sábado, 7 de novembro de 2015

XXXII Domingo do Tempo Comum - ano B - 8.11.2015

       1 – Quando o pouco é tudo e quando o muito é insignificante!
       A vida não é quantificável pela quantidade, mas qualificável pela qualidade, pela intensidade, pelos momentos que fazem a história de uma pessoa, de uma família, de uma comunidade. Há vidas cronologicamente longas que se resumem a muito pouco, sem marcas relevantes na história; há vidas cronologicamente curtas em que são precisas muitas páginas e muitas vidas para absorver tudo o que foi vivido e cuja herança humana perdura para lá do tempo presente.
       Do mesmo jeito a generosidade. Não é comensurável em cálculos matemáticos, mas visualizável no envolvimento da pessoa naquilo que dá: está totalmente comprometida com o que dá e a quem dá? Ou é apenas um descargo de consciência? Ou um gesto mecânico de tradição?
       Jesus – segundo São Marcos – colocou-se em frente da arca do tesouro e observa que muito ricos deitam com ostentação avultadas quantias. Aproxima-se uma viúva (pobre) e deita duas pequenas moedas. Antes Jesus alertava-nos: «Acautelai-vos dos escribas, que gostam de exibir longas vestes, de receber cumprimentos nas praças, de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas e os primeiros lugares nos banquetes. Devoram as casas das viúvas, com pretexto de fazerem longas rezas».
       Aqueles que tinham a obrigação moral de zelar por todos e sobretudo pelos mais pobres, entre os quais se contavam viúvas e os órfãos, ocupam os lugares para se servirem e usarem de diversas artimanhas para explorar as pessoas mais simples.
       Atento ao gesto daquela viúva pobre, Jesus diz aos seus discípulos: «Em verdade vos digo: Esta pobre viúva deitou na caixa mais do que todos os outros. Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, tudo o que possuía para viver».
       O próprio Jesus explica por que é que aquela mulher dando tão pouco deu tanto, deu muito mais que outros. Dizia a Madre Teresa de Calcutá, que "o amor, para ser verdadeiro, tem de doer. Não basta dar o supérfluo a quem necessita, é preciso dar até que isso nos machuque... o importante não é o que se dá, mas o amor com que se dá”. De forma semelhante relembrava o Papa Francisco: "Não esqueçamos que a verdadeira pobreza dói: não seria válido um despojamento sem esta dimensão penitencial. Desconfio da esmola que não custa nem dói" (Mensagem para a Quaresma, 2014).
       2 – Elias, um dos profetas mais ilustres do povo eleito, experimenta a generosidade e a grande fé de um pobre viúva, que na míngua de bens, se prepara, juntamente com o filho, para se entregar à morte.
       Seguindo a Palavra de Deus, Elias afasta-se de Israel, povo ao qual pertence e que se encontra sujeito a um tempo de provação e purificação por se ter afastado de Deus. Elias refugia-se em Sarepta, cidade da Fenícia, onde será acolhido por uma viúva, que sobrevive à custa das esmolas, cada vez mais escassas em tempo de fome, pelo que lhe soa estranho o pedido de Elias: «Por favor, traz-me uma bilha de água para eu beber... Por favor, traz-me também um pedaço de pão».
       Começa a desenhar-se um tempo novo em que a confiança em Deus prevalece além das dificuldades atuais. Responde-lhe a mulher: «Tão certo como estar vivo o Senhor, teu Deus, eu não tenho pão cozido, mas somente um punhado de farinha na panela e um pouco de azeite na almotolia. Vim apanhar dois cavacos de lenha, a fim de preparar esse resto para mim e meu filho. Depois comeremos e esperaremos a morte».
       Certo da promessa de Deus, Elias replica: «Não temas; volta e faz como disseste. Mas primeiro coze um pãozinho e traz-mo aqui. Depois prepararás o resto para ti e teu filho. Porque assim fala o Senhor, Deus de Israel: ‘Não se esgotará a panela da farinha, nem se esvaziará a almotolia do azeite, até ao dia em que o Senhor mandar chuva sobre a face da terra’».
       Genericamente sabemos que contamos sobretudo com a generosidade daqueles e daquelas que passaram ou passam privações, pois sabem melhor o que custa a vida. Refira-se, obviamente, que a pobreza (espiritual) autêntica é, antes de mais, a abertura a Deus e a disponibilidade para cuidar do outro, usando a vida, os dons e os bens, como instrumento beneficente de todos.
       3 – A Deus não escapa o mais pequeno gesto de amor. Nem um copo de água dado em Seu nome ficará sem recompensa (cf. Mt 10, 42).
       Aquela viúva fez conforme Elias lhe pediu. Sentaram-se juntos para comer a mãe e o filho e o profeta. O profeta comprova a promessa de Deus através daquela família que o acolhe, o guarda, protege e o alimenta. E por sua vez, a viúva de Sarepta, com o seu filho, pode comprovar a fidelidade de Deus que não lhe faltará em tempos de carestia. Desde que Elias chegou que não se esgotou nem a farinha nem o azeite.
       Deus não falta àqueles que n'Ele põem a sua confiança.
       A vida, porém, coloca-nos diante de tantas encruzilhadas que em alguns momentos não percebemos de que forma Deus nos manifesta o Seu amor. Na dúvida, prossigamos com o nosso compromisso com os outros. Reconhecendo a nossa pobreza (espiritual), abramo-nos à graça de Deus, deixemos que através de nós Deus chegue a todos e especialmente aos mais frágeis.
       O Salmo com que respondemos à Palavra de Deus fala-nos da atenção que merecem os mais desfavorecidos. O proceder de Deus há de conduzir-nos a agir do mesmo jeito, com o mesmo amor, a mesma delicadeza, a mesma misericórdia. «O Senhor faz justiça aos oprimidos, dá pão aos que têm fome e a liberdade aos cativos. O Senhor ilumina os olhos do cego, levanta os abatidos, ama os justos. O Senhor protege os peregrinos, ampara o órfão e a viúva e entrava o caminho aos pecadores».
       "Eu bem vi a opressão do meu povo... e ouvi o seu clamor... conheço os seus sofrimentos" (Ex 3, 7). "Quando um pobre invoca o Senhor, Ele atende-o e liberta-o das suas angústias" (Sl 34, 7). Deus desce ao Egipto para libertar o povo da opressão e fá-lo por intermédio de Moisés. Deus age na história atual e faz-Se presente aos mais pobres contando connosco: o que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmão a Mim o fareis (cf. Mt 25, 40).

