sábado, 25 de outubro de 2014

XXX Domingo do Tempo Comum - ano A - 26 de outubro

       1 – Se dúvidas houvesse sobre a primazia do amor a Deus concretizável e traduzido no amor ao próximo, ficariam desfeitas com a resposta de Jesus aos fariseus: «‘Amarás o Senhor teu Deus com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todo o teu espírito’. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo, porém, é semelhante a este: ‘Amarás o teu próximo como a ti mesmo’. Nestes dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas».
       Um grupo de fariseus ouve dizer que Jesus tinha feito calar outro grupo, o dos Saduceus. Julgando-se mais espertos, aproximam-se para O experimentar, com um elogio inicial, seguido da pergunta: «Mestre, qual é o maior mandamento da Lei?»
     Os judeus, de forma geral, e muito mais os fariseus, estudiosos da Sagrada Escritura, sabem bem qual é o mandamento mais importante. Desde crianças, todo o crente judeu aprende o Shema – «Escuta, Israel! O Senhor é nosso Deus; o Senhor é único! Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças. Estes mandamentos que hoje te imponho estarão no teu coração…» (Dt 6, 4-6; cf. Dt 6, 1-9). Jesus mais não faz do que Lhes recordar esta belíssima oração, rezada várias vezes ao dia, em todas as idades. É o seu credo, a profissão de fé judaica!
       Logo Jesus acrescenta um segundo mandamento, semelhante ao primeiro, juntando-os. Nos dois mandamentos está contida toda a Sagrada Escritura, a Lei e os Profetas. Com efeito, o amor a Deus conduz e exige o amor ao próximo. E quem é o meu próximo? Aquele que é do meu país? Os meus amigos? Os que pertencem à minha religião? Aqueles que precisam de mim? Em São Lucas, Jesus responde com a parábola do Bom Samaritano (cf. Lc 10, 29-37). Próximo é quem se aproxima para ajudar.
       Em São Mateus, por sua vez, Jesus fará a ligação imediata: «Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (cf. Mt 25, 31-46). Acolher Jesus, amar a Deus, entrar na vida eterna, integrar o Reino de Deus, implica acolher, amar, cuidar de todos aqueles que encontramos, especialmente os mais pobres, material ou espiritualmente falando. E não se trata apenas de palavras ou de intenções, é a postura e o programa de vida de Jesus e dos Seus seguidores.
       2 – Ao longo da história da humanidade e, em particular, da história das religiões se viveu em contradição entre o dito e o feito, entre as intenções e as realizações, entre a palavra e as obras, entre as promessas e a vida prática. Não é de hoje. Mesmo que digamos que antigamente é que era, assim ou assado! A palavra era de honra e para cumprir. Mas o ser humano não é perfeito, e as contradições eram mais que muitas. Hoje, por diversos fatores, o divórcio entre a fé e a vida, entre a palavra dada e a palavra assumida, concretizada, corre mais riscos pois está mais exposta.
       Em Jesus, a certeza evidente de que tudo o que nos liga a Deus nos aproxima dos outros. Até mesmo a oração. A vida de Jesus é disso exemplo. A cumplicidade com Deus não Lhe rouba tempo para estar onde é necessário estar. Humanamente não é possível estar em toda a parte, então chama e envia os apóstolos, chama-nos e envia-nos.
       A hipocrisia que Jesus vislumbra em alguns grupos dirigentes não é uma novidade. Os profetas – Isaías, Jeremias, Ezequiel, Joel, e outros – como mensageiros de Deus e em Seu nome deixam transparecer a dicotomia entre a religião e a vida concreta. São palavras duras, sobretudo em relação àqueles que tinham a missão e a obrigação de cumprir a palavra de Deus, visualizando-a na justiça, no cuidado dos mais desfavorecidos, órfãos e viúvas, no acolhimento dos estrangeiros, na solidariedade com os vizinhos, no perdão aos ofensores e aos devedores, na concórdia dentro da família.
       3 – A Lei de Deus – para judeus, os primeiros 5 livros da Bíblia, Génesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronómio, constituem a Lei – contempla precisamente o cuidado e a atenção aos mais frágeis. Não é uma opção. É um mandamento. Diz o Senhor:
«Não prejudicarás o estrangeiro, nem o oprimirás, porque vós próprios fostes estrangeiros na terra do Egipto. Não maltratarás a viúva nem o órfão. Se lhes fizeres algum mal e eles clamarem por Mim, escutarei o seu clamor; inflamar-se-á a minha indignação e matar-vos-ei ao fio da espada. As vossas mulheres ficarão viúvas, e órfãos os vossos filhos. Se emprestares dinheiro a alguém do meu povo, ao pobre que vive junto de ti, não procederás com ele como um usurário, sobrecarregando-o com juros. Se receberes como penhor a capa do teu próximo, terás de lha devolver até ao pôr-do-sol, pois é tudo o que ele tem para se cobrir, é o vestuário com que cobre o seu corpo. Com que dormiria ele? Se ele Me invocar, escutá-lo-ei, porque sou misericordioso».
Voltemos a ler com atenção e veja-se a sabedoria da Lei e a força do mandamento. É vontade de Deus que a justiça, a proximidade, o acolhimento, a generosidade, façam parte do nosso estilo de vida. Deus olha e vê o seu povo e a miséria dos seus eleitos. O mal que fizermos aos outros ou o bem que deixarmos de fazer, pesará nas nossas contas diante de Deus.

