sábado, 30 de janeiro de 2016

Domingo IV do Tempo Comum - ano C - 31 de janeiro

       1 – As pessoas que nos são mais próximas são, ainda assim, as que mais nos surpreendem. Positiva e negativamente. O tempo vai-nos dizendo que as conhecemos de ginjeira, sabemos o que pensam, de que forma reagem, adivinhamos a sua disposição, mesmo que possam tentar disfarçar, sabemos do que são e do que não são capazes. Basta um gesto para as compreendermos e para que nos compreendam. Não precisam de terminar a frase para sabermos o que vão dizer.
       Chega um dia e a pessoa faz algo que nos escapa, que não estava no nosso pensamento. Pelo contrário, sempre tivemos a certeza que não faria o que fez, não diria o que disse, não seria capaz de tamanha façanha. Balizamos aqueles que nos são próximos de tal forma que neles não há mistério ou possibilidade de surpresas. Nada mais enganados! A pessoa é sempre um mistério, que nos escapa, que está para além do conhecimento e do sentimento. A pessoa é única. Irrepetível. Bem podemos dizer que conhecemos bem, mas a pessoa do outro nunca é totalmente abarcável ou decifrável.
       Por outro lado, a proximidade física e emocional pode toldar-nos a forma como vemos o outro, protegendo-o ou desconfiando que possa ultrapassar-nos seja no que for. Está encaixado na família, no povo, sabemos com o que podemos contar.
       Jesus encontra-se na sinagoga de Nazaré, pequena cidade onde cresceu. Entre a assembleia estão conhecidos, familiares, amigos. Conhecem-n'O: «Não é este o filho de José?». Mas é um conhecimento aparente, exterior. A fama de Jesus já os tinha surpreendido. Agora querem ver, não tanto o Jesus que conhecem, mas um fazedor de milagres.
       2 – «Cumpriu-se hoje mesmo esta passagem da Escritura que acabais de ouvir». Assim terminava a homilia de Jesus sobre o trecho de Isaías proclamado no domingo passado: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para anunciar a boa nova aos pobres. Ele me enviou a proclamar a redenção aos cativos e a vista aos cegos, a restituir a liberdade aos oprimidos e a proclamar o ano da graça do Senhor».
       Os olhos estão fitos em Jesus. Na continuação deste relato começa a advinhar-se que doravante Jesus não terá uma vida facilitada. A discussão, contudo não é linear. "Todos davam testemunho em seu favor e se admiravam das palavras cheias de graça que saíam da sua boca". A admiração dos seus conterrâneos não é de fácil leitura. Aparentemente sobrevém uma visão positiva acerca de Jesus mas rapidamente azeda. Jesus lê nas entrelinhas. «Não é este o filho de José?». Perguntavam, ao que Jesus responde: «Por certo Me citareis o ditado: ‘Médico, cura-te a ti mesmo’. Faz também aqui na tua terra o que ouvimos dizer que fizeste em Cafarnaum... Em verdade vos digo: Nenhum profeta é bem recebido na sua terra». Ficou célebre esta expressão. Jesus veio para o que era seu e os seus não O receberam (Jo 1, 11). A fama precedera-O. Eles conheciam-n'O, mas como filho de José e não como Messias. Como é possível? Não pode ser. Como é que um simples carpinteiro virou mestre? Como é que Alguém tão “nosso” arrasta com tanta gente?
       Jesus relembra-lhes situações da Sagrada Escritura em que os profetas foram desprezados, perseguidos, expulsos da sua pátria, e alguns foram mortos. Evoca Elias, perseguido, em fuga, é acolhido pela viúva de Serepta, estrangeira, e Eliseu que curou o Naamã, leproso, o estrangeiro sírio.
       Habituados à assertividade de Jesus e a uma diplomacia inclusiva, esta provocação parece destoar. Ficamos a saber com Quem contamos e ao que vem. Pior do que alguém que discorda de nós, é alguém que não tem opinião acerca de nada, tanto se lhe dá como se lhe deu! Jesus compra esta discussão, não se fica pelos "nins", assim-assim, nem sim nem sopas. Por vezes precisamos de alguém que nos diga o que tem de ser dito e ponha os pontos nos "is". É o que faz Jesus. A réplica de Jesus não colhe. Os que estão na sinagoga ficam furiosos com Ele, levantam-se e expulsam-n’O da cidade, levam-n’O ao alto da colina para o precipitarem dali abaixo, “mas Jesus, passando pelo meio deles, seguiu o seu caminho".
       3 – Nada nos deve impedir ou condicionar de fazer o bem.
       Por vezes é necessário muita resiliência para levar a bom porto os projetos que nos animam. Se o fazemos por nós, talvez até possamos descansar, se é para o bem dos outros, somos impelidos a insistir, insistir, insistir até conseguirmos. Seja como for, temos de estar preparados para encontrar vendavais que podem lançar-nos por terra. Importa não desistir nunca. Deus não desiste de nós. Nunca. Caímos, voltamos a levantar-nos, uma e outra vez e quantas vezes forem necessárias para seguirmos o nosso caminho.
       Jesus segue o caminho traçado: ser bênção e anúncio e vida nova para Israel e para todos os povos. Faz-Se CAMINHO por nós e para nós. Vem e procura-nos, encontra-nos e conduz-nos a Deus. Pelo caminho da história e do tempo encontra adversidades, mas que não O impedem de prosseguir. Querem matá-l'O mas ainda não chegou a Sua hora! É tempo de anunciar a Boa Nova aos pobres e a libertação aos cativos.
       Na primeira Leitura é o próprio Senhor que desafia Jeremias, um dos profetas maiores: «Antes de te formar no ventre materno, Eu te escolhi… te consagrei e te constituí profeta entre as nações. Cinge os teus rins e levanta-te, para ires dizer tudo o que Eu te ordenar. Não temas diante deles… Hoje faço de ti uma cidade fortificada, uma coluna de ferro e uma muralha de bronze, diante de todo este país… Eles combaterão contra ti, mas não poderão vencer-te, porque Eu estou contigo».
       São palavras fortes e elucidativas: "Não temas, faço de ti uma cidade fortificada, uma coluna de ferro, uma muralha de bronze... se recuares serei Eu que te farei temer". Venha quem vier, o anúncio da Mensagem de Deus tem prioridade. O profeta foi chamado desde sempre para essa missão de pregar a palavra de Deus e não tem como se esquivar. Pode ver-se aqui um pré-anúncio do Profeta por excelência, Jesus Cristo, que não recua um passo, segue caminho, irrompe por entre aqueles que O ameaçam em Nazaré, na Galileia, em Jerusalém, na Judeia!
       4 – Jesus não está sozinho, segue confiante, sabe que o Pai está com Ele e O guia até que o tempo seja cumprido em plenitude. Jeremias é chamado por Deus e, por conseguinte, em todos os momentos Deus o acompanhará – Eu estou contigo para te salvar!
       O salmo responsorial, com o qual respondemos (com a Palavra de Deus) à Palavra de Deus, faz-nos rezar para que Deus nos defenda e nos proteja, e nos faça perceber que Ele é verdadeiramente a rocha firme em Quem podemos confiar: "Sede para mim um refúgio seguro, / a fortaleza da minha salvação. / Vós sois a minha defesa e o meu refúgio: / meu Deus, salvai-me do pecador. / Sois Vós, Senhor, a minha esperança, / a minha confiança desde a juventude. / Desde o nascimento Vós me sustentais, / desde o seio materno sois o meu protetor".

       5 – Como segunda leitura tem-nos sido servida a primeira Epístola de São Paulo à comunidade de Corinto. A preocupação do Apóstolo é sublinhar o que de importante e positivo a comunidade vai realizando, alertando para os perigos de se desviar do Evangelho.
       A comunidade de Corinto é geradora de muitas inquietações. É uma comunidade bastante grande. Com muitas pessoas fiéis a Jesus e ao Evangelho, sequiosas de aprender mais e mais. Mas como em todas as sociedades, formadas por pessoas, está sujeita a intrigas, invejas, ódios, ciúmes, abusos, aproveitamentos egoístas.
       Já escutámos o Apóstolo a lembrar que a Igreja é Corpo de Cristo, e como o corpo tem muitos membros, todos importantes, também a Igreja é formada por diferentes membros, com ministérios diferentes, no entanto, é Deus que atua em todos e a todos dá dons para o bem comum.
       Hoje lembra-nos o essencial para nos mantermos no CAMINHO que é Cristo Senhor: "A caridade é paciente, a caridade é benigna; não é invejosa, não é altiva nem orgulhosa; não é inconveniente, não procura o próprio interesse; não se irrita, não guarda ressentimento; não se alegra com a injustiça, mas alegra-se com a verdade; tudo desculpa, tudo crê, tudo espera, tudo suporta... a caridade não acaba nunca. Quando vier o que é perfeito, o que é imperfeito desaparecerá. Quando eu era criança, falava como criança, sentia como criança e pensava como criança. Mas quando me fiz homem, deixei o que era infantil. Agora permanecem estas três coisas: a fé, a esperança e a caridade; mas a maior de todas é a caridade".
       Amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Mandamento novo, amor sem limites. A caridade leva-nos ao Céu. A caridade que nos vem de Jesus e nos atravessa, converte-nos e compromete-nos com os outros, para sempre, até à eternidade.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano C): Jer 1, 4-5. 17-19; Sl 70 (71); 1 Cor 12, 31 – 13, 13; Lc 4, 21-30.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Leituras: MICHELLE KNIGHT - DEPOIS DO INFERNO

