1
– No
alto da montanha, continuamos a beber as palavras de Jesus.
Depois da bela
e sugestiva Carta de Jesus aos seus discípulos, as Bem-aventuranças, segue-se
esta analogia: vós sois o sal da terra, vós sois a luz do mundo.
O próprio
Jesus clarifica: «Vós sois o sal da terra. Mas se ele perder a força, com
que há de salgar-se? Não serve para nada, senão para ser lançado fora e pisado
pelos homens».
Nos nossos
dias, tem havido um incentivo à utilização moderada do sal, pelos malefícios
que poderá trazer à saúde, substituindo-o por outros condimentos. Apesar disso,
o sal continua a ser um elemento essencial na dieta mediterrânea e na nossa alimentação
diária. O desafio é moderar em conformidade com a saúde de cada um e com a
respetiva idade. Mas voltemos à analogia. O sal serve para salgar, para
preservar, para dar sabor. Melhor, o sal faz sobressair o sabor dos alimentos.
Se for em excesso impede-nos de saber o sabor do que estamos a comer. Se for
insuficiente é possível que também não nos saiba bem. O "gosto", o
paladar, também se educa!
Sabemos
bem o que significa ser uma pessoa insossa, sem sabor, que vive ao sabor dos
ventos e das marés. Como alertava Séneca, quem não sabe para onde vai, qualquer
vento lhe é desfavorável. É conhecido o alerta de Jesus: a vossa linguagem seja
"sim-sim", e "não-não"; o talvez, o “nim”, não têm
cabimento no nosso relacionamento com Deus e uns com os outros.
Deixemos
que Cristo e a Sua palavra de amor sejam sal na nossa vida, dando-lhe sabor e
sentido, temperando e animando as nossas escolhas, para que, por nossa vez,
levemos sal, melhor, levemos sabor e sentido à vida dos outros.
2 – «Vós
sois a luz do mundo. Não se pode esconder uma cidade situada sobre um monte;
nem se acende uma lâmpada para a colocar debaixo do alqueire, mas sobre o
candelabro, onde brilha para todos os que estão em casa. Assim deve brilhar a
vossa luz diante dos homens, para que, vendo as vossas boas obras, glorifiquem
o vosso Pai que está nos Céus».
Uma das
características da Igreja, numa analogia avivada pelo santo Padre, é ser como a
Lua em relação ao Sol. A Lua reflete a luz do Sol, assim a Igreja há de refletir
a luz de Cristo. Se a Igreja se tornar opaca, autorreferencial, parafraseando o
Papa Francisco, deixa de cumprir a sua missão lunar, a sua identidade. Como a
Igreja, também os cristãos, eu e tu. A luz que nos habita vem de dentro, mas
antes disso, veio e vem do alto.
Jesus é
explícito, a luz existe para iluminar, para tornar transparente a vida, para
nos permitir ver o bem e a verdade, para possibilitar caminhar, ir ao encontro
dos outros e reconhecê-los como irmãos. Um mestre oriental tinha perguntado aos
seus discípulos o momento exato em que a noite dava lugar ao dia. As respostas
foram variadas, mas insuficientes. Quando o dia começa a clarear! Quando se vê
a estrada que está à frente! Quando se distinguem os arbustos das silhuetas das
pessoas! Mas, na verdade, é dia quando conseguimos ver que os outros são nossos
irmãos.
É esta luz
que acolhemos de Jesus, há de ser esta a luz que nos permite acolher o amor de
Deus e comunicá-lo, partilhá-lo, concretizando-o no cuidado a todos os que Deus
coloca na nossa vida.
3 – Somos luz
quando absorvemos a luz de Jesus e iluminamos o caminho dos outros. Somos luz
quando amamos, ajudamos, cuidamos. Somos luz quando perdoamos, quando
acolhemos, quando vamos ao encontro dos outros, das suas necessidades e
sofrimentos. Somos luz quando os outros vislumbram, em nós e através de nós, um
caminho, uma saída, quando sentem paz e se sentem motivados para caminhar, para
viver, quando readquirem confiança na vida, nas pessoas, em Deus.
O salmista
exemplifica, desafiando-nos. «Brilha aos homens retos, como luz nas trevas,
o homem misericordioso, compassivo e justo. Ditoso o homem que se compadece e
empresta e dispõe das suas coisas com justiça. / Este jamais será abalado; o
justo deixará memória eterna. Ele não receia más notícias: seu coração está
firme, confiado no Senhor. / O seu coração é inabalável, nada teme; reparte com
largueza pelos pobres, a sua generosidade permanece para sempre e pode levantar
a cabeça com altivez».
