LUÍS RAFAEL (2019). Discípulos missionários do Deus desconhecido. Um estudo exegético-pastoral de Atos 17, 16-34. Lamego: LIAM. 142 páginas.
(Foto: Pe. Hermínio Lopes)
O Pe. Luís Rafael, natural de Vila da Ponte, membro a Equipa Sacerdotal da Paróquia de Almacave, ligado há muitos anos aos Jovens Sem Fronteiras (JSF), lançou há algumas semanas a sua dissertação de mestrado: um estudo exegético-pastoral de At 17, 16-34. Em Lamego, a apresentação do Livro foi no Centro Pastoral de Almacave, no dia 20 setembro. Já demos nota na edição anterior do Jornal. Agora é a nossa leitura e consequente sugestão.
O lema dos JSF é: “Estar perto dos que estão longe sem estar longe dos que estão perto”. E eu diria que por vezes temos dificuldade em valorizar o talento e o trabalho dos que nos são próximos e dos que estão por perto. A sugestão do livro é mais que merecida. Passou o o escrutínio dos avaliadores da Universidade Católica e chegou, com todo o mérito, à publicação assumida pela LIAM (Liga Intensificadora Missionária).
O texto em estudo é do livro dos Atos dos Apóstolos (17, 16-34), diz respeito à intervenção do Paulo no Areópago, em Atenas, perante uma plateia de homens livres, cultos, religiosos, que acreditavam haver pelo menos uns 3 mil deuses, um para cada situação da vida. O Apóstolo dir-nos-á que evangelizar para ele (e claro, para nós, discípulos missionários) não é uma escolha, mas uma obrigação, "ai de mim se não evangelizar" (1 Cor 9, 16). Recomenda a Timóteo: "proclama a palavra, insiste em tempo propício e fora dele, convence, repreende, exorta com toda a compreensão e competência" (2 Tim 4, 2). Ele próprio testemunha a sua vida missionária: "fiz-me servo de todos, para ganhar o maior número. Fiz-me judeu com os judeus, para ganhar os judeus; com os que estão sujeitos à Lei, comportei-me como se estivesse sujeito à Lei – embora não estivesse sob a Lei – para ganhar os que estão sujeitos à Lei; com os que vivem sem a Lei, fiz-me como um sem Lei – embora eu não viva sem a lei de Deus porque tenho a lei de Cristo – para ganhar os que vivem sem a Lei. Fiz-me fraco com os fracos, para ganhar os fracos. Fiz-me tudo para todos, para salvar alguns a qualquer custo. E tudo faço por causa do Evangelho, para dele me tornar participante" (1 Cor 9, 19-23).
Paulo, uma vez convertido, procurou corresponder ao mandato de Jesus Cristo: “Ide e anunciai o Evangelho a toda a criatura” (Mc 16, 15).
Tal como os demais apóstolos, também Paulo começou por se dirigir primeiramente aos judeus, até porque falavam a mesma língua, tinham a mesma base cultural e religiosa, mas cedo percebeu que o Evangelho não poderia ficar refém de um espaço, de um tempo, de uma cultura, mas abrir-se a todo o mundo. Não surpreende que Paulo procure outros mundos para também aí levar o Evangelho de Jesus Cristo. Na Sinagoga e na praça pública, Paulo não cessa de anunciar Jesus e de discutir com quem aparece. Na praça, aparecem também filósofos, epicuristas e estóicos, que o levam ao Areópago. Diante de atenienses e estrangeiros residentes em Atenas, Paulo procura ir ao encontro das suas discussões e anseios, para logo lhes anunciar Jesus Cristo: «Atenienses, vejo que sois, em tudo, os mais religiosos dos homens. Percorrendo a vossa cidade e examinando os vossos monumentos sagrados, até encontrei um altar com esta inscrição: ‘Ao Deus desconhecido.’ Pois bem! Aquele que venerais sem o conhecer é esse que eu vos anuncio».
A partir do discurso de Paulo, o Pe. Luís Rafael meteu mãos à obra para nos desafiar, também a nós, a mim e a ti, a não recearmos os tempos nem os lugares, as dificuldades e os contratempos, mas, sem temor, vivermos, testemunharmos e anunciarmos o Evangelho, com alegria e criatividade.
A dissertação divide-se em três movimentos principais: 1) Estudo sobre o texto e tudo o que o envolve, analisando os aspetos linguísticos-textuais, as circunstâncias histórico-geográficas, religiosas, socioculturais e filosóficas; 2) Análise exegética, os dilemas que o texto apresenta, as temáticas teológicas presentes e a ponte para a filosofia grega; 3) A atualização do relato, deixando-nos desafios, apresentando os novos areópagos e as oportunidades com que hoje nos deparamos para anunciar o Evangelho.
