sábado, 16 de julho de 2016

Domingo XVI do Tempo Comum - ano C - 17 de julho

       1 – Seguir Jesus é a vocação primeira do cristão. Não de qualquer jeito, mas segui-l'O imitando-O. Por conseguinte, para seguirmos Jesus precisamos de estar muito perto d'Ele, escutando-O, sentindo o bater do Seu coração, cruzando o nosso com o Seu olhar, fazendo com que o Seu sorrir passe para o nosso rosto, que as Suas palavras saiam dos nossos lábios, para multiplicarmos os Seus gestos de ternura e de compaixão, de perdão e de amor, de proximidade e delicadeza, de misericórdia e de serviço.
       A oração, a escuta da Palavra de Deus e a meditação da mesma, a envolvência nos sacramentos, a vivência das obras de misericórdia, são essenciais para O seguir a Ele e não a qualquer imitação. Porém, poderemos deixar-nos contagiar por aqueles que ao longo do tempo foram seus imitadores, pelo testemunho de vida, pelo compromisso social, pela identificação com os mais pobres, mostrando-nos como Jesus continua vivo no presente. Não é um Homem do passado, mas Deus a encarnar em cada um de nós. Para isso precisamos de nos tornar transparentes como São Francisco, Madre Teresa de Calcutá, como Santa Teresa de Jesus e Santa Teresinha do Menino Jesus, como São João da Cruz ou Padre Américo.
       2 – Jesus entrou em certa povoação e uma mulher chamada Marta recebeu-O em sua casa. Ela tinha uma irmã chamada Maria, que, sentada aos pés de Jesus, ouvia a sua palavra. Entretanto, Marta atarefava-se com muito serviço. Interveio então e disse: «Senhor, não Te importas que minha irmã me deixe sozinha a servir? Diz-lhe que venha ajudar-me». O Senhor respondeu-lhe: «Marta, Marta, andas inquieta e preocupada com muitas coisas, quando uma só é necessária. Maria escolheu a melhor parte, que não lhe será tirada».
       3 – Nos domingos anteriores, o evangelho familiarizou-nos com a vocação, o seguimento, o envio e as condições ou exigências para sermos autênticos discípulos de Jesus. Vamos amadurecendo, é certo. O tempo dirá da nossa maturidade e persistência, da nossa fidelidade e propósito, da nossa conversão permanente e adesão a Cristo e ao Seu Evangelho de amor. Como o ouro no crisol, também nos vamos moldando para fazermos emergir em nós a imagem e a presença de Cristo Jesus.
       No evangelho de hoje, se dúvidas houvesse, Jesus deixa claro a prioridade do discípulo: a proximidade e a escuta. É necessário não perder Jesus de vista, por nenhum instante. Segui-l'O, deixando que Ele nos guie e não o contrário. Para O anunciarmos não nos podemos colocar à frente, como quereria Pedro, sob risco de provocarmos um eclipse. Somos mais lua do que sol, mas é o sol que havemos de refletir. Somos discípulos e não mestres. A luz não é a nossa. É Cristo. A palavra não é a nossa. É Cristo. A projeto não é nosso. É o reino de Deus, visualizado na pessoa de Jesus Cristo. A vontade a realizar não é a nossa, mas a de Cristo, a de Deus.
       D'Ele aprendemos a afabilidade, o cuidado e a atenção a cada pessoa. Ele desafia-nos a viver no melhor de nós, dando-nos, cuidando uns dos outros, auxiliando os mais frágeis. A única lei do cristão é o amor. Amor a Deus que se traduz no serviço ao nosso semelhante. É a lei que nos liberta de nós e dos nossos egoísmos. É a caridade que nos irmana. É a misericórdia que nos filia em Deus. Como Ele faz, façamos nós também. “Eu que Sou Mestre e Senhor, lavei-vos os pés... como Eu vos fiz fazei vós também”. “Dai-lhes vós de comer”. Não passeis adiante pu ao largo. Há alguém caído, ferido... dai-lhe alento, tratai-o, curai-o, ressuscitai-o. Restituiu-o à vida.
       4 – “Faz isso e viverás”. “Vai e faz o mesmo”. São respostas de Jesus ao doutor da Lei. O mandato é para agir em conformidade com o que se sabe, com o que se diz.
       Marta anda atarefada. E bem. Para acolher bem Jesus. Para Lhe agradar e aos seus discípulos, fazendo com que se sintam em casa. Maria faz o mesmo, fica sentada a ouvir Jesus. Oração e trabalho (ora et labora – a máxima de São Bento, Padroeiro da Europa e que celebramos a 12 de julho). Completam-se. A oração implica-nos com seriedade no trabalho. O trabalho pode tornar-se uma forma de oração, quando nos aproxima dos outros e nos faz transformar positivamente o mundo.
       Se agimos sem a ligação a Jesus Cristo corremos o risco de instrumentalizar os outros e de desanimar diante das dificuldades.
       Há tantas situações na vida em que não precisamos senão de um abraço, um sorriso, um olhar. Há momentos em que não precisamos que nos respondam mas tão-somente que nos escutem e nos sosseguem com o seu olhar. Não precisamos de mais. Jesus certamente precisava de se alimentar e de descansar. Mas precisava muito de se sentir em casa e não ser mais uma peça de mobília. Há tanta coisa que nos dispersa. Por vezes nem temos tempo de cumprimentar com tempo e disponibilidade, de olhos nos olhos, acolhendo. Alguém chega e a azáfama continua. E quem chega sente que está a dar trabalho como convidado ou até estranho e não como membro da casa e da família.
       Tantos afazeres. Parece que se não fizermos fica por fazer. Parece que o mundo vai acabar e temos que nos desembaraçar. Os outros vieram acelerar-nos. Devemos dar o melhor de nós mesmos, mas lembrando-nos da prioridade. A prioridade é a pessoa que nos visita ou que visitamos. O tempo pára, porque nos é dado gratuitamente por Deus. A não ser em situações específicas, é ali que temos de estar, com aquela pessoa. Fazermos o que temos a fazer com dedicação.
       Marta anda de um lado para o outro, como uma barata tonta. Não está concentrada nem no trabalho nem em Jesus. Está incomodada com o que os outros não fazem. Quer a atenção só para ela e para o que está a fazer. O centro é Cristo, que chegou e que importa acolher e amar. Mais que se empenhar em fazer bem o que está a fazer, Marta incomoda-se por ver que sua irmã não ajuda. Maria está embebecida a escutar Jesus. A casa é de Marta. Quer despachar tudo para que os convidados possam ter tudo o que precisam. Certamente que Jesus aprecia o trabalho e a dedicação de Marta. Também nós reagimos como Jesus quando vemos que alguém faz o trabalho a contragosto. Nem rende. Percebemos que nos tornamos um estorvo, ainda que a pessoa não o faça por mal.
       Maria faz-se casa para Jesus. Mais importante que o espaço é o tempo que se dedica e a qualidade do mesmo. Há lugar para Marta e para Maria em nós, na Igreja e na sociedade. Como cristãos sabemos a primazia para vivermos e darmos Jesus Cristo: primeiro há que O acolher, pela oração, pela escuta e meditação da Palavra de Deus. Não podemos dar o que não temos. A luz que há em nós é Jesus. Se nos distanciamos d'Ele, escurecemos e Ele fica esbatido em nós e para os outros.

