sábado, 1 de setembro de 2012

XXII Domingo do Tempo Comum - ano B - 2 de setembro

       1 – “Os olhos também comem”, dizemos quando falamos de um prato. A refeição pode estar bem confecionada e saborosa, mas se a apresentação for descuidada pode provocar um certo fastio. Certo. Por outro lado, se a apresentação for cuidada acentuará o apetite. Quando provarmos verificaremos se a apresentação corresponde ao sabor ou se, pelo contrário, “as aparências iludem”. Em última análise, o ideal é que o conteúdo corresponda ao aspeto. Se não corresponder, que preferíamos, que a apresentação da comida fosse boa e o sabor intragável, ou que o sabor fosse agradável apesar do aspeto menos conseguido?
       Feita esta ambientação, fixemo-nos no Evangelho, de novo com São Marcos, no momento em que Jesus responde a alguns fariseus e escribas:
«Bem profetizou Isaías a respeito de vós, hipócritas, como está escrito: ‘Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. É vão o culto que Me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos’. Vós deixais de lado o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição dos homens... Não há nada fora do homem que ao entrar nele o possa tornar impuro. O que sai do homem é que o torna impuro; porque do interior dos homens é que saem os maus pensamentos: imoralidades, roubos, assassínios, adultérios, cobiças, injustiças, fraudes, devassidão, inveja, difamação, orgulho, insensatez. Todos estes vícios saem lá de dentro e tornam o homem impuro».
       Uma leitura atenta permite-nos ver com clareza a prioridade de Jesus. As tradições, os usos e costumes, só são verdadeiramente relevantes se promovem as pessoas e se as implicam interiormente, colocando-as ao serviço dos outros. O que nos salva ou condena é o que nasce e cresce no nosso interior, o que nos leva a agir no bem ou no mal.
       As circunstâncias que nos rodeiam podem favorecer ou prejudicar as nossas opções, mas somos sempre nós a responder pelas nossas atitudes e pelos nossos atos.

       2 – Jesus envolve-nos no Seu projeto salvador, como convite e desafio, como proposta, nunca como imposição. Deus chama-nos, conta connosco, mas respeita a nossa liberdade e consequentemente as nossas escolhas. Como refletíamos no domingo passado, é como os pais, que querem o melhor para nós, mas, se nos amam verdadeiramente, respeitam as nossas escolhas fundamentais, mesmo quando sabem que nos vamos magoar. Deus respeita a nossa decisão, mesmo quando nos desviamos dos Seus mandamentos.
       Não cessa, porém, de nos apontar o CAMINHO, pelos profetas, pelos acontecimentos de cada tempo, pelas pessoas que coloca à nossa beira, por Jesus, o CAMINHO, a verdade e a vida. Podemos recusar, podemos distrair-nos, podemos seguir outros atalhos, podemos titubear. Ele mantem-Se e o Seu projeto de vida também.
       Na primeira leitura, Moisés faz a proposta de Deus a todo o povo:
«Agora escuta, Israel, as leis e os preceitos que vos dou a conhecer e ponde-os em prática, para que vivais e entreis na posse da terra que vos dá o Senhor, Deus de vossos pais. Não acrescentareis nada ao que vos ordeno, nem suprimireis coisa alguma, mas guardareis os mandamentos do Senhor vosso Deus, tal como eu vo-los prescrevo... Qual é, na verdade, a grande nação que tem a divindade tão perto de si como está perto de nós o Senhor, nosso Deus, sempre que O invocamos? E qual é a grande nação que tem mandamentos e decretos tão justos como esta lei que hoje vos apresento?»
       É uma lei justa e equilibrada. Ainda hoje os Mandamentos são uma referência fundamental para os Direitos humanos, no reconhecimento da origem comum da humanidade, na certeza que só o respeito por determinados valores, como o direito à vida, à dignidade, ao bom nome, à verdade e à justiça, à alimentação e à habitação, à saúde e à cultura, nos levam à construção de um mundo justo onde todos tenham lugar.

       3 – Com o tempo a Lei traduz-se em práticas, costumes e tradições, algumas das quais se tornam obsoletas. Jesus vem para nos libertar de tudo o que escraviza. Também de leis/tradições que passam a valer mais que as pessoas e a submetê-las abusivamente em superstições, ameaças, diabolizações. O medo e a ameaça, o desconhecido e as práticas mágicas, retiram às pessoas a capacidade de pensar e decidir por si mesmas.
       A Lei de Moisés é levada à plenitude por Jesus Cristo, pela LEI da CARIDADE, pela Graça de Deus que nos habita e que nos atrai para Ele. Se o cumprimento da lei for apenas o cumprimento de uma tradição, sem influência na minha, na nossa, vida, sem ligação ao mundo real e humano, torna-se vazia e despojada de sentido. Se ainda assim é obrigatória e me é imposta, não pela sua justiça ou utilidade e sentido, mas por forças que pretendem manter o estatuto, o poder e o controlo, mais injusta e desnecessária se torna.
       Daí a insistência de Jesus na conversão interior, que leve ao compromisso com os outros. A lei ajuda-me a clarificar o meu lugar no mundo e a minha relação com os outros. Cada um de nós, contudo, vale mais. A lei é para nós. É para nos aproximar. A mais perfeita das leis é o AMOR, lei inscrita desde sempre no nosso coração.
       “Ama e faz o que quiseres”, como nos diz Santo Agostinho, cuja memória celebrámos no passado dia 28 de agosto, expressa a certeza que o amor nos liberta e nos compromete positivamente com os demais. Hoje, na segunda leitura, o apóstolo São Tiago mostra-nos como é possível viver na lógica do Deus de Jesus Cristo: “A religião pura e sem mancha, aos olhos de Deus, nosso Pai, consiste em visitar os órfãos e as viúvas nas suas tribulações e conservar-se limpo do contágio do mundo”. O amor a Deus vive-se e visualiza-se no amor ao próximo. Quanto mais nos envolvemos com os outros, para neles encontrarmos Deus, mais a nossa fé será uma verdadeira graça que nos devolve ao Pai.

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (ano B):
 Dt 4,1-2.6-8; Tg 1,17-18.21-22.27; Mc 7,1-8.14-15.21-23.

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