sábado, 4 de julho de 2015

Domingo XIV do tempo Comum - ano B - 5 de julho

       1 – Este nunca me enganou! Agora é que mostra a sua verdadeira face! Só agora começo a saber quem tu és realmente! Enganou-me bem, parecia uma coisa e afinal é outra bem diferente.
       Todos nós, por certo, já escutámos ou já fizemos afirmações semelhantes. Queiramos ou não, independentemente de sermos mais intuitivos e observadores acerca dos outros e das suas reações e atitudes, a pessoa-outra será sempre um mistério imperscrutável. Os apóstolos fazem essa experiência acerca de Jesus e acerca uns dos outros. O evangelho de Marcos procura responder à questão "Quem é Jesus?" e à medida que o tempo avança os discípulos vão descobrindo novas facetas, pelo que Jesus diz, pelo que faz, mas também de acordo com a sensibilidade de cada um. Nenhum de nós consegue ser objetivo quando emitimos um juízo de valor sobre o outro. Por isso, a mesma pessoa é amada, é odiada e/ou é indiferente. Nesse caso depende mais de quem avalia.
       O grupo dos apóstolos é constituído por pessoas muito diferentes entre si; na maioria, são pessoas simples, da classe média-baixa, trabalhadores, assalariados, talvez à exceção de Tiago e João cujo pai é dono de várias embarcações e tem a seu encargo outros trabalhadores. Olhando para a aparência, dificilmente nós daríamos alguma coisa por eles. O mais qualificado – no dizer de Augusto Cury, o único a ser aprovado pelo departamento de recursos humanos de qualquer empresa – seria Judas Iscariotes, que se tornou, primeiro, um dos discípulos mais próximos de Jesus e, depois, odiado e apontado pela traição ao Mestre sem o consequente arrependimento e conversão de vida, como aconteceu com os demais.
       Jesus vai à terra que o viu crescer. Todos sabem quem é. Já sabem o que vale. O que ouviram dizer acerca d'Ele não deve corresponder ao que sabem d'Ele. Começam as dúvidas. Ou Ele faz algo de espetacular e acreditamos ou então não passa do filho de José e de Maria, cujos irmãos e irmãs vivem entre nós.
       2 – Os conterrâneos de Jesus acolhem-n’O com sentimentos diferentes.
        O evangelho deixa-nos perceber que já chegaram ecos dos ditos e feitos de Jesus a Nazaré. Como bom filho à casa volta, Jesus deve sentir-se animado e descontraído, como nós, quando estamos com aqueles que cresceram connosco e nos conhecem bem, com quem brincamos, com quem participámos em festas, nas reuniões familiares e em trabalhos comuns! Jesus está em casa e no sábado seguinte vai à sinagoga. Nos dias anteriores, sem forçar o texto, poderemos concluir que Jesus distendeu com os seus discípulos em casa da família, dos amigos e dos vizinhos, entre refeições, afazeres, conversas animadas, e talvez explicando ao que vinha e o que se dizia.
       Chegamos ao sábado, o dia do descanso, da oração e do louvor, do encontro com os outros e da festa em família! Assim deveriam ser os nossos domingos! Jesus cumpre, com os seus discípulos, e apresenta-Se na sinagoga, ensinando. A povoação está ali reunida. A primeira impressão é francamente positiva. As numerosas pessoas presentes estão admiradas com a sabedoria e os feitos de Jesus. Mas estão perplexas, estranhando como alguém dos deles e como eles se pode agora destacar tanto! Como e quando nos ultrapassou?
       Não será o que acontece com os nossos amigos ou colegas de carteira? Um ou outro com quem estudamos e que nunca se destacou e, quando voltamos a encontrar-nos, verificamos que teve sucesso, deu-se bem na vida. Como reagimos? Com alegria ou remoendo por dentro por se ter dado melhor do que nós?
       O texto sucinto de Marcos não nos permite saber exatamente o que se passou entre o momento de admiração dos ouvintes e a reação de Jesus, pois esta não se ajusta ao bom acolhimento que estava a ter. Mas pelas Suas palavras depreendemos que muitos terão ficado de pé atrás, sem se deixarem tocar pela fé e exigindo, como em outros momentos, que Jesus usasse de espetacularidade como se fosse uma espécie de mágico. Diz-lhes Jesus: «Um profeta só é desprezado na sua terra, entre os seus parentes e em sua casa».