       4 – O apóstolo Paulo, de quem habitualmente escutamos a segunda leitura, dá testemunho da sua fé no meio das comunidades que organiza e/ou ajuda a desenvolver. A fé é o ponto de partida, mas tendo em vista o serviço aos irmãos:
"Vós sabeis como procedemos no meio de vós, para vosso bem. Tornastes-vos imitadores nossos e do Senhor, recebendo a palavra no meio de muitas tribulações, com a alegria do Espírito Santo; e assim vos tornastes exemplo para todos os crentes da Macedónia e da Acaia. Porque, partindo de vós, a palavra de Deus ressoou não só na Macedónia e na Acaia, mas em toda a parte se divulgou a vossa fé em Deus, de modo que não precisamos de falar sobre ela".
       Como em outras partes sublinha o apóstolo, a vivência e o amadurecimento da fé compromete as comunidades com os mais desfavorecidos. Cuidados para com os que precisam de ajuda, dentro da comunidade, para que a ninguém falte o necessário para viver com dignidade. Cuidado e atenção e auxílio a favor de outras comunidades onde se verificam maiores dificuldades. São conhecidas as coletas promovidas pelo apóstolo a favor da comunidade de Jerusalém.
       Por um lado, a fé em Jesus Cristo introduz-nos na vida nova. Com a Sua morte e ressurreição, que tornamos presente na Eucaristia, envolve-nos e compromete-nos com o mundo inteiro. Por outro, as obras, o serviço ao próximo, a justiça, a concórdia e a solidariedade, atestam a autenticidade da nossa fé. A fé agrafa-se à vida. A vida adquire sentido, de plenitude, pela fé e projeta-nos até ao Infinito.

       5 – Se nos calarmos, se silenciarmos o grito dos injustiçados, dos esquecidos, dos sem voz nem vez, Deus há de pedir-nos contas. Mas Ele não Se esquecerá. Ele não deixará de ouvir o seu clamor, sobretudo o clamor do pobre:
"Eu Vos amo, Senhor, minha força, / minha fortaleza, meu refúgio e meu libertador. / Meu Deus, auxílio em que ponho a minha confiança, / meu protetor, minha defesa e meu salvador. / Na minha aflição invoquei o Senhor / e clamei pelo meu Deus. / Do seu templo Ele ouviu a minha voz / e o meu clamor chegou aos seus ouvidos".
       Deus vem em meu auxílio, em todos os momentos da minha vida, conduz-me pela mão, e leva-me ao colo ou sustenta-me aos ombros. O pobre clamou, o Senhor ouviu a sua voz.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Ex 22, 20-26; Sl 17 (18); 1 Tes 1, 5c-10; Mt 22, 34-40.

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