sábado, 24 de agosto de 2013

XXI Domingo do tempo Comum - ano C - 25 de agosto

       1 – Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos.
       Olhando para os meios de comunicação social, mas também à nossa volta, cedo verificámos que os primeiros são os bem-sucedidos, a viver em mansões de luxo, dinheiro aos molhos, carros de alta cilindrada, que participam em festas onde se gastam balúrdios, sublinhando a beleza corporal, com enorme visibilidade social, e influência política e cultural, futebolistas e atletas de alta competição, estrelas de cinema e televisão, cantores.
       O primeiro sublinhado: as pessoas têm o direito a usufruir do fruto do seu trabalho, se é justo e honesto, e a serem reconhecidas pelo seu talento. Por outro lado, e é mesmo outro lado, para alguém enriquecer precisa de outros. A riqueza produzida precisa da matéria-prima (a criação é de todos e para todos, alguns já nascem sem direito aos bens da criação), das pessoas que trabalham (o dinheiro e os bens não caem do céu, há quem produza e nem sempre seja remunerado justamente), que gerem, que engendram, com criatividade e inteligência, novos produtos e formas de aumentar e rentabilizar capitais e riqueza. Do mesmo modo, para sermos reconhecidos precisamos de outros iguais (não inferiores).
       Deseja-se, em prol da harmonia e da paz social, que os mais ricos partilhem com os mais necessitados, não fechem os olhos à miséria. Nas democracias, o pagamento de impostos, ajustados aos recursos disponíveis. Em todos os regimes, a exclusão da corrupção, como fator de equilíbrio e justiça social. A riqueza e os bens materiais não impedem as pessoas de serem cristãs. Há empresas que promovem os ideais do Evangelho, usufruindo, envolvendo os trabalhadores na gestão, gerando emprego e capital, investindo na formação, na criação de novos empregos, na sustentabilidade das empresas, remunerando de forma justa e atendendo às necessidades das famílias.
       No evangelho, víamos há pouco, alguém pede a Jesus a intervenção na disputa de uma herança. Jesus aparentemente não “toma partido”, mas aponta uma causa a vencer: a avareza. Para quem tenha muito e para quem tenha pouco. O avarento não olha para as pessoas como pessoas, mas como números e como meio para obter o maior lucro. Assim se caracteriza o capitalismo selvagem que não garante a sobrevivência da humanidade, ao invés, gera miséria, revolta, conflito, depressões, destruição e morte.
       2 – Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos.
       Jesus vai mais além. Todos somos filhos de Deus e como irmãos devemos cuidar uns dos outros e sobretudo dos mais frágeis. Esta é uma forma privilegiada de encontrar Deus. Além disso, as sociedades tendem a gerar ódios e violências quando há uns que têm tudo e outros que não têm nada. Em questões de sobrevivência, quem nada tem, nada tem a perder no meio do caos que se possa instalar. Vejam-se as manifestações em Madrid, Marselha, São Paulo ou Rio de Janeiro, cujas razões iniciais (falta de emprego, salários miseráveis, preço elevadíssimo dos bens essenciais) dão azo a outras motivações (anarquia, racismo, ladroagem).
       Os “privilegiados” pelo trabalho, pela herança patrimonial e/ou pela sorte devem sentir-se envolvidos na sociedade, corresponsáveis, irmãos, sabendo que há mais alegria em dar do que em receber. E “um obrigado” muitas vezes vale mais do que alguns milhares de euros. Na lógica do evangelho e da vida, o dom só tem sentido se partilhado. O pecado das origens tem muito a ver com isto, como recordava D. António Couto, aos jovens Crismandos da paróquia de Tabuaço, o pecado não está no colher o fruto da árvore, mas no arrebanhar esse fruto sem o partilhar, fechando as mãos. Só eu poderei colher os frutos daquela árvore. Eu. Eva e Adão. Mais ninguém. Mas a árvore era para todos, também para os filhos e para as gerações futuras, também para outros casais. O que recebi (gratuitamente) não tenho o direito de reter apenas para mim ou para os meus.
       Curiosa aquela passagem da Sagrada Escritura a que se juntam as palavras de Caim: acaso sou guarda do meu irmão? Novamente o egoísmo. Se alguém me faz frente ou sombra, excluo ou mato?! A palavra de Deus não deixa margem à dúvida: sou guarda do meu irmão, sou responsável por ele. Não matarás. Amarás o próximo como a ti mesmo.