MICHELLE KNIGHT, com Michelle Burford (2014). Depois do Inferno. Alfragide: Casa das Letras. 276 páginas.
       A realidade ultrapassa a ficção. A imaginação cria cenários de extraordinária beleza, recria e inventa histórias que ultrapassam qualquer situação do nosso dia a dia. Novelas, séries, filmes que nos envolvem, positiva e negativamente. Como nas notícias, assim também nos trabalhos ficcionados, cada vez é maior a violência, a degradação, os crimes, bem pensados e executados. A este propósito poderíamos concluir que a ficção evolui com a realidade. Preferível que a ficção fosse apenas ficção, para distrair e descomprimir. Porém, o que é ficcionado muitas vezes não chega ao sofrimento real e a situações que estaríamos longe de imaginar.
       Este é um livro, um relato real, que deixa transparecer a violência, a degradação e a depravação, a malvadez. Certamente que nunca conseguiremos entrar totalmente na mente ou no coração de Michelle Knight. Mas ficamos aterrados com a enormidade dos sofrimentos e dos maus tratos que lhe foram infligidos.
       Nunca teve uma vida feliz. Vivia numa carrinha, roubavam para comer. Depois morou numa casa em que de dia para dia apareciam mais familiares para com eles viverem. Durante anos foi violada por um familiar. Até que resolveu sair de casa, tornando-se sem.abrigo e traficante. Ficou grávida. Voltou a casa, depois do traficante de droga que mandava ter sido preso. Depois do nascimento do filho, os abusos continuaram. Um dia, o homem que a violava, agrediu com violência o seu filho Joey, pelo que a Segurança Social lhe retirou a guarda, apesar de não ser diretamente culpada. Tem de andar vários quilómetros para ir às audiências para tentar reaver o filho. Muda-se para casa de uma prima, Lisa. Começa a procurar emprego/trabalho, todos os dias.
       No dia 23 de agosto de 2003, é o dia agendado para a audiência nos serviços sociais. Recusa do transporte assegurado pela segurança social porque um familiar se disponibiliza para a levar, mas chegado o dia não está disponível. Procura todas as formas pro se dirigir para a audiência, mas não sabe onde fica, caminha por muito tempo, pergunta mas ninguém sabe onde fica o local. Regressa ao seu bairro, continua a perguntar, na Loja da Family Dollar, mas sem sucesso. Aparece então Ariel Castro - o animal - que lhe diz que a pode levar, pois sabe onde fica. Como é pai de Emily, amiga de Michelle, esta, ainda que renitente, aceita a boleia e acabará por entrar na casa do "animal", para só sair sair 11 anos depois.
       Entretanto, Ariel Castro rapta mais duas jovens. São tratadas como animais, escravas sexuais, recorrendo à violência, e com pouco alimento. Além das condições inundas, dos maus tratos, da violência, ainda a fome. Ao longo dos anos, sempre com uma réstia de esperança sob as ameaças constantes, vão sofrendo o que há de mais atroz. Michelle engravida, durante o rapto, 4 vezes. Os fetos são abortados pela violência exercida sobre ela. É a mais odiada e por isso a mais violentada. Gina, a jovem raptada algum tempo depois tornar-se-á uma amiga importante para a animar nos momentos mais negros. A fé é outro ingrediente que a alimenta. As duas são as mais sacrificadas, ainda que Gina tenha sido mais preservada. Amanda, por sua vez, é "favorecida" porque o "animal" a considera esposa. Engravida e como a considera esposa deixa que a filha nasça. Depois do nascimento, leva a filha a passear de carro.
       6 de maio de 2013, 11 anos depois, Ariel de Castro saiu de casa e Amanda aproveitou para pedir ajuda. Foram libertadas, Ariel castro viria a ser preso, tendo sido posteriormente condenado a prisão perpétua. Enforcou-se pouco tempo depois. Cada uma à sua maneira, as três vítimas de rapto tentam refazer a vida. Michelle mantém-se afastada da família e também do filho que foi adoptado aos 4 anos de idade, pelo que para preservar a vida do filho se tem mantido afastada.
       É um testemunho arrepiante, mas de algum modo terapêutico para a autora. Ao mesmo tempo uma chamada de atenção para um número considerável de raptos. Os EUA nesta matéria são muito flagelados. É um desafio para que as mães cujos filhos foram raptados não percam a esperança e não deixem de procurá-los e também para que as pessoas quando virem algo suspeito, por menor que sejam, contactem as autoridades de imediato.
"Só através do perdão poderei recuperar a minha vida. Se não o perdoar, será como ficar presa duas vezes: primeiro, enquanto ele me sequestrou na sua casa e, agora, mesmo depois de ele ter morrido. Estou a deixar que o meu ódio por ele se vá esfumando para que eu possa verdadeiramente ter a minha vida de volta".
Outra história semelhante, o rapto e a luta pela dignidade:

quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Papa Francisco - O NOME DE DEUS É A MISERICÓRDIA

FRANCISCO (2016). O Nome de Deus é e Misericórdia. Lisboa: Planeta. 160 páginas
        Vivemos o Jubileu Extraordinário da Misericórdia, convocado pelo Papa Francisco, e cujas motivações se encontram na Bula de Proclamação deste Ano Santo: Misericordiae Vultus (O Rosto da Misericórdia), dada ao mundo no dia 11 de abril de 2015, em Roma, véspera do II Domingo de Páscoa ou da Divina Misericórdia. A Bula vem anexada nesta publicação que ora recomendámos.
       Andrea Tornielli é um conhecido e reconhecido vaticanista (jornalista acreditado pela Santa Sé e que acompanha de perto o Papa, quer no Vaticano, quer nas suas viagens apostólicas), e que ao longo do tempo tem escrito sobre os Papas.
       Numa das primeiras Missas do Papa Francisco, na Igreja de Sant'Ana, no Vaticano, Andrea estava presente e ouviu as palavras do Papa Francisco: «A mensagem de Jesus é a misericórdia. Para mim, digo-o humildemente, é a mensagem mais importante do Senhor... O Senhor nunca se cansa de perdoar: jamais! Somos nós que nos cansamos de Lhe pedir perdão. Então, temos de dar graças por não nos cansarmos de pedir perdão, porque Ele jamais se cansa de perdoar».
       Mais tarde numa das Homilias do Papa Francisco na Casa de Santa Marta: "Deus condena não com um decreto, mas com uma carícia... Jesus vai além da lei e perdoa, acariciando as feridas do nosso pecado".
       Ou então: "A misericórdia é difícil de perceber: não apaga os pecados... o que apaga os pecados é o perdão de Deus... a misericórdia é a forma com que Deus perdoa... como o Céu: olhamos para o céu com muitas estrelas, mas quando nasce o Sol, com tantas luz, as estrelas não se veem. Assim a misericórdia de Deus: uma grande luz de amor, de ternura, porque Deus não perdoa por decreto, mas com uma carícia... acariciando as nossas feridas do pecado, porque Ele é o supremo perdão, a nossa salvação... É grande a misericórdia de Deus, é grande a misericórdia de Jesus: perdoa-nos e acaricia-nos"...
       A partir daqui nasceu o propósito de entrevistar o Papa sobre a misericórdia, por maioria de razão após a convocação do Jubileu Extraordinário da Misericórdia. É este diálogo que nos é apresentado em livro e que explicita, ou sublinhada, os propósitos do Magistério do Papa Francisco e do Jubileu da Misericórdia.

