sábado, 9 de fevereiro de 2013

V Domingo do Tempo Comum - ano C - 10 de fevereiro

       1 – A vida é um trânsito permanente. Não para. Ou nos tornamos atores da nossa história, ou espectadores passivos deixando a outros a condução dos nossos dias e até da nossa disposição. Um célebre autor, Augusto Cury, apelando ao Mestre dos Mestres, desafia-nos a sermos condutores da nossa vida, criticando constantemente o preconceito, a ditadura do pessimismo, ou as opiniões alheias, promovendo o milagre da nossa existência, com a grandeza de sermos únicos e irrepetíveis, na abertura para o espiritual, para Deus.
       O evangelho faz-nos descobrir Jesus como Mestre da sensibilidade. Nos homens mais rudes, Ele garimpa tesouros. Jesus passa de uma à outra margem. Entra na nossa vida, vem para o nosso lado. Sobe ao barco para nos ver a todos. Ensina-nos muitas coisas, sobretudo a dar valor ao que nos une aos outros, amando, perdoando, valorizando o que há de melhor em nós.
       Ensina uma multidão, mas a sua jornada ainda não acabou. É tempo para mais um desafio, uma lição de vida, uma provocação. O limite é o Céu. Tudo é possível para aquele que crê.
       Jesus põe Simão (e os demais) à prova e incita-o/s a ir mais longe: «Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca». Pedro começa por sublinhar as suas dúvidas, mas por pouco tempo: «Mestre, andámos na faina toda a noite e não apanhámos nada. Mas, já que o dizes, lançarei as redes».
       São compensados pela ousadia, pela confiança em Jesus: “Eles assim fizeram e apanharam tão grande quantidade de peixes que as redes começavam a romper-se. Fizeram sinal aos companheiros que estavam no outro barco para os virem ajudar; eles vieram e encheram ambos os barcos de tal modo que quase se afundavam”.
       2 – Isaías, Simão Pedro, Paulo de Tarso. Três seres humanos que se deixaram tocar pelo Céu e ousaram ultrapassar os seus limites, os seus preconceitos e os condicionalismos/circunstâncias do seu tempo. Não se deixaram dominar nem pelo medo, nem pelo pessimismo, nem pela comodidade de outros. Reajam, vão em frente, ultrapassam os seus fantasmas e as suas derrotas, assumem as suas hesitações e as dúvidas, que muitas vezes são causa de enormes transtornos.
       Isaías diante do chamamento de Deus sente-se muito pequenino, mas como poderia fugir de um desafio:
Então exclamei: «Ai de mim, que estou perdido, porque sou um homem de lábios impuros, moro no meio de um povo de lábios impuros e os meus olhos viram o Rei, Senhor do Universo». Um dos serafins voou ao meu encontro, tendo na mão um carvão ardente que tirara do altar com uma tenaz. Tocou-me com ele na boca e disse-me: «Isto tocou os teus lábios: desapareceu o teu pecado, foi perdoada a tua culpa». Ouvi então a voz do Senhor, que dizia: «Quem enviarei? Quem irá por nós?» Eu respondi: «Eis-me aqui: podeis enviar-me».
       Voltando ao psiquiatra brasileiro, diríamos que Isaías poderia fixar-se nos seus medos e absolutizar as suas limitações, embarcando num redemoinho de ansiedade, de nervosismo, de fuga, de rejeição. Mas ousou criticar os fantasmas que o poderiam dominar. A sua resposta abre-lhe a mente, o coração. Torna-se um dos Profetas mais incisivos e luminosos.
       3 – Simão Pedro é um diamante em bruto, que é preciso lapidar, para o fazer brilhar no campo das emoções e dos sentimentos. Há de tornar-se um líder dialogante, compreensivo, convicto. Por ora é uma pessoa impulsiva, titubeante, um tanto ou quanto rude, é um homem espontâneo. Tem o coração ao pé da boca.
       Diante da proposta de Jesus, Simão Pedro reflete de imediato o que lhe vai na alma. A dúvida e o medo de falhar novamente, mas logo critica a dúvida pela confiança que coloca no Mestre da Vida.
       Vejamos o diálogo do Evangelho:
