"Não ter medo. Não ter medo de dizer a Verdade ainda que a Verdade doa. Ainda que nos dê vergonha, hoje juntamo-nos para nos reconhecermos uns aos outros. para nos olharmos olhos nos olhos e dizermos: «Tu tens dignidade, e querem tirar-ta». E gritar. Hoje juntamo-nos para nos sentirmos mais fortes porque nesta cidade em que vivemos querem debilitar-nos, querem tirar-nos a força, querem tirar-nos a dignidade.
... nesta cidade de Buenos Aires tão linda, tão nossa, há escravos. Hoje vou dizê-lo de novo. E hoje viemos olhar-nos nos olhos para dizermos uns aos outros: «Se lutardes, se eu lutar convosco, se nos olharmos e lutarmos juntos, haverá menos escravos». No ano passado dizia-vos, com muita dor, que nesta cidade de Buenos Aires há os que «cabem» no sistema e os que «sobram», os que não cabem, para quem não há trabalho, nem pão, nem dignidade. E esses que «sobram» são material descartável, porque também nesta cidade de Buenos Aires se «descarta» as pessoas e estamos cheios de «camiões do lixo existenciais», de homens e mulheres que não são tidos em conta...
E o padre não tem mais nada a dizer?... Sim, tenho. Algo mais grave ainda: esses homens, mulheres, meninos e meninas que não cabem, que são material descartável, que não são tidos em conta, são tratados como mercadoria. São objeto de negócio. E hoje podemos dizer que nesta cidade das fábricas clandestinas, com os cartoneros [recolhem cartão para vender], no mundo da droga, no mundo da prostituição, existe comércio de pessoas. Por isso nos diz a Palavra de Deus: «Grita com força e sem medo» (cf. Is 58,1); e eu digo-vos: «Gritemos com força e sem medo». Não à escravatura. Não aos que sobram. Não às crianças, aos homens e mulheres usados como material descartável. É a nossa carne que está em jogo! A mesma carne que eu tenho, que vós tendes, está à venda! E tu não te comoves com a carne do teu irmão? «Não, não é igual a mim»... É o teu irmão, é a tua carne.
Hoje Deus diz-nos o mesmo que dizia a Caim: «Onde está o teu irmão Abel?» (tinha-o matado). E Caim, com grande cinismo, responde: «Não sei dele. Sou porventura guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Esta grande cidade de Buenos Aires responde o mesmo muitas vezes! «Que tenho eu com isso? Por acaso devo ocupar-me de tudo?» É o teu irmão, é a tua carne, é o teu sangue!... Tornámo-nos insensíveis, perdemos o coração. Buenos Aires esqueceu-se de chorar ao vender os seus filhos, Buenos Aires esqueceu-se de chorar ao escravizar os seus filhos... E hoje olhamo-nos nos olhos... Lutemos juntos para que esta cidade reconheça a sua queda... e chore, e se corrija... e faça justiça...
(4 de setembro de 2009)
in Jorge Mario Bergoglio/Papa FRANCISCO, Só o amor nos salvará.
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