Algumas citações:
"A misericórdia divina contagia a humanidade. Jesus era Deus, mas também era um homem, e na sua pessoa também encontramos a misericórdia humana... A misericórdia será sempre maior que qualquer pecado, ninguém pode impor um limite ao amor de Deus que perdoa... Ele é misericórdia, e porque a misericórdia é o primeiro atributo de Deus. É o nome de Deus".
"Misericórdia é a atitude divina que abraça, é o dom de Deus que acolhe, que perdoa. Jesus disse que não veio para os justos, mas para os pecadores... a misericórdia é o bilhete de identidade do nosso Deus... a misericórdia está profundamente ligada à lealdade de Deus".
"Falta a experiência concreta da misericórdia. A fragilidade dos tempos em que vivemos é também esta: acreditar que não existe a possibilidade da redenção, uma mão que te levanta, que te inunda de amor infinito, paciente, indulgente, que te volta a pôr no caminho certo".
APOSTOLADO DO OUVIDO:
"Tenho de dizer aos confessores: falem, ouçam pacientemente e acima de tudo digam às pessoas que Deus quer o seu bem. E se o confessor não pode absolver, que explique porquê, mas que não deixe de dar uma bênção, mesmo sem absolvição sacramental. O amor de Deus também existe para quem não está disponível para receber o sacramento: também aquele homem e aquela mulher, aquele rapaz e aquela rapariga são amados por Deus, desejosos de bênção. Sejam afetuosos com estas pessoas. Não as afastem. As pessoas sofrem. Ser confessor é uma grande responsabilidade. Os confessores têm à frente as ovelhas tresmalhadas que Deus tanto ama, se não lhes demonstrarmos o amor e a misericórdia de Deus, afastam-se e talvez nunca mais voltem. Por isso, abracem-nos e sejam misericordiosos, mesmo que não os possam absolver. Deem-lhes uma bênção..."
Citação do Papa Bento XVI:
«A misericórdia é na realidade o núcleo central da mensagem evangélica, é o nome de Deus, o rosto com que Ele se revelou na antiga Aliança e plenamente em Jesus Cristo, encarnação do amor criador e redentor. Este amor de misericórdia também ilumina o rosto da Igreja e se manifesta quer através dos sacramentos, especialmente o da reconciliação, quer com as obras de caridade, comunitárias e individuais. Tudo o que a Igreja diz e faz é a manifestação da misericórdia que Deus nutre pelo homem».
Citação do Papa João XXIII, na abertura solene do Concílio Vaticano II:
"A esposa de Cristo [a Igreja] prefere usar o medicamento da misericórdia em vez de abraçar as armas do rigor".

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

D. MANUEL CLEMENTE - O Evangelho e a Vida - ano C

D. MANUEL CLEMENTE (2015). O Evangelho e a Vida. Conversas na rádio no Dia do Senhor. Ano C. Cascais: Lucerna. 304 páginas.
       D. Manuel Clemente teve nos microfones da Rádio Renascença um instrumento privilegiado de evangelização, salientando-se os 12 anos, no programa "O Dia do Senhor", nas manhãs de domingo, a comentar a Liturgia da Palavra de cada domingo, centrando-se especialmente no Evangelho proclamado nesse dia.
        Depois dos dois volumes - ano A e ano B -, a publicação do volume do ano C. A linguagem é radiofónica, portanto, direta, acessível, simples, situando o texto, pondo em evidência uma frase ou uma expressão, a postura de Jesus e a reação das pessoas, a vivência dos discípulos e das comunidades cristãos, a reação dos ouvintes e a forma como as comunidades foram acolhendo e traduzindo a palavra de Deus para melhor viver e seguir Jesus Cristo.
       A Palavra de Deus é viva, para todos os tempos. Jesus ressuscitou, vive entre nós, continua a ser a força e a luz de muitas pessoas e de muitas comunidades. O mundo pode sempre melhorar, os cristãos têm uma importância crucial, com os valores da vida, da dignidade humana, da partilha solidária, do amor caritativo, da doação da própria vida pelo vida dos outros, ao jeito de Jesus, seguindo a Sua Palavra e a Sua maneira específica de privilegiar os mais frágeis, as pessoas excluídas, pela doença, pelo estrato social, pela profissão, pela vida moral. Para Jesus todos são - todos somos - filhos que merecem todo o cuidado, toda atenção.
       Como em outros comentários à Liturgia de Domingo, a sua leitura poderá fazer-se na semana que antecede cada domingo, ficando mais próxima a preparação do mesmo, ou de uma assentada, ficando-se com uma visão global e antecipada de todo o ano litúrgico, que começou com o primeiro domingo do Advento e terminará em 20 de novembro de 2016. Coincidente com este ano litúrgico, a celebração do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, sabendo-se que neste ano C é proclamada preferencial do Evangelho de São Lucas, Evangelho da Misericórdia.
        Havendo diversos subsídios confiáveis e seguros que ajudam a preparar e a refletir a Liturgia da Palavra de cada domingo, também este, seguramente, é um comentário seguro, interpelativo, centrado no texto mais importante para os cristãos - o Evangelho - e num discurso muito direto e muito vivo, inculturado na atualidade, desafiador da criatividade e do compromisso dos cristãos para hoje.

sábado, 23 de janeiro de 2016

Está fora de Si...

Jesus chegou a casa com os seus discípulos.
E de novo acorreu tanta gente, que eles nem sequer podiam comer. Ao saberem disto, os parentes de Jesus puseram-se a caminho para O deter, pois diziam: "Está fora de Si" (Mc 3, 20-21).
       Jesus é seguido por numerosa multidão, atraída pelas suas palavras e pelos seus gestos. Esse sucesso não é bem visto por todos. Chega aos ouvidos dos seus familiares mais próximos que Jesus deveria estar a enlouquecer e pôem-se a caminho para o resgatarem. Certamente a dor de Nossa Senhora se expressa também nesta notícia boateira.
       Reconhecer o mérito daqueles que fazem sucesso nem sempre é fácil. Umas vezes por inveja ou ciúme, outras vezes com medo do diferente e do novo, outras vezes por maldade. Jesus mantém-Se sereno, a pregar, a anunciar a Boa Nova a todos e a todos acolher com deferência e ternura, considerando que os mais frágeis são os preferidos de Deus, pois mais precisam de atenção e cuidados.
       Jesus chega a Casa e n'Ele também nós chegamos a Casa, onde encontramos o alento para viver, o sentido da nossa existência e do nosso comprometimento com os outros. A Casa é lugar de chegada e de repousa, é lugar de envio e de partida. São sempre muitas as pessoas que vêm, que chegam, que querem ver Jesus, ora por curiosidade ora para serem curadas do seu egoísmo e das suas prisões corporais e espirituais.
       Entremos em casa, sentemo-nos à mesa, levantemos o olhar, o coração e a vida para Jesus que está diante de nós.

sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

São Vicente, Diácono e Mártir

Nota biográfica:      
       São Vicente, diácono de Saragoça, o padroeiro da Diocese de Lisboa e da Diocese do Algarve.
       Morreu mártir em Valência (Espanha) durante a perseguição de Diocleciano, depois de sofrer cruéis tormentos. O seu culto logo se propagou por toda a Igreja.
       Diz dele santo Agostinho: "Era tanta a crueldade que afligia o corpo do mártir e tanta a tranquilidade que transparecia na sua voz, era tanta a dureza com que eram maltratados os seus membros e tão grande a segurança que ressoava nas suas palavras, que poderia parecer que, de algum modo maravilhoso, enquanto Vicente suportava o martírio, fosse torturada uma pessoa diferente da que falava".
Oração:
       Deus eterno e omnipotente, infundi em nós o vosso Espírito, para que os nossos corações sejam fortalecidos por aquele amor que ajudou São Vicente a suportar o martírio.

Dos Sermões de Santo Agostinho, bispo
(Sermão 276.1-2: PL 38, 1256) (Sec. V)

Vicente venceu onde o mundo foi vencido


A vós foi concedida a graça, não só de acreditardes em Cristo, mas também de sofrerdes por Ele.
Um e outro dom recebera o levita Vicente; recebera-os e guardara-os. Se os não tivesse recebido, como os guardaria? Tinha confiança na palavra, tinha coragem no sofrimento.
Ninguém se envaideça da sua força interior, quando fala; ninguém confie nas suas forças, quando sofre a tentação; porque, se falamos bem e com prudência, é d’Ele que vem a nossa sabedoria; e se suportamos os males com coragem, é d’Ele que vem a nossa força.
Recordai-vos de Cristo Senhor no Evangelho, exortando os seus; recordai-vos do Rei dos mártires, instruindo nas armas espirituais os seus exércitos, exortando-os para a guerra, fornecendo-lhes auxílio, prometendo a recompensa. Ele, que disse aos seus discípulos: Neste mundo haveis de sofrer, logo os consolou, ao vê-los assustados: Não temais; Eu venci o mundo.
Como nos admiraremos então, caríssimos, que Vicente tenha vencido n’Aquele que venceu o mundo? Neste mundo haveis de sofrer, diz o Senhor: o mundo persegue, mas não triunfa; ataca, mas não vence. O mundo conduz uma dupla batalha contra os soldados de Cristo: lisonjeia-os para os enganar, aterroriza-os para os quebrar. Não nos preocupe o nosso bem-estar, não nos assuste a crueldade alheia, e vencido está o mundo.
A ambas as brechas acorre Cristo, e o cristão não é vencido. Se neste martírio se considera a capacidade humana de o suportar, o facto torna-se incompreensível; mas se se reconhece o poder divino, nada tem de espantoso.
Era tanta a crueldade que afligia o corpo do mártir e tanta a tranquilidade que transparecia na sua voz, era tanta a dureza com que eram maltratados os seus membros e tão grande a segurança que ressoava nas suas palavras, que poderia parecer que, de algum modo maravilhoso, enquanto Vicente suportava o martírio, fosse torturada uma pessoa diferente da que falava.
E era realmente assim, irmãos, era mesmo assim: era outro que falava. Também isto o prometeu Cristo, no Evangelho, às suas testemunhas, quando as preparava para o combate. Na verdade, assim falou: Não vos preocupeis com o que haveis de dizer. Não sois vós que falais, mas o Espírito do vosso Pai que fala em vós.
Portanto, a carne era torturada e o Espírito falava: e enquanto o Espírito falava, não só era vencida a impiedade, mas também era confortada a fraqueza.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2016

