sábado, 20 de setembro de 2014

XXV Domingo do Tempo Comum - ano A - 21 de setembro

       1 – Jesus diz aos que O contestam por curar ao sábado: Meu Pai trabalha em todo o tempo, e Eu também trabalho (cf. Jo 5, 17). Nunca é inútil ou inoportuno o tempo usado para o bem, para trabalhar na vinha do Senhor. São sempre horas. Não há dias próprios para não fazer nada, para cruzar os braços. Em todo o tempo, é tempo para servir, para amar, para se dar a favor dos outros.
       No caso de hoje, Jesus compara o Reino dos Céus a um proprietário que sai muito cedo para contratar trabalhadores para a sua vinha, ajustando com eles um denário por dia.
«Saiu a meia-manhã, viu outros que estavam na praça ociosos e disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha e dar-vos-ei o que for justo’. E eles foram. Voltou a sair, por volta do meio-dia e pelas três horas da tarde, e fez o mesmo. Saindo ao cair da tarde, encontrou ainda outros que estavam parados e disse-lhes: ‘Porque ficais aqui todo o dia sem trabalhar?’. Eles responderam-lhe: ‘Ninguém nos contratou’. Ele disse-lhes: ‘Ide vós também para a minha vinha’»
       Assim é Deus para connosco, para com todos. A toda hora nos convoca para a missão. Por que nos encostamos? Por que achamos que não temos nada para dar a favor dos outros? Por que deixamos que os outros façam tudo? Por que nos resignamos diante das dificuldades que encontramos pela frente?
       Aquele proprietário não sai à procura de indiferentes, de acomodados da vida, dos que estão sem fazer nada, para lhes dar esmola, ou os ajudar a ficar onde estão. Nada disso. Se podem trabalhar, então é necessário que trabalhem pelo seu sustento, fazendo pela sua vida, seguindo-o para a vinha.
       Bem sabemos que há muitas pessoas que querem trabalhar e não podem, pela idade, pela doença, por que têm de tomar conta de alguém, ou não têm quem os ajude, quem os chame para trabalhar. Outros, porém, preferem que lhes caia do Céu. Na vinha do Senhor, todos podemos trabalhar, alguns pela oração, outros pela oração e pela caridade; no trabalho honesto e no voluntariado.
       2 – «Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos».
       No final do dia, o dono da vinha manda pagar o salário, a começar pelos últimos que chegaram para trabalhar. A cada um é pago um denário, aos das primeiras horas e aos que chegaram ao entardecer. Os que tralharam todo o dia julgam que receberão mais do que os outros, ainda que o ajustado tivesse sido um denário. Recebem o mesmo. Não compreendem. Murmuram, pois suportaram o peso do dia e o calor, ao passo que os que chegaram por último recebem a mesma importância.
       Eis a resposta do dono da vinha:
«‘Amigo, em nada te prejudico. Não foi um denário que ajustaste comigo? Leva o que é teu e segue o teu caminho. Eu quero dar a este último tanto como a ti. Não me será permitido fazer o que quero do que é meu? Ou serão maus os teus olhos porque eu sou bom?’. Assim, os últimos serão os primeiros e os primeiros serão os últimos».
       A lógica de Deus é muito diferente da nossa lógica. No tempo atual, como aqueles trabalhadores das primeiras horas, dificilmente entenderíamos que fosse pago o mesmo a quem trabalhou 8 horas ou a quem trabalhou só uma hora. Ainda que haja quem ganhe fortunas por não fazer nada e quem se mate a trabalhar por rendimentos que mal dão para sobreviver.
       Na economia de mercado, pelo mesmo trabalho, com qualificações iguais, o mesmo ordenado. Pode atender-se à produtividade: quanto mais produzires mais ganharás, promovendo o mérito. Há, porém, ainda a questão do género, as mulheres pelo mesmo trabalho ganham menos.
        O dono da vinha, Deus, está acima dos calculismos. Não avalia pela produtividade, ou pelo tempo despendido, avalia o coração, a conversão, a disponibilidade.
       Seguindo o Mestre dos Mestres, na opção referencial pelos mais pobres, em conformidade com a vivência das comunidades cristãs das origens, a Doutrina Social da Igreja (DSI) propõe uma descriminação positiva, preconizando uma justiça social solidária. Exemplo: duas pessoas fazem o mesmo trabalho. Ordenado igual, como ponto de partida, ajustando-se em conformidade com a família que tem para sustentar. Não é igual ganhar € 500,00 e viver sozinho, ou € 500,00 e ter 3, 4 ou 5 pessoas que dependem daquele vencimento. Claro que cada caso é um caso.
       Na comunidade cristã, posto tudo em comum, distribuíam conforme as necessidades, para que ninguém passasse necessidade e nenhuma família passasse privações. Já assim era na recolha do maná, cada família deveria recolher o necessário para os de casa, sem levar a mais. Do mesmo modo, por ocasião da Páscoa, a família escolhia um cordeiro de acordo com os seus membros. Se a família fosse pouco numerosa, para o tamanho do cordeiro, deveria dividi-lo por outra família que não tivesse possibilidades de matar um cordeiro, para que ninguém deixasse de comemorar a Páscoa com dignidade, à volta da mesa, recordando as maravilhas operadas por Deus a favor de todo o povo.