       E conclui o evangelista: "Não podia ali fazer qualquer milagre; apenas curou alguns doentes, impondo-lhes as mãos. Estava admirado com a falta de fé daquela gente. E percorria as aldeias dos arredores, ensinando". O verdadeiro milagre é o da conversão à vontade de Deus.
       3 – Jesus é o Profeta de Deus, Profeta por excelência. Deus envia o Seu próprio Filho para resgatar, redimir, salvar, elevar a humanidade dispersa pelo pecado: o egoísmo e ganância, a prepotência e a inveja. Deus, na Sua infinitiva misericórdia e benevolência, não desvia o olhar dos filhos seus, mesmo que estes O recusem ou se desfigurem como Sua imagem e semelhança.
       Ao longo das gerações, Deus envia sinais e mensageiros. Os profetas são interlocutores privilegiados entre Deus e os homens. Jesus, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem, coloca Deus mais perto, dentro, identificando-Se com a humanidade, e coloca o ser humano em sintonia com Deus, assumindo-nos como irmãos, n'Ele somos filhos de Deus. Por conseguinte é o Profeta que vem à Sua terra, porque tudo foi criado por Ele e sem Ele nada foi feito. Em Nazaré visualiza-se que a luz pode ferir aqueles que não estão preparados ou disponíveis para mudar, para se converter, acolhendo Deus nas suas vidas. Veio para os seus e os seus não O receberam (cf. Jo 1, 11).
       O profeta Ezequiel escuta a voz de Deus, que o chama e o envia a um povo rebelde: "Eles e seus pais ofenderam-Me até ao dia de hoje. É a esses filhos de cabeça dura e coração obstinado que te envio". O Senhor acrescenta: podem ouvir-te ou não, mas saberão que um profeta está no meio deles. Por outras palavras, saberão que Eu, o Senhor, não os renego nem deles me afasto.
       Por aqui vemos que a missão dos Profetas, que falam em nome de Deus, denunciando as injustiças e desafiando à verdade e ao serviço, não têm uma tarefa fácil se de facto vêm da parte de Deus. Ezequiel não é enviado a um grupo de amigos dócil e atencioso, mas a um povo que se revoltou contra o seu Deus e O trocou por outros deuses feitos à medida.
       4 – Na bonança ou na adversidade, Deus não cessa de velar por nós. O apóstolo Paulo, como chamado e enviado por Deus, como profeta, procura não se comunicar nem envaidecer, mas antes transparecer e comunicar o Evangelho de Jesus Cristo. A grandeza e riqueza da graça de Deus e das suas revelações poderiam – é sempre um risco – fazê-lo sentir-se acima, ou à parte ou impecável e sem necessidade de conversão. Quando isso acontece é meio caminho andado para nos fecharmos ao Espírito de Deus.
        Sem grandes explicações, o espinho na carne poderá ser uma debilidade física, uma doença incómoda, que o faz tomar consciência que a graça de Deus não anula a fragilidade humana. Como refere, é uma oportunidade para confiar ainda mais em Deus: “De boa vontade me gloriarei das minhas fraquezas, para que habite em mim o poder de Cristo. Alegro-me nas minhas fraquezas, nas afrontas, nas adversidades, nas perseguições e nas angústias sofridas por amor de Cristo, porque, quando sou fraco, então é que sou forte". Do Senhor recebeu essa consolação: «Basta-te a minha graça, porque é na fraqueza que se manifesta todo o meu poder».
       O salmo hoje proposto reflete esta entrega de Paulo a Deus, como a confiança suplicante do salmista e como a nossa súplica confiante, sobretudo em momentos de maior fragilidade:
       "Levanto os meus olhos para Vós, para Vós que habitais no Céu, como os olhos do servo se fixam nas mãos do seu senhor. Como os olhos da serva se fixam nas mãos da sua senhora, assim os nossos olhos se voltam para o Senhor nosso Deus, até que tenha piedade de nós"

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Ez 2, 2-5; Sal 122 (123); 2 Cor 12, 7-10; Mc 6, 1-6.

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