D. António Couto: quando Ele nos abre as Escrituras: C

D. ANTÓNIO COUTO (2015). Quando Ele nos abre as Escrituras. Domingo após Domingo. Uma leitura bíblica do Lecionário. Ano C. Lisboa: Paulus Editora. 464 páginas.
       O Bispo de Lamego, D. António José da Rocha Couto, é reconhecidamente um estudioso da Bíblia, pela formação académica, pela responsabilidade pastoral, pelo compromisso universitário, pelo gosto pessoal e bastimal. A Sagrada Escritura é uma enxurrada de Deus que vem até nós pela Palavra inspirada, anunciada, escrita, experimentada, visível na história e no tempo, nos acontecimentos passados e nos momentos que passam, através de pessoas e de povos, e sobretudo em Jesus Cristo, o Filho Bem-amado do Pai, que nos abre o Céu, trazendo-nos, em Si, o próprio Deus.
       Depois da publicação das Leituras Bíblicas do Lecionário ano A e do Lecionário do ano B, com a Introdução ao Evangelho de Mateus e Introdução ao Evangelho de Marcos, eis agora a Leitura Bíblica do Lecionário do Ano C, enquanto se aguarda a edição da Introdução ao Evangelho de Lucas.
Todas as semanas, centenas de pessoas visitam a página de D. António Couto, na qual coloca as propostas de reflexão para o Dia do Senhor, Mesa de Palavras, sendo depois partilhada em diferentes plataformas digitais, também na página da Diocese de Lamego no Facebook.
       Escreve como se fosse a última coisa que fizesse, como um legado, com a mestria de um bisturi, tal como diz da própria palavra de Deus, colocando cada ponto no seu lugar e fazendo pontes, de Jesus para os discípulos, daquele para o nosso tempo, contextualizando o espaço e o tempo, com as ramificações ao passado, à história de Israel, e aos países e regiões vizinhas.
       Como refere D. António Couto, apresentando este livro: "O estilo é o de sempre. A substância é bíblica e litúrgica, com tempero teológico, literário, simbólico, cultural, histórico, arqueológico. Fui-o escrevendo com gosto, pensando em todos aqueles que gostam de saborear os textos bíblicos que a Liturgia nos oferece. Pensei sobretudo naqueles que, domingo após domingo, têm a responsabilidade de abrir as Escrituras à compreensão dos homens e mulheres, jovens e crianças, que, domingo após domingo, entram nas nossas igrejas".
       O andamento é o Ano Litúrgico, domingo após domingo, com os diversos tempos do Advento e Natal, da Quaresma e da Páscoa, do Tempo Comum, e do Santoral, com as principais Solenidades e Festas do Senhor, da Virgem Maria, dos Apóstolos, de Todos os Santos...
"É a estrada bela, e é andando nela que se encontra o repouso para a vida (Jr 6, 16). Encontramos lume e sentido, para voltar à estrada dos dois de Emaús, a quem já ardia o coração (Lc 24, 32). É a estrada que desce de Jerusalém para Gaza. A estrada é no deserto (Atos 8, 26), como a de Isaías (35, 8; 43, 19), mas pode sempre encontrar-se nela o sentido e a água (Atos 8, 35). É a estrada de Damasco, em que podemos sempe cair de nós abaixo e ouvir chamar o nosso nome de uma forma nova e diferente (Atos 8, 4; 22, 7; 26, 14). É a estrada que se abre à nossa frente sempre que ouvimos Jesus a dizer: «Segue-Me!» ou «Vai»!".
       É um extraordinário contributo para quem prepara as Leituras de cada Eucaristia dominical e/ou solene, com arte e engenho, numa escrita cuidada, uma espécie de prosa poética, e com poemas a encerrar muitas das reflexões. Pode ler-se antes de cada domingo ou de cada celebração festiva, mas também se pode ler de uma assentada ficando-se desde logo com uma perspetiva de todo o ano litúrgico, regressando depois novamente aos textos nos domingos correspondentes.
       Com este volume, D. António Couto completa a reflexão dos três ciclos de leituras dos anos A, B e C, faltando, para acompanhar este último título, o estudo sobre o Evangelista do ano C, São Lucas.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2016

AUGUSTO CURY: TREINAR AS EMOÇÕES PARA SER FELIZ

AUGUSTO CURY (2014). Treinar as emoções para ser feliz. Alfragide: Lua de Papel. 168 páginas.
       A TIM - Teoria da Inteligência Multifocal é uma das teses estudadas ao longo de anos e de milhares de páginas por Augusto Cury. Não se trata apenas de uma teoria ao lado de outras para estudiosos testarem, refutarem, compararem. Trata-se de uma opção psicoterapéutica para ajudar pessoas, famílias, escolas, projetos educativos, líderes...
       Para qualquer um de nós seria muito difícil pegar num livro de 3 mil páginas e tentar acompanhar o texto, os passos, o conteúdo. Por certo, só o tamanho já seria suficiente para desmobilizar muitos de nós. O autor, através de diversos artigos, livros, tem procurado tornar mais acessível a teoria, com os diferentes enfoques, utilizando uma linguagem mais simples, com exemplos, muito exemplos, com os quais nos podemos identificar, ou pelo menos, dos quais poderemos tirar ilações para as nossas dificuldades.
       Neste livro, Augusto Cury desafia-nos a cuidar das nossas emoções, que são por demais importantes para a nossa vida, mas que devem ser doseadas com a nossa inteligência, com a nossa razão. Podemos e deveremos duvidar das impossibilidades da nossa vida, criticar os pensamentos e as emoções negativas, e escolhermos viver positivamente, determinando ser autores da nossa história e não meros observadores (DCD - duvidar, criticar, determinar).
       O ser humano é um mistério. Nem a nós nos conhecemos bem quanto mais àqueles que nos são mais próximos. A nossa mente regista todas as informações (RAM - Registo automático da memória), mas sobretudo os momentos mais tensos da nossa vida, os mais significativos. A memória não poderá ser apagada, como quando queremos apagar dados de um computador, mas podemos reeditar as memórias, optando pela vida, pela luta, deixando-nos ajudar pelos outros. O subtítulo ajuda-nos a perceber o conteúdo deste livro: "Não procure a felicidade no mundo lá fora. Ela está dentro de si".
       Cada um de nós é um vencedor. Vencedor na maior das batalhas, a batalha pela vida. Outrora, ainda não tínhamos consciência, nem pensávamos, e lutamos, contra milhões de outros idênticos a nós, prosseguimos a maior das viagens, sem muitos meios. Claro que houve um conjunto de fatores que concorreram para chegarmos ao destino. O espermatozóide que fomos prosseguiu corajosamente até perfurar o óvulo, a outra metade de nós e da qual dependemos para viver. Os fatores que concorreram, outros que foram forçando o óvulo, até que cedeu connosco.
       Vejam-se os oito capítulos em que se divide o livro e que fazem referência direta ao início da vida, à fecundação, mas também ao Mestre dos Mestres, Mestre da Vida, Mestre da Sensibilidade, Mestre do Amor, Mestre da Emoção, Jesus Cristo:

  1. Você venceu o maior concurso da história
  2. Você foi o maior nadador da história
  3. Você foi o maior alpinista da história
  4. Você viveu o maior romance da história
  5. O mais excelente mestre da emoção
  6. O treino da emoção do Mestre dos mestres
  7. A corrida pela vida o grande encontro
  8. Você é insubstituível: um ser único no universo
       Umas das obras de referência de Augusto Cury é sobre a inteligência de Jesus Cristo. A análise parte de uma perspetiva psicológica, pedagógica, e não do ponto de vista religioso e divide-se em 5 volumes: O Mestre dos Mestres, O Mestre da Sensibilidade, O Mestre do Amor, O Mestre Inesquecível, O Mestre da Vida. Jesus tinha tudo para ser uma pessoa ansiosa, stressada, derrotista. Desde as condições em que nasceu às dificuldades que teve que enfrentar ao longo da vida. Quando se aproxima a morte, no Horto das Oliveiras, a ansiedade é tão grande que se dá com ele uma fenómeno muito raro: suor com gotículas de sangue. Mas logo desperta os seus discípulos, fala-lhes do que está a sentir, sem medo, sem se esconder numa suposta supremacia.
       "O mestre da emoção andou com o seu traidor, Judas, por muito tempo e, embora tivesse consciência da sua traição, não o baniu do convívio do seus discípulos. Previu que Pedro iria negá-lo de maneira dramática e não fez nada para impedi-lo. Que homem é este que não desiste nem de um traidor e que suporta ser negado com paciência? ... Ele sabia navegar e ser livre nas águas da emoção!"
       Este é mais um contributo de Augusto Cury para que nunca desistamos da vida. Já fomos os melhores alpinistas, os maiores nadadores da história, já vivemos o maior romance da história, então não desistamos agora ou no momento em que a nossa vida pareça desfeita.

quarta-feira, 6 de janeiro de 2016

D. ÓSCAR ROMERO - pensamentos em primeira pessoa

"O trabalhador não é uma mercadoria, sujeita aos altos e baixos da economia, mas uma pessoa humana que, pelo facto de ser tal, tem direito a um salário justo".

