, para lhes servir de testemunho» – logo apregoa o que lhe aconteceu. E desta forma a fama de Jesus se espalha, com o risco de O procurarem para ver milagres (o espetáculo) e não para serem curados (conversão, fé, mudança de vida).

       5 – Jesus não se deixa amedrontar pela doença e muito menos por uma tradição que exclui pessoas. Para Jesus, doentes ou sãos, santos ou pecadores, homens ou mulheres, adultos ou crianças, todos são filhos de Deus. Prioridades? Os mais frágeis.
       A lepra foi um flagelo até há bem pouco tempo. Atualmente a cura é possível e está acessível. A vida do Pe. Damião de Malokai traz muitas histórias que falam de abandono, exclusão, famílias desfeitas, em que algum dos seus membros é forçado a embarcar para fora da pátria. Leprosarias, sanatórios, ilhas. Condições desumanas, degradantes.
       O proceder de Jesus não é fácil para nós, que nos queremos proteger. Por um lado, a vida merece que nós cuidemos dela. Por outro, na maioria das vezes as pessoas não têm culpa da doença, ou do flagelo. Bem basta a doença quanto mais a solidão. E um dia destes somos nós!
       Jesus atua de forma diferente. Aquele que se dispõe a dar a vida até à última gota de sangue não recua perante as dificuldades. Se Jesus agiu deste modo, os seus discípulos seguirão no Seu encalço, procedendo do mesmo modo. Como nos recorda São Paulo: "Quer comais, quer bebais, ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para glória de Deus. Portai-vos de modo que não deis escândalo nem aos judeus, nem aos gregos, nem à Igreja de Deus. Fazei como eu, que em tudo procuro agradar a toda a gente, não buscando o próprio interesse, mas o de todos, para que possam salvar-se. Sede meus imitadores, como eu o sou de Cristo".

       6 – Se o apóstolo é um exemplo vivo para àquelas comunidades, hoje encontramos outros. Como víamos antes, Damião de Malokai, que vai viver no meio dos leprosos, leva o amor de Jesus Cristo, a fé, a Palavra de Deus e luta para que haja condições, como habitações condignas, escola, hospitais, medicamentos e assistência médica, cuidados de higiene, aliviando o sofrimento, devolvendo a dignidade humana, integrando, quanto possível, as pessoas com lepra, fazendo-as sentir-se úteis uns para os outros. Acabará por morrer de lepra, mas com a certeza de ter cumprido o mandato de Cristo. Foi beatificado por João Paulo II a 3 de junho de 1995 e canonizado por Bento XVI a 11 de outubro de 2009.
       E, como não falar da dedicação de Raoul Follereau a favor dos leprosos? E da Associação por ele criada – Amigos de Raoul Follereau – para sensibilizar e ajudar as vítimas desta doença?
       Em Portugal, o Padre Américo é expressão da entrega e dedicação de Jesus, junto dos mais pobres, de crianças abandonadas, meninos de rua, sem pai nem mãe nem casa. A Obra da Rua, ou do Gaiato, continua a acolher crianças carenciadas, a educá-las e a integrá-las na sociedade.
       Madre Teresa de Calcutá que dedicou grande parte da sua vida a cuidar dos mais pobres dos pobres, na Índia; recolhia as pessoas que encontrava na berma da estrada, abandonadas para morrer, algumas com doenças infeciosas, tratava delas como se estivesse a cuidar de Jesus. Foi beatificada por João Paulo II no dia 19 de outubro de 2003.
       E quantas pessoas encontramos nas nossas comunidades paroquiais que são autênticos anjos junto dos doentes, nas palavras que encontram para consolar, nos silêncios que respeitam a dor, na serenidade com que acariciam?!

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano B): Lev 13, 1-2. 44-46; Sl 31 (32); 1 Cor 10, 31– 11, 1; Mc 1, 40-45.

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