“Ao ver o sucedido, Simão Pedro lançou-se aos pés de Jesus e disse-Lhe: «Senhor, afasta-Te de mim, que sou um homem pecador». Na verdade, o temor tinha-se apoderado dele e de todos os seus companheiros, por causa da pesca realizada. Isto mesmo sucedeu a Tiago e a João, filhos de Zebedeu, que eram companheiros de Simão. Jesus disse a Simão: «Não temas. Daqui em diante serás pescador de homens». Tendo conduzido os barcos para terra, eles deixaram tudo e seguiram Jesus”.
       E com Pedro, os outros apóstolos. Mas a história não acaba aqui. Haverá muitas ocasiões em que dúvida voltará, e o medo, e a ansiedade, e a hesitação. O ser humano é um mistério, que não se encerra em conceitos mais ou menos matemáticos. Havemos de encontrar Pedro a jurar fidelidade e logo a querer outro caminho. Havemos de ver os discípulos entusiasmados, e logo a esconderem-se detrás do Mestre. Pregam, realizam prodígios, mas o seu chão não é muito seguro. Logo fugirão, com o rabo entre as pernas, quando veem Jesus a ser preso e levado para a prisão e depois para a Cruz. Ainda havemos de assistir à negação de Pedro. Deixa-se uma vez mais absorver pela ditadura do medo e da ansiedade. Logo se há de transformar pelo olhar de Jesus. Sente-se perdoado e perdoa-se.
       Bem diferente será a resposta de Judas que se deixa vencer pela culpa, pela vergonha. Não aceita as suas limitações, não compreende a alegria e a força do perdão. O remorso é uma arma muito poderosa, com um forte poder de destruir a saúde, os relacionamentos, e a própria vida. É importante criticar constantemente as fontes da culpa e do remorso. Mais uma vez o perdão é o medicamento mais eficaz.
       4 – Paulo, o Apóstolo da Palavra, que antes fora o perseguidor de cristãos, é outra pérola trabalhada com acontecimentos díspares, mas convergentes na procura da verdade, da autenticidade e de um sentido para a vida.
       Marcado pela educação e pela religião, Paulo torna-se um perseguidor convicto de todos aqueles que tinham aderido, ou se estavam a converter, ao cristianismo, vendo neste uma ameaça à religião judaica e ao status social, cultural, político. Paulo é assaltado pelo preconceito, seguindo a opinião que se espalhou à sua volta. Mas bem no seu interior vai-se operando uma grande transformação. Ele critica o caminho que vai percorrendo. Predispõe-se a ouvir, a ver, a descobrir a beleza que possa existir naqueles que persegue.
       Ele próprio fala da sua conversão e persistência:
“Transmiti-vos em primeiro lugar o que eu mesmo recebi: Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras; foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras, e apareceu a Pedro e depois aos Doze... Em último lugar, apareceu-me também a mim... tenho trabalhado mais que todos eles, não eu, mas a graça de Deus, que está comigo. Por conseguinte, tanto eu como eles, é assim que pregamos; e foi assim que vós acreditastes”.
       Paulo foi atingido pelo carisma de Jesus Cristo, pela grandeza dos Seus sonhos, pela humanidade do Seu projeto de vida. Não será mais Paulo de Tarso, mas Apóstolo dos gentios, apóstolo de mundos até aí desconhecidos. Recebe de Jesus Cristo para dar à humanidade inteira, até onde as suas forças o permitem.
       5 – O caminho nem sempre é fácil. Serão diversas as provações ao longo da nossa vida. Não estamos isentos de problemas e dificuldades por vivermos a fé. Jesus não anula a nossa fragilidade, mas retira-lhe o fatalismo e a solidão, geradores de muitas insónias. Com Ele, sabemos que nunca estamos sós. Ainda que a mãe se esquecesse do filho, Deus, que é Pai e ama com amor de Mãe, nunca Se esqueceria de mim, de ti, de nós, da humanidade inteira.
       O Senhor vem e atende a nossa súplica, ouve as nossas inquietações:
“De todo o coração, Senhor, eu Vos dou graças, porque ouvistes as palavras da minha boca. Quando Vos invoquei, me respondestes, aumentastes a fortaleza da minha alma. A vossa mão direita me salvará, o Senhor completará o que em meu auxílio começou. Senhor, a vossa bondade é eterna, não abandoneis a obra das vossas mãos”.

Textos para a Eucaristia (ano C): Is 6,1-2a.3-8; Sl 137 (138); 1 Cor 15,1-11; Lc 5,1-11.

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