"Se é verdade que não se pode perdoar o terrorismo nem a violência em nome do desacordo, também não se pode justificar a violência oficialmente instituída... o caminho mais seguro para derrotar o terrorismo consiste na promoção da justiça..."

"A única violência legítima é a que Cristo dirige contra Si próprio e que convida a exercer sobre nós próprios: «Quem quiser seguir-Me, negue-se a si mesmo», seja violento consigo próprio, reprima em si a explosão do orgulho, mate na sua alma as ambições da avareza, de avidez, de soberba, de orgulho, elimine isso tudo do seu coração. É isto que é preciso matar, esta é a violência que é preciso exercer para que possa surgir o homem novo, o único capaz de construir uma nova civilização, uma civilização do amor"

"Uma libertação que se atira contra os outros não é libertação. Uma libertação que gera revoluções de ódio e de violência, roubando a vida aos outros ou reprimindo a dignidade dos outros, não pode ser verdadeira liberdade. A verdadeira liberdade é a que faz violência contra si mesma, como a de Cristo, quase não Se reconhecendo como soberano, fazendo-Se escravo para servir os outros"

"Pobre não é só aquele que não tem, mas também o que sabe possuir os bens segundo a vontade de Deus e o amor ao próximo".

"... que é pobre aquele que se converte a Deus e põe n'Ele toda a sua confiança; por sua vez, o rico é aquele que não se converte a Deus e coloca a sua confiança nos ídolos: o dinheiro, o poder, as coisas terrenas. Todo o nosso trabalho consiste em convertermo-nos e converter os outros os outros a este sentido de pobreza autêntica. Na verdade, Cristo disse que o segredo está no facto de não se poder servir a dois senhores, Deus e o dinheiro"

"Ninguém se salva sem conversão à palavra de Cristo"

"O Deus dos céus é o Deus da terra, é o Deus que constrói a história, que vai com os patriarcas, vai com os pais de família, é o Deus dos meus antepassados, o Deus de todos os acontecimentos da minha pátria... É uma Deus que quer estar com os homens, um Deus que sente a dor de quem é torturado e morto, um Deus que dá novamente confiança à Igreja, que denuncia a tortura, a repressão e todos os crimes. O Deus que nós adoramos não é um Deus morto, é um Deus vivo que sente, age, trabalha, conduz esta história e n'Ele esperamos, n'Ele confiamos".

"Quando pregamos a palavra do Senhor, não denunciamos apelas as injustiças de ordem social. denunciamos cada pecado, que é noite, que é escuridão: bebedeiras, gulas, luxúrias, adultérios, abortos, tudo o que é reino do mal e do pecado... Apenas percorrendo caminhos de luz, de honestidade, de santidade, revestindo-nos de Cristo, convertendo-nos ao Senhor, embora tendo sido pecadores, será possível caminhar na direção do [amor de Deus] e construir a verdadeira paz"

"Deus não nos fez para o sofrimento. Se há jejuns, se há penitências, se há oração é porque temos uma meta, muito positiva, que o homem atinge vencendo-se a sim mesmo: a Páscoa, ou seja, a Ressurreição, para que não celebremos apenas uma Cristo que ressuscita de maneira diferente da nossa, mas para que possamos adquirir a capacidade de ressurgir com Ele para uma vida nova, de nos tornarmos aqueles homens novos que exatamente hoje são precisos ao país. Não lançamos apenas slogans de mudança de estruturas, porque as estruturas novas de nada servem quando não existem homens novos"

“Cristo é, para mim, sabedoria, justiça, santificação, redenção. Que quero mais? Esta é a riqueza do coração daquele que é pobre e humilde e fundamenta a sua felicidade, não nas coisas transitórias, que acabam com a morte e o tempo leva embora, mas naquilo que é consistente, como é a sabedoria de Cristo, a Sua justiça, a Sua santificação, a Sua redenção. Bem-aventurados os pobres! Porque sabem onde está a sua riqueza, ou seja, n’Aquele que, sendo rico, Se fez pobre para nos enriquecer com a sua pobreza, para nos ensinar a verdadeira sabedoria do cristão... Há jovens que acreditam que com o amor das Bem-aventuranças se construirá um mundo melhor, mas escolhem a violência, a guerrilha, a revolução. A Igreja nunca fará seu este caminho, que isto fique bem claro mais uma vez… A opção da Igreja é este texto de Cristo: as Bem-aventuranças...".

"A Igreja continua a construir o plano de salvação de Deus, não se afastou dele, e, quando vê nos homens, nos povos da América, a ânsia da libertação, incorpora esta ânsia, esta luta pela libertação cristã, em Cristo, e diz a todos os que trabalham pela libertação que uma libertação sem fé, sem Cristo, sem esperança, uma libertação violenta, revolucionária, não é eficiente, não é autêntica. Deve-se partir da redenção em Cristo, na redenção do pecado. De nada serviriam leis e estruturas, se os homens não se renovassem interiormente, arrependendo-se dos próprios pecados e procurando viver mais justamente"

"Não há salvação senão em Cristo, nosso redentor. E esta redenção de Cristo não é apenas uma redenção que esperamos para depois da morte; é uma redenção que se realiza já nesta vida. A palavra que perturba tantas pessoas, a libertação, é uma realidade da redenção de Cristo... Libertação significa redenção, ou seja, liberdade para o homem de tanta escravidão. Escravidão é analfabetismo. Escravidão é fome, quando não se tem com que comprar comida. escravidão é falta de um tecto, não ter onde viver. Escravidão, miséria, tudo isto anda junto. E quando a Igreja prega que Cristo veio redimir os homens, e que graças a tal redenção não devem existir escravidões na terra, a Igreja não está a pregar subversão, nem política, e nem sequer é comunista. A Igreja está a pregar a verdadeura redenção de Cristo, que não quer escravos, que quer que todos nós, homens, redimidos, que ricos e pobres se amem como irmãos"

"A grande libertação é a da Cristo"

"Mais uma vez o Senhor pergunta a Caim: Onde está Abel, o teu irmão? E embora Caim responda ao Senhor que não é guarda do seu irmão, o Senhor responde: « O sangue do teu irmão grita-me da terra. Por isso esta terra te amaldiçoa, que por obra das tuas mãos bebeu o sangue do teu irmão. Quando cultivares a terra, ela não te pagará com os seus frutos»... Não há nada mais importante para a Igreja que a vida humana, do que a pessoa humana. Sobretudo a pessoa dos pobres e dos oprimidos que além de serem humanos são também seres divinos, porque tudo o que se lhes faz, disse Jesus, faz-Se a Ele mesmo. E aquele sangue, o sangue, a morte, estão para lá de qualquer politica, tocam o próprio coração de Deus... Não esqueçamos aquela história de Deus e Caim: a terra ensanguentada nunca poderá dar fruto".

"Quero continuar a ser, sobretudo nesta hora de confusão, de psicose, de angústia colectiva, um mensageiro de esperança e de alegria, e há motivos para isso... Acima das estratégias, do sangue e da violência, há uma palavra de fé e de esperança que nos diz: há um caminho de saída, há esperança, podemos reconstruir o nosso país. Nós, cristãos, possuímos uma força única. Aproveitemo-la"

"O meu dever obriga-me a andar com o meu povo; não seria justo dar um testemunho de medo. Se a morte vier, será o momento de morrer como Deus quis".