       5 – Na primeira leitura, Abraão ensina-nos a acolher os estranhos como visitas de Deus. Sara e os criados tratam de cozinhar o pão e um vitelo tenro, de trazer água para os peregrinos lavarem os pés e se refrescarem. Vislumbra-se um certo paralelismo com o Evangelho. Sara e os criados correspondem a Marta. Abraão, tal como Maria, irmã de Marta, fica junto dos visitantes, ainda que se perceba que é ele quem coordena os trabalhos. No final a hospitalidade de Abraão com os visitantes não ficará sem recompensa.

       6 – São Paulo, na segunda leitura, testemunha a confiança em Deus que nos salva em Cristo. Como Ele também nós experimentamos a finitude e a fragilidade, o sofrimento e a morte. Em absoluto. Mas também na especificidade do seguimento. Seguirmos Jesus implica que nos predisponhamos a abraçar a Cruz, não pelo gosto de sofrer, mas na opção pelo bem, pela verdade, pelo amor.
       Quando os pais se esforçam pelos filhos, sacrificando-se por eles, não ficam a reclamar da vida. Estão comprometidos com a felicidade dos filhos que amam mais que tudo. Quando sofremos por amor de Cristo, se estivermos convictos da nossa salvação, certos de agirmos em conformidade com o Evangelho, sofremos confiantes na misericórdia de Deus, sabendo que a provisoriedade do sofrimento será vencida pela esperança definitiva da salvação em Deus.
       "Agora alegro-me com os sofrimentos que suporto por vós e completo na minha carne o que falta à paixão de Cristo, em benefício do seu corpo que é a Igreja... Cristo no meio de vós, esperança da glória. E nós O anunciamos, advertindo todos os homens e instruindo-os em toda a sabedoria, a fim de os apresentarmos todos perfeitos em Cristo".
       Como seres humanos, estamos em processo de maturação. Sempre. Vamos lapidando a nossa vida, comprometidos em comunidade, para nos identificarmos cada vez mais com Jesus Cristo.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Gen 18, 1-10a; Sl 14 (15); Col 1, 24-28; Lc 10, 38-42.

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