       Não se trata de colocar em causa a sustentabilidade de empresas ou do Estado, mas promover uma redistribuição da riqueza mais justa, para que todos vivam acima do limiar da pobreza, com dignidade, e com a contribuição de todos. Quem pode trabalhar deve trabalhar. Um dia poderá não ter possibilidade de o fazer. Irá então precisar da benevolência dos outros. Há que trabalhar hoje e ser benevolente para os que não tem o necessário para viver dignamente, e não tem forma de prover às suas necessidades.
       3 – A lógica de Deus é diferente da lógica de mercado. Todos estamos habilitados à salvação de Deus. Todos estamos no mesmo barco. Se alguém não rema é mais difícil para os outros! A Sua misericórdia é infinita, sem medida. Deus, como uma Mãe, não se dá em parte, reservando algo. Não. Deus dá-Se por inteiro, como o testemunha Jesus na Cruz. Até à última gota de sangue.
       Como não recordar as parábolas de São Lucas, no capítulo 15. Um exemplo por demais luminoso a parábola do Pai misericordioso (ou do Filho Pródigo). O seu amor é tão intenso que respeita as escolhas do filho e não o recrimina quando este abandona a casa. Quando regressa, o Pai não ajusta contas, abraça-o e faz-lhe uma festa, devolve-lhe o essencial, a dignidade de filho. Os olhos do mais velho não aceitam, não compreendem. Como é possível? A resposta daquele Pai, e de Deus, é que tudo o que é do Pai é do Filho. Deus é TUDO para TODOS. Não é divisível. O amor autêntico não é divisível. O amor é um todo, e para sempre, eterno. As parábolas seguintes são semelhantes, há mais alegria no Céu por um só pecador que se arrependa do que por 99 justos que não precisam de arrependimento. O pastor sai do redil à procura da ovelha perdida, deixando as 99 ovelhas protegidas no aprisco. Ou aquela mulher que perdendo uma dracma se "esquece" das outras 9. Quando encontra a dracma perdida faz uma festa com as amigas, gastando, talvez, mais do que aquilo que recuperou. Mas também aqui a dimensão afetiva e espiritual é mais importante que o valor material.
       Para a Mãe, para os pais, o filho que está em casa merece tudo. O filho que saiu sem dar notícias, merece a mesma predileção, mas como bem sabemos, o coração dos pais andará sempre sobressaltado. O regresso dá lugar à alegria, ao conforto, e agradece-se a Deus pelo reencontro de toda a família.
       "O Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade. O Senhor é bom para com todos e a sua misericórdia se estende a todas as criaturas" (salmo). Deus dá-nos tudo, sempre. O que é necessário: reconhecermo-nos pecadores, arrepender-nos de tudo o que transtorna a nossa relação com Ele e com o outros, empenharmo-nos na Sua vinha.
       «Deixe o ímpio o seu caminho e o homem perverso os seus pensamentos. Converta-se ao Senhor, que terá compaixão dele, ao nosso Deus, que é generoso em perdoar. Porque os meus pensamentos não são os vossos, nem os vossos caminhos são os meus – oráculo do Senhor –. Tanto quanto o céu está acima da terra, assim os meus caminhos estão acima dos vossos e acima dos vossos estão os meus pensamentos» (primeira leitura). Não nos preocupemos com a bondade de Deus para com todos, até para com os maus, preocupemo-nos em andar nos caminhos do Senhor.
       Somos daqueles que ouvem a voz do dono da vinha e se levantam para ir para a vinha? Ou continuamos ociosos, sem nada para fazer, não querendo fazer nada pelos outros? Ainda ninguém nos chamou? Ou ainda não nos dispusemos?
       No reino de Deus há lugar para todos. Quantos mais levarmos connosco, melhor! Se excluímos alguém neste mundo, como poderemos ir para o mesmo coração do Pai, para a mesma habitação eterna?
       4 – O apóstolo, na segunda leitura, coloca à comunidade um dilema: morrer para estar junto de Jesus ou viver trabalhando para que outros possam converter-se a Jesus.
“Cristo será glorificado no meu corpo, quer eu viva quer eu morra. Porque, para mim, viver é Cristo e morrer é lucro. Mas, se viver neste corpo mortal me permite um trabalho útil, não sei o que escolher. Sinto-me constrangido por este dilema: desejaria partir e estar com Cristo, que seria muito melhor; mas é mais necessário para vós que eu permaneça neste corpo mortal. Procurai somente viver de maneira digna do Evangelho de Cristo”.
       Trabalhar sem desfalecer na vinha do Senhor. Por nós. Pelos outros. Por todos. Para Deus.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Is 55, 6-9; Sl 144 (145); Filip 1, 20c-24.27a; Mt 20, 1-16a.

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