«Porque dar a vida não significa apenas sermos mortos; dar a vida, ter espírito de martírio, é dar no dever, no silêncio, na oração, no cumprimento honesto das obrigações; é dar a vida pouco a pouco, no silêncio da vida quotidiana, como a dá a mãe que, sem medo, com a simplicidade do martírio materno, dá à luz, faz crescer e acode com afeto o seu filho»

terça-feira, 5 de janeiro de 2016

BENTO XVI - Frases da Sacramentum Caritatis

"Na Eucaristia, Jesus não dá «alguma coisa», mas dá-Se a Si mesmo; entrega o seu corpo e derrama o seu sangue. Deste modo dá a totalidade da sua própria vida, manifestando a fonte originária deste amor: Ele é o Filho eterno que o Pai entregou por nós". (7)

"A Eucaristia é Cristo que Se dá a nós, edificando-nos continuamente como seu corpo. Portanto, na sugestiva circularidade entre a Eucaristia que edifica a Igreja e a própria Igreja que faz a Eucaristia,(33) a causalidade primária está expressa na primeira fórmula: a Igreja pode celebrar e adorar o mistério de Cristo presente na Eucaristia, precisamente porque o próprio Cristo Se deu primeiro a ela no sacrifício da Cruz. A possibilidade que a Igreja tem de «fazer» a Eucaristia está radicada totalmente na doação que Jesus lhe fez de Si mesmo. Também este aspecto nos persuade de quão verdadeira seja a frase de São João: «Ele amou-nos primeiro» (1 Jo 4, 19). Deste modo, também nós confessamos, em cada celebração, o primado do dom de Cristo; o influxo causal da Eucaristia, que está na origem da Igreja, revela em última análise a precedência não só cronológica mas também ontológica do amor de Jesus relativamente ao nosso: será, por toda a eternidade, Aquele que nos ama primeiro (14) 

A Eucaristia e Maria

"Desde a anunciação até à cruz, Maria é Aquela que acolhe a Palavra que n'Ela Se fez carne e foi até emudecer no silêncio da morte. É Ela, enfim, que recebe nos seus braços o corpo imolado, já exânime, d'Aquele que verdadeiramente amou os Seus « até ao fim » (Jo 13, 1).

Por isso, sempre que na liturgia eucarística nos abeiramos do corpo e do sangue de Cristo, dirigimo-nos também a Ela que, por toda a Igreja, acolheu o sacrifício de Cristo, aderindo plenamente ao mesmo. Justamente afirmaram os padres sinodais que « Maria inaugura a participação da Igreja no sacrifício do Redentor ».(104) Ela é a Imaculada que acolhe incondicionalmente o dom de Deus, e desta forma fica associada à obra da salvação. Maria de Nazaré, ícone da Igreja nascente, é o modelo para cada um de nós saber como é chamado a acolher a doação que Jesus fez de Si mesmo na Eucaristia". (33)

Adoração do Santíssimo:

"... já Santo Agostinho dissera: «Nemo autem illam carnem manducat, nisi prius adoraverit; (...) peccemus non adorando – ninguém come esta carne, sem antes a adorar; (...) pecaríamos se não a adorássemos». De facto, na Eucaristia, o Filho de Deus vem ao nosso encontro e deseja unir-Se connosco; a adoração eucarística é apenas o prolongamento visível da celebração eucarística, a qual, em si mesma, é o maior ato de adoração da Igreja: receber a Eucaristia significa colocar-se em atitude de adoração d'Aquele que comungamos. Precisamente assim, e apenas assim, é que nos tornamos um só com Ele e, de algum modo, saboreamos antecipadamente a beleza da liturgia celeste. O ato de adoração fora da Santa Missa prolonga e intensifica aquilo que se fez na própria celebração litúrgica. Com efeito, «somente na adoração pode maturar um acolhimento profundo e verdadeiro. Precisamente neste ato pessoal de encontro com o Senhor amadurece depois também a missão social, que está encerrada na Eucaristia e deseja romper as barreiras não apenas entre o Senhor e nós mesmos, mas também, e sobretudo, as barreiras que nos separam uns dos outros». (66)
«Sou o pão dos fortes; cresce e comer-Me-ás. Não Me transformarás em ti como ao alimento da tua carne, mas mudar-te-ás em Mim ». (santo Agostinho) Com efeito, não é o alimento eucarístico que se transforma em nós, mas somos nós que acabamos misteriosamente mudados por ele. Cristo alimenta-nos, unindo-nos a Si; «atrai-nos para dentro de Si ».(70)

"A comunhão tem sempre e inseparavelmente uma conotação vertical e uma horizontal: comunhão com Deus e comunhão com os irmãos e irmãs. Estas duas dimensões encontram-se misteriosamente no dom eucarístico. «Onde se destrói a comunhão com Deus, que é comunhão com o Pai, com o Filho e com o Espírito Santo, destrói-se também a raiz e a fonte da comunhão entre nós. E onde a comunhão entre nós não for vivida, também a comunhão com o Deus-Trindade não é viva nem verdadeira». Chamados, pois, a ser membros de Cristo e consequentemente membros uns dos outros (1 Cor 12, 27), constituímos uma realidade ontologicamente fundada no Batismo e alimentada pela Eucaristia, realidade essa que exige ter expressão sensível na vida das nossas comunidades" (76)
«Não há nada de mais belo do que ser alcançado, surpreendido pelo Evangelho, por Cristo. Não há nada de mais belo do que conhecê-Lo e comunicar aos outros a amizade com Ele» (Início de Pontificado). Esta afirmação cresce de intensidade, quando pensamos no mistério eucarístico; com efeito, não podemos reservar para nós o amor que celebramos neste sacramento: por sua natureza, pede para ser comunicado a todos. Aquilo de que o mundo tem necessidade é do amor de Deus, é de encontrar Cristo e acreditar n'Ele. Verdadeiramente não há nada de mais belo do que encontrar e comunicar Cristo a todos! Aliás, a própria instituição da Eucaristia antecipa aquilo que constitui o cerne da missão de Jesus: Ele é o enviado do Pai para a redenção do mundo (Jo 3, 16-17; Rom 8, 32). Na Última Ceia, Jesus entrega aos seus discípulos o sacramento que atualiza o sacrifício que Ele, em obediência ao Pai, fez de Si mesmo pela salvação de todos nós. Não podemos abeirar-nos da mesa eucarística sem nos deixarmos arrastar pelo movimento da missão que, partindo do próprio Coração de Deus, visa atingir todos os homens; assim, a tensão missionária é parte constitutiva da forma eucarística da existência cristã. (84)

Alimento da verdade e a indigência do ser humano

O Senhor Jesus, pão de vida eterna, incita a tornarmo-nos atentos às situações de indigência em que ainda vive grande parte da humanidade: são situações cuja causa se fica a dever, frequentemente, a uma clara e preocupante responsabilidade dos homens. De facto, «com base em dados estatísticos disponíveis, pode-se afirmar que bastaria menos de metade das somas imensas globalmente destinadas a armamentos para tirar, de forma estável, da indigência o exército ilimitado dos pobres. Isto interpela a consciência humana. Às populações que vivem sob o limiar da pobreza, mais por causa de situações que dependem das relações internacionais políticas, comerciais e culturais do que por circunstâncias incontroláveis, o nosso esforço comum verdadeiramente pode e deve oferecer-lhes nova esperança».

O alimento da verdade leva-nos a denunciar as situações indignas do homem, nas quais se morre à míngua de alimento por causa da injustiça e da exploração, e dá-nos nova força e coragem para trabalhar sem descanso na edificação da civilização do amor. Desde o princípio, os cristãos tiveram a preocupação de partilhar os seus bens (Act 4, 32) e de ajudar os pobres (Rm 15, 26). O peditório que se realiza nas assembleias litúrgicas constitui viva reminiscência disso mesmo, mas é também uma necessidade muito atual. As instituições eclesiais de beneficência, de modo particular a Caritas nos seus vários níveis, realizam o valioso serviço de auxiliar as pessoas em necessidade, sobretudo os mais pobres. Tirando inspiração da Eucaristia, que é o sacramento da caridade, aquelas tornam-se a sua expressão concreta; por isso, merecem todo o aplauso e estímulo pelo seu empenho solidário no mundo. (90)

Eucaristia e ecologia:

Nesta perspectiva sacramental, aprendemos dia após dia que cada acontecimento eclesial possui o carácter de sinal, pelo qual Deus Se comunica a Si mesmo e nos interpela. Desta maneira, a forma eucarística da existência pode verdadeiramente favorecer uma autêntica mudança de mentalidade no modo como lemos a história e o mundo. Para tudo isto nos educa a própria liturgia quando o sacerdote, durante a apresentação dos dons, dirige a Deus uma oração de bênção e súplica a respeito do pão e do vinho, «fruto da terra», «da videira» e do «trabalho do homem». Com estas palavras, o rito, além de envolver na oferta a Deus toda a actividade e canseira humana, impele-nos a considerar a terra como criação de Deus, que produz quanto precisamos para o nosso sustento. Não se trata duma realidade neutral, nem de mera matéria a ser utilizada indiferentemente segundo o instinto humano; mas coloca-se dentro do desígnio amoroso de Deus, segundo o qual todos nós somos chamados a ser filhos e filhas de Deus no seu único Filho, Jesus Cristo (Ef 1, 4-12). As condições ecológicas em que a criação subjaz em muitas partes do mundo suscitam justas preocupações, que encontram motivo de conforto na perspectiva da esperança cristã, pois esta compromete-nos a trabalhar responsavelmente na defesa da criação; (250) de facto, na relação entre a Eucaristia e o universo, descobrimos a unidade do desígnio de Deus e somos levados a individuar a relação profunda da criação com a «nova criação» que foi inaugurada na ressurreição de Cristo, novo Adão. Dela participamos já agora em virtude do Baptismo (Col 2, 12s), abrindo-se assim à nossa vida cristã, alimentada pela Eucaristia, a perspectiva do mundo novo, do novo céu e da nova terra, onde a nova Jerusalém desce do céu, de junto de Deus, « bela como noiva adornada para o seu esposo » (Ap 21, 2) (92).