O trabalho está bem fundamento, com recurso a diversas fontes e diferentes áreas da teologia e do saber. O terceiro capítulo coroa o caminho árduo do trabalho, numa dinâmica mais pessoal e escorreita, com cenários que nos convocam à esperança e ao compromisso com o Evangelho de Jesus. Os desafios são lançados depois do trabalho "árduo", que fundamentam, contextualizam e explicitam a sábia intervenção de São Paulo no Areópago, o maior evangelizador de todos os tempos.
Eis os desafios que o Pe. Luís Rafael nos deixa, para sermos discípulos missionários do Deus a conhecer e sobretudo a viver:
1) Religiosidade XXI. "A cidade repleta de ídolos" (Atos 17, 16b):
"Quantas vezes os batizados trocam o encontro comunitário com Deus por uma simples ida a uma catedral desportiva ou por uma manhã de compras no centro comercial! Eis o despotismo da indiferença... já não se trata da negação de Deus, mas do Seu desconhecimento... Um evangelizador tem de se destacar pela diferença: ele não vende Deus, dá-O a conhecer, dá-O gratuitamente para saciar a sede de todos os que vivem perto e longe d'Ele, todos os que O amam ou O negam, e de modo especial a todos os que vivem atormentados com medo, subjugados a facilitismos cegos, guiados pela prevenção esotérica... aquelas pessoas que 'tateando', procuram na escuridão longínqua um Deus que, na verdade, está bastante próximo de cada um (cf. Atos 17, 27)".
2) Lugares de proximidade. "De pé, no meio do Areópago" (Atos 17, 22a):
"O anúncio do Evangelho também tem de ser feito em Braga, em Lamego, em Vila da Ponte, em nossa casa, no meio desta 'apostasia silenciosa', onde os próprios batizados vivem como se Deus não existisse... é necessário que sejamos corajosos e criativos... temos de ser nós a sair, a ir até às mais variadas periferias... As potencialidades dos novos meios comunicativos são imensas e, se soubermos aproveitar, podemos fazer com que os valores gravados nas páginas da Sagrada Escritura cheguem até às imensas pessoas que se servem deles, e que estão neles! Na verdade, mais que simples meios, eles também são em si mesmos um 'lugar de encontro e de testemunho da fé, são autênticas mediapolis". Por outro lado, "nesta missão, não existem pessoas que possam ser dispensadas, nem lugares a serem evitados... Impõe-se que estejamos online neste Areópago digital mundial, sem que isso nos faça perder a consciência de que o virtual não substitui o real! Na verdade, sempre que possível, o clique deve levar ao toque, à proximidade física, à reunião comunitária, porque acima de tudo, o Deus que anunciamos não está distante, mas 'inacreditavelmente próximo de nós', é n'Ele que 'vivemos, nos movemos e existimos' (Atos 17, 28a)".
3) INculturação da Fé. "Aquele que venerais sem o conhecer é esse que eu vos anuncio" (Atos 17, 23b):
"Jesus Cristo foi o primeiro agente e modelo de inculturação! Assumiu, verdadeiramente, a natureza humana com tudo aquilo que isso implicava: ser membro de um povo com hábitos e costumes, língua e religião, uma cultura humana concreta... O primeiro passo para uma evangelização fecunda assenta no escutar e compreender o modo de pensar das pessoas que estão diante de nós, fazer como Paulo em Atenas".
4) Evangelização da Cultura. "Como também o disseram alguns dos vossos poetas" (Atos 17, 28b):
"Uma fé que não se torna cultura é uma fé não plenamente acolhida, não totalmente pensada, não fielmente vivida" (João Paulo II). "Ciência e fé não são opostas, não se sobrepõem, não se confundem, mas completam-se... Se queremos ser autênticos discípulos missionários... temos de estar firmemente enraizados n'Aquele em Quem acreditamos e intelectualmente preparados para dialogar com os representantes das mais diversas áreas do mundo da cultura".
5) Testemunho sem cálculos. "Concordaram com ele e abraçaram a fé" (Atos 17, 34a)
"A nossa sociedade está a ser abalada por uma crise de esperança... se também nós cedermos ao pessimismo e nos tornarmos sócios da lamúria permanente, condenaremos o futuro à esterilidade... Eis-nos aqui, hoje, num tempo novo, numa conjuntura que deve ser encarada com prudência, realismo e ânimo... Não podemos ser escravos do medo! É verdade que nem sempre um evangelizador obtém os resultados esperados, mas a evangelização não é uma questão de multidões”. Devemos tornar-nos “sensíveis a cada realidade humana, fiéis à verdade, sem medo dos resultados, sempre disponíveis para mostrar o rosto de Deus... Não podemos ficar acomodados a ver o tempo passar".
E para concluir com o autor, "o importante é não ficarmos parados, mas percebermos que a evangelização é uma ação teândrica, na qual se impõe que colaboremos com o DEuS-CONHECIDO para dar respostas às inquietações cruciantes do Homem contemporâneo".
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