1 – O amor exige eternidade. Quando duas pessoas se amam, namorados, pais e filhos, amigos, tendem a fazer perdurar o tempo que passam juntos e, quando não é possível, utilizar meios e instrumentos para se fazerem sentir próximos.
Diz-nos
o filósofo francês, Blaise Pascal: “O Homem ultrapassa infinitamente o
homem”. Por outras palavras, o homem não cabe em si mesmo, tende a
buscar-se até ao infinito e perpetuar-se para sempre; constitutivamente
limitado e finito, procura sobreviver para lá do tempo e da materialidade, além
das fronteiras do seu corpo e do seu espírito. Popularmente há (pelo menos)
três formas de a pessoa se perpetuar além da morte biológica: plantar uma
árvore, escrever um livro e deixar descendência.
A
nossa inteligência exige mais do que o vazio, mais que o termo, mais que o
abismo! Foi assim que o célebre psiquiatra brasileiro, Augusto Cury, chegou à
fé. A nossa inteligência exige sobrevivência à morte física, de contrário não
teria sentido todo o caminho e esforço por pensar e criativamente propor respostas
às dificuldades das pessoas.
O
ser humano não cabe no hiato de tempo que vai do nascimento à morte natural. É
pensado antes, gerado sem contribuir para tal, e deseja que a sua vida, o que é
e o que faz, não seja descartada só porque não está ou após a sua morte. É um
grito muito humano. Se tudo acaba agora, se tudo acaba ali, no último suspiro,
terá valido a pena viver, esforçar-se por ser melhor e por contribuir para uma
sociedade mais justa e humana, terá valido a pena sacrificar-se pelos outros,
entregar-se ao seu semelhante?
Se
tudo acaba na morte biológica, não precisamos de Deus. Se tudo acaba com a
morte, o bem e o mal que façamos será um momento fugaz! Ao fim e ao cabo, tanto
faz que apostemos no bem ou no mal. Na esteira de Nietzsche, o importante será
então a nossa vontade de poder e de prazer, sem precisarmos de dar contas a
ninguém, nem aos outros nem a Deus, tudo parte de nós e em nós tudo acaba!
2
– A fé em Deus exige a fé na eternidade! Um Deus limitado no antes ou no depois
não seria de todo, assim o entendemos racional e filosoficamente, Deus. As
grandes religiões apoiam-se na certeza que Deus é poderoso e omnipotente,
pré-existente a tudo, garantia da existência presente, e pós-existente a tudo.
Se nos relacionamos com a divindade, numa perspetiva amorosa, é expectável que
contemos perdurar com Ele, para sempre. É a consequência natural de quem ama:
que a relação não seja bloqueada por nada, mas se cristalize, renovando-se
constantemente, para que permaneça. "O amor é fidelidade no tempo"
(Bento XVI).
Jesus
é perentório, Deus «não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele
todos estão vivos», como, aliás, o dá a entender Moisés no episódio da
sarça-ardente, ao chamar o Senhor "Deus de Abraão, de Issac e de
Jacob".
Ao
longo da Sua vida pública, Jesus depara-se com as multidões que O seguem por
diferentes motivações, com os discípulos que a Ele vão aderindo, passando do
anonimato para um grupo visível e reconhecível, com grupos sociais e religiosos
como os doutores da Lei, fariseus, saduceus, herodianos e que, em em alguns
momentos, se unem para O provocarem e Lhe armarem alguma cilada.
Aproximam-se
d'Ele alguns saduceus e perguntam-Lhe acerca da ressurreição em que não
acreditam: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: ‘Se morrer a alguém um
irmão, que deixe mulher, mas sem filhos, esse homem deve casar com a viúva,
para dar descendência a seu irmão’. Ora havia sete irmãos. O primeiro casou-se
e morreu sem filhos. O segundo e depois o terceiro desposaram a viúva; e o
mesmo sucedeu aos sete, que morreram e não deixaram filhos. Por fim, morreu
também a mulher. De qual destes será ela esposa na ressurreição, uma vez que os
sete a tiveram por mulher?».
Partindo
da Lei e da realidade, efémera e passageira, os saduceus interrogam-se como
será possível conjugar as situações concretas do tempo presente, com a vida
futura, na ressurreição, pressupondo que será continuação do que se vive agora!
Na
resposta, Jesus separa as águas: «Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em
casamento. Mas aqueles que forem dignos de tomar parte na vida futura e na
ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento. Na verdade, já
não podem morrer, pois são como os Anjos, e, porque nasceram da ressurreição,
são filhos de Deus».
3
– Na primeira leitura, do segundo Livro de Macabeus, são-nos apresentados sete
irmãos, juntamente com a sua Mãe, que os anima na fé e lhes garante que Deus
não os desamparará nem agora nem na vida futura, compensando-os pela justiça,
pela fé e pela verdade com que viveram.