A doação que Jesus faz de Si mesmo no sacramento memorial da sua paixão, atesta que o êxito da nossa vida está na participação da vida trinitária, que nos é oferecida n'Ele de forma definitiva e eficaz. A celebração e a adoração da Eucaristia permitem abeirar-nos do amor de Deus e a ele aderir pessoalmente até à união com o bem-amado Senhor. A oferta da nossa vida, a comunhão com a comunidade inteira dos crentes e a solidariedade com todo o homem são aspectos imprescindíveis da logiké latreía, ou seja, do culto espiritual, santo e agradável a Deus (Rm 12, 1), no qual toda a nossa realidade humana concreta é transformada para glória de Deus (94).

Paróquia de Tabuaço - quadra de Natal 2015

       O Natal é popularmente a Festa mais importante de cariz cristão, abrangendo toda a sociedade civil, com uma componente importante no comércio, potenciando, ao chegar-se ao final do ano, o equilíbrio de contas, podendo dessa forma, com sensatez, fazer circular positivamente a economia.
       Nas comunidades cristãs é um tempo de forte mobilização, da comunidade paroquial e dos seus grupos, mormente da catequese. Na Paróquia de Tabuaço não tem sido diferente. Ao longo do Advento, a presença da Coroa do Advento, sob patrocínio do Grupo de Jovens (GJT); a construção progressiva do Presépio; a Festa de Natal da Catequese; a intervenção especial do GJT na Missa do Galo, este ano com a encenação de quadros relativos ao tempo do Natal - anunciação a Nossa Senhora, Visitação de Maria à Sua prima Isabel, a revelação do mistério da encarnação a São José e o nascimento de Jesus, e por último a Epifania do Senhor, com a representação da Adoração dos Magos, pelos jovens.
       É deste quadro completo o vídeo-diaporama que se segue, com as músicas de fundo que ajudam a envolver-se na sua visualização: Vem Senhor Jesus - José Meneses; Sou um pobre pastorinho - Paulo Emanuel; Jesus é Vida, Glória ao Senhor - J. Rocha Monteiro SDB, e É noite de Natal - Pe. Salvador Cabral.

segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

Augusto Cury - ANSIEDADE. Enfrentar o mal do século

AUGUSTO CURY (2015). Ansiedade. Como enfrentar o mal do século. Lisboa: Pergaminho. 160 páginas.
       Augusto Cury tornou-se um escritor de renome, que lhe vem da formulação de algumas teorias em psicologia e psiquiatria. Durante 17 anos estudou e produziu um nova teoria: Inteligência Multifocal (TIM), escrevendo milhares de páginas. A tese inicial tinha mais de 3 páginas. Para conseguir que publicassem o seu trabalho teve de batalhar muito. Ao longo do tempo têm vindo a público diversas publicações, que partem daquela teoria, exemplificam-na, tornam-na explícita e acessível a todos.
       Este livro coloca em evidência o SPA - Síndrome do Pensamento Acelerado. Pensar faz bem. Não temos forma de parar o pensamento. É o maior centro de lazer do ser humano. No entanto pensar demasiado é prejudicial à saúde mental e, consequentemente, à pessoa.
        Temos muita informação, mas não somos mais felizes. A ciência e a tecnologia permite-nos resolver muitos problemas mas não têm acrescentado muita qualidade à nossa vida emocional, afetiva. A esperança média de vida é muito mais elevada, mas começamos a morrer muito antes, a envelhecer, ficando pessimistas, agressivos, doentes. E com um forte poder da mente, o surgimento de doenças corporais. O corpo e a mente estão interligadas. Somos psicossomáticos.
       Um dos males maiores do nosso tempo, segundo Augusto Cury, é o SPA, a ansiedade. Não estamos satisfeitos com nada. Pensamos em demasia, fazemos luto antes do tempo, andamos demasiado ocupados e preocupados, não temos tempo para apreciar a vida, a beleza à nossa volta, trabalhamos muitas horas que nem temos tempo para as pessoas que nos são queridas.
       Lembra-nos o autor, que a nossa mente regista milhares de informações, num fenómeno que chama de RAM (Registo automático da memória). Num computador podemos apagar o que não nos interessa, na nossa mente não, não podemos apagar partes da memória, quando muito podemos reeditar as memórias. Com efeito, a memória regista privilegiadamente os acontecimentos, momentos, mais significativos, positivos ou negativos. Se não fizermos a crítica aos nossos pensamentos, se não duvidamos do nosso pessimismo, então poderemos viver num campo minado de emoções.
       Outro dos termos utilizados por Augusto Cury, as janelas killer, pensamentos assassinos. Um clique e disparamos, por vezes sem saber bem porquê. Vem uma lembrança e caímos derrotados, antecipando problemas ou criando-os, deixando-nos abater por uma crítica ou uma derrota. O desafio do autor é a que façamos higiene mental através da técnica de DCD - duvide, critique, determine... Duvide da sua incapacidade, critique os seus pensamentos sobretudo os que são negativos. Seja determinado em promover pensamentos e decisões positivas.

Algumas expressões do autor neste livro:
"Quem não estiver preparado para perder o trivial não é digno de conquistar o essencial. E, se formos amigos da sabedoria, descobriremos que o essencial são as pessoas que amamos... " (p 7).
"O dinheiro compra bajuladores, mas não amigos; compra pacotes turísticos, mas não a alegria; compra todo e qualquer tipo de produto, mas não uma mente livre; compra seguros, mas não o seguro emocional" (pp 10-11).
"Tudo o que mais detestamos ou rejeitamos será registado com maior poder, formando janelas traumáticas, que denomino killer. Se o leitor detesta alguém, tenha a certeza de que essa pessoa dormirá consigo e estragará o seu sono" (p 27).
"A loucura e a racionalidade são mais próximas uma da outra do que imaginamos. Por isso, uma pessoa inteligente jamais discrimina ou diminui os outros" (p 30).
"Quem vence sem riscos triunfa sem dignidade" (p 33).
"Quem vence sem dificuldade triunfa sem grandeza" (p 86).
"Quem vence sem crises e acidentes vence sem glória" (p 144).
"Não há céu sem tempestade" (p 40).
"Ser sábio não significa ser perfeito, não falhar, não chorar e não ter momentos de fragilidade. Ser sábio é aprender a usar cada dor como uma oportunidade para aprender lições, cada erro como ocasião para corrigir caminhos, cada fracasso como hipótese de recomeçar" (p 45).
"A maturidade psíquica não exige que sejamos heróis, mas seres humanos com uma humildade inteligente, capazes de reconhecer a nossa pequenez e imaturidade e de construir uma nova estratégia, uma plataforma de janelas saudáveis, um novo «bairro» na nossa memória. O heroísmo deve ser enterrado" (p 61).
"Pais que querem ensinar os seus filhos a ser pacientes quando eles são impulsivos... o exemplo grita mais do que as palavras... quem trai as suas palavras com as suas ações precisa de aumentar o tom de voz e exercer pressão para ser ouvido. É, portanto, um péssimo líder. Devemos plantar janelas light para contribuir para a formação de mentes livres e de emoções saudáveis" (p 68-69).
"É fundamental que os pais não deem presentes e roupas em excesso aos filhos nem os coloquem em múltiplas atividades. É igualmente fundamental que conquistem o território da emoção deles e saibam transferir o capital das suas experiências, ou seja, que lhes deem o que o dinheiro não pode comprar. Não deixá-los o dia inteiro ligados às redes sociais e a usar smartphones. A utilização ansiosa destes aparelhos pode causar dependência psicológica como algumas drogas..." (p 110).
"Um Eu saudável e inteligente percebe que todos os seres humanos são igualmente complexos no processo de construção de pensamentos, embora essa construção implique diferentes manifestações culturais, velocidade de raciocínio, coerência e sensibilidade (p 84).
"O Eu gestor faz uma higiene mental diária: duvida dos pensamento perturbadores, critica as falsas crenças e determina ou decide estrategicamente aonde quer chegar; portanto, usa a técnica do duvidar, criticar e determinar (DCD)" (p 86).
"Duvidar de tudo o que nos aprisiona, criticar cada pensamento que nos fere e determinar estrategicamente aonde queremos chegar quanto à nossa qualidade de vida e relações sociais são tarefas fundamentais do Eu" (p 136).
"Quem exige demasiado de si retira o oxigénio da própria liberdade, asfixia a sua criatividade e, o que é pior, estimula o registo automático da memória produzir janelas killer sempre que falha, tropeça, claudica ou não corresponde às suas altíssimas expectativas" (p 92)
"Quem faz muito do pouco é muito mais estável e saudável do que quem precisa de muito para sentir migalhas de prazer" (p 92).
"A imaturidade emocional acompanha algumas necessidades neuróticas: de poder, de estar sempre certo, de não saber lidar com os limites, de controlar os outros, de querer tudo rapidamente e de ser o centro das atenções sociais" (p 122).
"Quem não luta pelos seus sonhos e quer tudo rapidamente será uma eterna criança" (p 123).
"Só os amigos nos traem; os inimigos dececionam-nos. Só as pessoas a quem nos damos nos podem ferir tanto" (p 145).
Outros livros que já sugerimos anteriormente (clique sobre o título):