       4 – Jesus Cristo, sendo rico, fez-Se pobre para nos enriquecer com a Sua pobreza (cf. 2 Cor 8,9). Aquela viúva, que na sua penúria, deu tudo quanto tinha, para que o Templo continuasse a ser lugar de encontro com Deus. A viuvez feminina era habitualmente acompanhada com a pobreza, a não ser que tivesse filhos homens, um segundo casamento, ou a família fosse generosa e a acolhesse. Uma e outra viúva confiam em Deus. Pobres, dão o que têm. A viúva depende das esmolas e ainda assim dá do que recebe. E quem dá do que lhe dão é amigo de coração.
       Ora Deus dá-nos o melhor que tem para nos dar, o Seu próprio filho.
       Em Cristo, Deus faz-Se um de nós e oferece-Se por nós. Vem do Céu, vem de Deus, «Cristo não entrou num santuário feito por mãos humanas, figura do verdadeiro, mas no próprio Céu, para Se apresentar agora na presença de Deus em nosso favor».
       Como Sumo-sacerdote, Jesus oferece-Se de uma vez para sempre. Chegada a plenitude dos tempos, destrói o pecado, sacrificando-Se a Si mesmo. Não oferece sacrifícios, oferece-Se, tomando sobre Si os pecados da multidão para a todos nos salvar. Esta é a fonte de toda a caridade e de todo o bem. Como seus seguidores, iluminados pela viúva de Sarepta e pela viúva do Evangelho, a certeza que não basta darmos, será sempre inevitável darmo-nos, entregarmo-nos, colocarmos o melhor de nós mesmos na atenção e no cuidado aos outros.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): 1 Reis 17, 10-16; Sl 145 (146); Hebr 9, 24-28; Mc 12, 38-44.

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