Nesta
passagem, o autor sagrado, mais em estilo de pregador do que historiador, ainda
que as duas dimensões estejam presentes, desenvolve, como nenhum outro escrito
do Antigo Testamento, a fé na ressurreição dos mortos, sobretudo dos justos que
ressuscitarão para a vida eterna. Está patente a recompensa dos justos, as
sanções além-túmulo, a oração pelos defuntos (acreditando precisamente que
"sobrevivem" à morte), o mérito dos justos/santos, a intercessão dos
santos. É um texto que nos aproxima do Evangelho. Nesta perspetiva encontramos
outros textos veterotestamentários como Isaías, Job, Ezequiel ou Daniel, mas
nenhum tão clarividente como este segundo livro de Macabeus.
Os
judeus vivem sob o jugo do rei sírio, século II e I antes de Cristo, e as
dificuldades de convivência religiosa tornam-se complexas, ganhando a
intolerância e o fundamentalismo. Os judeus são obrigados a renunciar às
práticas religiosas, sujeitando-se, caso não cumpram, a ser mortos. Estes sete
irmãos, fortalecidos pelas palavras e pelo exemplo de sua mãe, resistem à
chantagem e à ameaça.
As
respostas dos irmãos são elucidativas: «Estamos prontos para morrer, antes
que violar a lei de nossos pais... o Rei do universo ressuscitar-nos-á para a
vida eterna, se morrermos fiéis às suas leis... Do Céu recebi estes membros e é
por causa das suas leis que os desprezo, pois do Céu espero recebê-los de
novo... Vale a pena morrermos às mãos dos homens, quando temos a esperança em
Deus de que Ele nos ressuscitará; mas tu, ó rei, não ressuscitarás para a
vida».
Diz-nos
o autor sagrado que o próprio rei estava admirado com a coragem destes jovens.
A coragem vem-lhes da fé, da certeza que Deus não os abandonará na morte.
4
– A fé na ressurreição, a esperança na vida eterna, não se fixa no depois da
morte, mas no caminho a percorrer na história e no tempo. Isso mesmo se
depreende do questionamento feito a Jesus e das respostas dadas pelos sete
irmãos ao Rei sírio, mostrando que a vida em Deus é um continuum entre o
tempo atual e o futuro. A salvação é dom de Deus, mas necessita, sempre, do
nosso assentimento, da nossa adesão à Sua vida e à Sua vontade. Jesus clarifica
a novidade da eternidade, mas liga esta à postura em vida: os que forem achados
dignos, isto é, os que procuraram manter-se fiéis à vontade do Pai.
O
embate com as situações reais e concretas, sobretudo com as adversidades, nem
sempre é fácil, pelo sofrimento ou pelas dúvidas que provoca, ou até mesmo pela
incerteza, em tantos momentos, que estejamos a fazer o que é certo. Nestes
momentos a nossa oração terá que ser mais diligente e persistente. A
Eucaristia, oração por excelência, que nos faz acolher Jesus Cristo, Palavra
viva, mistério de morte e ressurreição, Corpo que Se faz comunhão e vida,
traz-nos momentos específicos para a oração, orações dentro da oração. A
começar: «Deus eterno e misericordioso, afastai de nós toda a adversidade,
para que, sem obstáculos do corpo ou do espírito, possamos livremente cumprir a
vossa vontade».
Ao
respondermos à Palavra de Deus, com o salmo, o compromisso com o que pedimos a
Deus. «Ouvi, Senhor, uma causa justa, atendei a minha súplica. Escutai a
minha oração, feita com sinceridade. Firmai os meus passos nas vossas veredas,
para que não vacilem os meus pés. Eu Vos invoco, ó Deus, respondei-me, ouvi e
escutai as minhas palavras. Protegei-me à sombra das vossas asas, longe dos
ímpios que me fazem violência. Senhor, mereça eu contemplar a vossa face e ao
despertar saciar-me com a vossa imagem».
5
– O Apóstolo São Paulo, na segunda leitura, escreve-nos (quase) em forma de
oração, de intercessão por nós a Deus. "Jesus Cristo, nosso Senhor, e
Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu, pela sua graça, eterna consolação e
feliz esperança, confortem os vossos corações e os tornem firmes em toda a
espécie de boas obras e palavras".
À
oração que faz por nós, e que lembra o Papa Francisco em muitas intervenções, o
Apóstolo junta o pedido de oração para que o seu ministério seja profícuo: "Orai
por nós, para que a palavra do Senhor se propague rapidamente e seja
glorificada, como acontece no meio de vós". E logo nos recorda da
fidelidade de Deus, ainda que sejamos infiéis. "Ele vos dará firmeza e
vos guardará do Maligno. O Senhor dirija os vossos corações, para que amem a
Deus e aguardem a Cristo com perseverança".
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (C): 2 Mac 7, 1-2. 9-14; Sl 16 (17); 2 Tes
2, 16 – 3, 5; Lc 20, 27-38.
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