sábado, 2 de janeiro de 2016

Solenidade da Epifania do Senhor - ano C - 03.01.2016

       1 – Todos os encontros podem deixar marcas em nós, mas contam verdadeiramente aqueles que nos tocam a alma e mudam a nossa vida. Há encontros casuais, passageiros, que nem chegam a roçar a roupa. Há pessoas que passam por nós e se mantêm ou mantemos à distância. Cruzamos olhares, passamos ao lado, indiferentes ou em atitude de desprezo. Encontros negativos também contam e também deixam as suas marcas.
       Há, porém, encontros que são decisivos e marcam definitivamente o rumo da nossa vida. Tocam o olhar, a pele, o coração, a alma, a vida. Se cada encontro pode influenciar-nos e enriquecer-nos, há aqueles que nos ajudam a ver a vida de um perspetiva diferente, a acreditar no amanhã, a depositar os nossos sonhos no futuro com esperança. Sentimos que chegamos a casa. Há estrelas que brilham no firmamento e nos atraiam para o melhor que a vida tem para nos dar.
       Os Magos vêm de longe. Mas não importa a distância. Deixam os seus livros, a sua casa, as suas coisas, a família e os amigos. Não importa tanto o que se deixa se nos dirigimos para algo maior e "nos" levamos connosco, com a nossa história. Quem fica, não fica perdido, pois se nos ama acompanhar-nos-á para onde formos e se alegrará com a nossa alegria. Ainda que custe! Os magos seguem com leveza e com pressa de chegar. É uma das características destes dias: Maria com pressa de chegar junto de Isabel; os pastores com pressa de chegar ao Presépio, e os Magos com pressa de adorarem o Deus Menino.
       2 – «Onde está – perguntaram eles – o rei dos judeus que acaba de nascer? Nós vimos a sua estrela no Oriente e viemos adorá-l’O». Quando não sabemos muito bem a direção é melhor parar e perguntar. O GPS – a estrela – levar-nos-á ao destino, mas a confusão da cidade pode distrair-nos do caminho.
       Herodes fica perturbado. O medo toma conta do seu coração. Habituou-se ao poder e não quer que nada ponha em causa a sua comodidade. Chama os príncipes dos sacerdotes e os escribas do povo, informa-se acerca do local do nascimento do Messias, que segundo as profecias será «em Belém da Judeia, porque assim está escrito pelo Profeta: ‘Tu, Belém, terra de Judá, não és de modo nenhum a menor entre as principais cidades de Judá, pois de ti sairá um chefe, que será o Pastor de Israel, meu povo’».
       O alvoroço provocado pela notícia de que o Messias nasceu mobiliza Herodes e a cidade. Uns com boas intenções e outros nem tanto. A notícia que o Menino nasceu e está entre nós deve inquietar-nos, desinstalar-nos, levar-nos a querer saber mais, a descobrir onde O encontrar, para com os Magos O adorarmos e Lhe levarmos os melhores presentes.
        Na primeira leitura, Isaías convoca toda a cidade: "Levanta-te e resplandece, Jerusalém, porque chegou a tua luz e brilha sobre ti a glória do Senhor. Sobre ti levanta-Se o Senhor e a sua glória te ilumina. As nações caminharão à tua luz e os reis ao esplendor da tua aurora. Olha ao redor e vê: todos se reúnem e vêm ao teu encontro; os teus filhos vão chegar de longe e as tuas filhas são trazidas nos braços. Quando o vires ficarás radiante, palpitará e dilatar-se-á o teu coração, pois a ti afluirão os tesouros do mar, a ti virão ter as riquezas das nações. Invadir-te-á uma multidão de camelos, de dromedários de Madiã e Efá. Virão todos os de Sabá, trazendo ouro e incenso e proclamando as glórias do Senhor".
       O mais triste é se estamos ao pé do sino e não ouvimos as horas, por habituação, por desleixo ou preguiça. Vêm de toda a parte. O alvoroço está instalado. Ficamos com Herodes, comodamente instalados à espera que as notícias nos cheguem aos ouvidos, ou seguimos com os Magos, para fora do palácio e da cidade, e vamos a Belém?
       3 – O Messias que estava para vir está no meio de nós. A esperança de Israel concretiza-se n'Aquele Menino há tanto esperado. Todos se hão de prostrar diante d'Ele porque d'Ele virá todo o bem.
       "Os reis de Társis e das ilhas virão com presentes, os reis da Arábia e de Sabá trarão suas ofertas. Prostrar-se-ão diante dele todos os reis, todos os povos o hão de servir. Socorrerá o pobre que pede auxílio e o miserável que não tem amparo. Terá compaixão dos fracos e dos pobres e defenderá a vida dos oprimidos".
        São Paulo, sintonizado com o Salmo, mas sobretudo com Jesus Cristo, fala-nos desta graça que Deus lhe confiou a nosso favor, o mistério de Cristo. "Nas gerações passadas, ele não foi dado a conhecer aos filhos dos homens como agora foi revelado pelo Espírito Santo aos seus santos apóstolos e profetas: os gentios recebem a mesma herança que os judeus, pertencem ao mesmo corpo e participam da mesma promessa, em Cristo Jesus, por meio do Evangelho".
       O nascimento de Jesus é um acontecimento inaudito, Deus assume-nos por inteiro. A todos. Vem para o Seu povo, mas ao alcance de todos os povos, como relembra o Velho Simeão: «Agora, Senhor, deixareis ir em paz o vosso servo, porque os meus olhos viram a vossa salvação, que pusestes ao alcance de todos os povos: luz para se revelar às nações e glória de Israel, vosso povo» (Lc 2, 22-35).
       Os magos mostram que a Mensagem de Deus e os sinais da Sua presença no meio de nós chegam a toda a parte.
       4 – Logo que os magos se afastam do palácio, da cidade, e das distrações, a Estrela que os guia volta a estar visível. Por vezes precisamos deste exercício, de nos afastarmos um pouco, parando, rezando, refletindo a vida, distanciando-nos da árvore para vermos toda a floresta, fazendo silêncio para ver, para escutar, para perceber o que nos rodeia e que caminho havemos de retomar.
       "Eis que a estrela que tinham visto no Oriente seguia à sua frente e parou sobre o lugar onde estava o Menino. Ao ver a estrela, sentiram grande alegria. Entraram na casa, viram o Menino com Maria, sua Mãe, e, prostrando-se diante d’Ele, adoraram-n’O. Depois, abrindo os seus tesouros, ofereceram-Lhe presentes: ouro, incenso e mirra".
       A alegria é uma realidade que acompanha os magos e todos os que se deixam conduzir pela Estrela. Mas sobretudo, ALEGRIA de nos encontrarmos com Jesus. Os magos chegam finalmente onde se sentem em casa, junto de Jesus. E dão-lhe os presentes, simbólicos, a um tempo: ouro – realeza; incenso – divindade, e mirra – humanidade. Há mais alegria em dar do que em receber. E mais que dar, importa dar-se. É o que fazem os pastores, é o que fazem os magos. Dão o melhor que têm porque se querem dar fazendo-se presentes. E recebem o maior presente: Jesus, Deus Menino. E tudo muda.
        O encontro com Jesus fá-los voltar por outro caminho. "E, avisados em sonhos para não voltarem à presença de Herodes, regressaram à sua terra por outro caminho". Herodes tinha-lhes pedido que regressassem ao palácio e lhe dessem informações precisas sobre o Messias. Inspirados por Deus, pelo encontro com Jesus, voltam mas por outro caminho. Também o nosso encontro com Jesus nos há de levar por outro caminho, não preferentemente ao palácio, mas ao mundo.
       "Senhor Deus omnipotente, que neste dia revelastes o vosso Filho Unigénito aos gentios guiados por uma estrela, a nós que já Vos conhecemos pela fé levai-nos a contemplar face a face a vossa glória".

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia: Is 60, 1-6; Sl 71 (72); Ef 3, 2-3a. 5-6; Mt 2, 1-12.