       A este propósito, o povo Eleito tinha uma lei que repunha mais igualdade e justiça. A cada 7 anos, a terra, a vinha e olival descansavam e os pobres podiam alimentar-se (Ex 23, 10-11), e os escravos ser libertos (Ex 21, 1-11). Por outro lado, a contagem 7 X 7 anos, 49 anos, findos os quais se realizava o Jubileu, dia do grande Perdão: “Cada um de vós voltará à sua propriedade, e à sua família... Nenhuma terra será vendida definitivamente porque a terra pertence-me, e vós sois apenas estrangeiros e meus hóspedes. Portanto, concedereis o direito de resgate a todas as terras que forem da vossa propriedade. Se o teu irmão cair na pobreza e vender uma parte da sua propriedade, a que tem direito de resgate, o seu parente mais próximo deve ir resgatar o que o seu irmão vendeu” (Lv 25, 8-34).
       3 – Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos.
        Reconhecemos os últimos do nosso tempo com demasiada facilidade: pobres, desempregados, deficientes, maltrapilhos, cada vez mais, os sem-abrigo, mulheres maltratadas, crianças sem família, pedintes, e aqueles que passam fome e de forma envergonhada não solicitam ajuda, famílias endividadas (algumas por culpa própria, muitas pelo sistema económico-financeiro colapsado), devido a expectativas exacerbadas, ou consequência de falências danosas (muitas por negligência ou por dolo) que geraram milhares de novos desempregados, não apenas de um membro da família, mas o casal, os emigrantes (uns poucos por vontade própria, por opção, muitos porque não terem outro remédio), à procura de novas pátrias, muitos morrendo na travessia, como sublinhou a visita do Papa a Lampedusa, os idosos, uma franja significativa da sociedade que por vezes é esquecida como o casaco de inverno no bengaleiro durante a maior parte do ano, a quem é negado o direito à participação ativa…
       Se a bolsa de valores tiver uma ligeira queda, alerta o Papa, logo se gera um drama, que ocupa grande parte dos noticiários, colocando de sobreaviso os bancos, governos, agências que enlixam países e sistemas financeiros. Morrem milhares de pessoas por dia à fome, vítimas de violência doméstica, da toxicodependência, de guerras, de milícias populares, de rixas entre bandos, e serão notícia se o sistema financeiro não fornecer dados novos, sem direito a atenção dos “fazedores de opinião”. É algo que já faz parte da paisagem. Indiferença. Notícias para preencher espaço.
       4 – Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos.
       Alguém se acerca de Jesus e lhe pergunta: «Senhor, são poucos os que se salvam?». Faz-nos refletir a resposta de Jesus «Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque Eu vos digo que muitos tentarão entrar sem o conseguir». Uma reprimenda? Talvez. Ou um desafio: não vos preocupeis com a quantidade dos que se salvam. É dom de Deus. Preocupais-vos em entrar pela porta estreita.
       Voltando um pouco atrás. Somos responsáveis pelos outros, mas não podemos obrigar os outros a agir desta ou daquela maneira. “Quem Me fez juiz das vossas partilhas?” Nem sequer podemos usar a Escritura Sagrada para fazer prevalecer uma obrigação aos outros. A salvação é uma proposta luminosa que pode guiar-nos pelo reino de Deus. Cabe-nos acolher ou recusar.
       Obviamente, a partilha solidária, a atenção aos outros, o cuidado dos mais desfavorecidos, não é uma opção para o discípulo de Jesus, é uma exigência interior. A fé provoca as obras. A fé exige compromissos concretos com o bem dos outros. O "salve-se quem puder" para os cristãos terá de ser salvação acolhida, vivida e celebrada em comunidade. Não posso obrigar os outros. Mas devo obrigar-me a mim, como seguidor de Jesus, esforçando-me por entrar pela porta estreita.
       O compromisso é de cada um de nós. Não há volta a dar. Amar a Deus implica amar aqueles que Deus ama. Não se pode amar o Pai odiando os filhos. Amamos a Deus cuidando dos irmãos. Ou somos mentirosos. A fé sem obras é perfeitamente dispensável, é como árvore sem frutos, diria Bento XVI. As obras testam, explicitam e tornam a fé significativa e relevante.
 
       5 – Há últimos que serão dos primeiros e primeiros que serão dos últimos.
       Com efeito, a Palavra de Deus traz-nos Luz para a nossa peregrinação terrena e história. A garantia da salvação que nos chega de Deus envolve-nos e compromete-nos na oração, na paz e na justiça. O profeta Isaías, na primeira leitura, fala-nos dos desígnios do Senhor que quer congregar todos os povos, na contemplação da Sua glória, para qual todos somos atraídos.
       De modo semelhante poderemos entender as palavras da Epístola aos Hebreus: no convite a exercitarmos a paz e a justiça, promovendo a correção fraterna, como os pais em relação aos filhos, para vivermos harmoniosa e fraternalmente em comunidade.

Textos para a Eucaristia (ano C): Is 66, 18-21; Heb 12, 5-7.11-13; Lc 13, 22-30.

Sem comentários:

Enviar um comentário