A ligação
essencial a Deus e aos irmãos garante que a luz não se apaga. Quanto mais
ligados a Deus, maior a nossa luz; quanto mais comprometidos uns com os outros,
maior o brilho da luz que nos vem do Senhor. Com efeito, é possível ser-se
filantropo, sem fé ou, pelo menos, sem religião; mas não é possível ser crente,
de verdade, se tal não nos conduzir ao compromisso sério e concreto com a
transformação do mundo, no cuidado por toda a criação, a começar pelas pessoas.
4 – Os profetas
relembram-nos que a religião pura e santa é o serviço ao órfão e à viúva, o
cuidado pelos mais pobres. Podes cumprir todas as prescrições da Lei, mas se o
teu coração não respirar ternura, amor, compaixão, vives uma ilusão que
redundará em desolação e em desencanto. Deus não te pode dar o que não
procuras, não garante a vida e o amor se tu não estiveres verdadeiramente
envolvido com os outros. Ele revela-Se na vida, no mundo, na história, em
plenitude, em Jesus Cristo. Não se trata de uma ideia, uma elucubração
intelectual, uma divagação espiritual, sem chão, sem visibilidade. Jesus
encarnou, tomou a nossa carne, a vida humana, tornou-Se visível no Seu corpo,
com a Sua vida, gestos, palavras e prodígios. É possível situá-l'O no tempo e no
espaço. Não é solúvel na nossa racionalidade ou nas nossas ideias.
Dirá o
apóstolo são Tiago, uma fé sem obras é oca, vazia, é um disparate, uma desculpa
ou uma distração. Não mais do que isso. Não nos colocamos de joelhos para
esquecermos a vida, para esquecermos os outros, para nos esquecermos das
dificuldades. Ajoelhamos para tomarmos consciência que Deus pode operar maravilhas
em nosso favor e dos outros Seus filhos, nossos irmãos. Ajoelhamos para que o
impulso do levantar e partir seja mais firme, mais luminoso, sustentado, não
nas nossas capacidades, mas no amor de Deus. Não é possível que te ajoelhes
para te esqueceres que és irmão dos outros e que Deus é Pai de todos. Na oração
podes esquecer-te de ti, mas nunca dos outros! É uma palermice. A oração, como
a fé, por mais contemplativa que seja, envolve sempre os outros, o mundo, a
criação de Deus e os Seus desígnios de amor para a humanidade.
O profeta
Isaías é categórico. Não te escondas nas tradições, nos sacrifícios, no templo,
a não ser que aí revigores o teu empenho. «Reparte o teu pão com o faminto,
dá pousada aos pobres sem abrigo, leva roupa ao que não tem que vestir e não
voltes as costas ao teu semelhante».
Esta é a
luz que nos identifica como crentes, como cristãos. Não se esconde uma cidade
no alto do monte, nem se acende uma luz para a colocar debaixo do alqueire,
diz-nos Jesus, a luz há de iluminar toda a casa, toda a vida. As obras de
misericórdia traduzem e concretizam a fé, alimentam a luz. «Então a tua luz
despontará como a aurora e as tuas feridas não tardarão a sarar. Preceder-te-á
a tua justiça e seguir-te-á a glória do Senhor. Então, se chamares, o Senhor
responderá, se O invocares, dir-te-á: ‘Aqui estou’. Se tirares do meio de ti a
opressão, os gestos de ameaça e as palavras ofensivas, se deres do teu pão ao
faminto e matares a fome ao indigente, a tua luz brilhará na escuridão e a tua
noite será como o meio-dia».
5 – Na sua
missiva, dirigida aos coríntios, são Paulo recorda como procurou ser
transparente na linguagem, para transparecer Jesus Cristo e a Boa Nova que Ele
é para nós e para o mundo. O risco do discípulo de Jesus, do apóstolo, é
esquecer-se que não está em nome próprio e ficar em primeiro plano escondendo
Jesus. Não é fácil. Cada um de nós, no mistério que transporta, aqui e além,
necessita de ser reconhecido, sentir-se acolhido, amado, sentir-se visível, e
não apenas um ponto luminoso a apontar para o Mestre dos Mestres, como se Ele
não nos fizesse brilhar ainda mais.
A iniciar
o Seu magistério papal, dizia Bento XVI:
"Quem faz entrar Cristo, nada perde, nada absolutamente nada
daquilo que torna a vida livre, bela e grande. Não! Só nesta amizade se abrem
de par em par as portas da vida. Só nesta amizade se abrem realmente as grandes
potencialidades da condição humana. Só nesta amizade experimentámos o que é
belo e o que liberta. Assim, eu gostaria com grande força e convicção, partindo
da experiência de uma longa vida pessoal, de vos dizer hoje, queridos jovens:
não tenhais medo de Cristo! Ele não tira nada, ele dá tudo. Quem se doa por
Ele, recebe o cêntuplo. Sim, abri de par em par as portas a Cristo e
encontrareis a vida verdadeira".
Regressemos
à imagem da Lua e da Igreja lunar. Como Corpo de Cristo, a Igreja vive-O,
reflete-O, mostra-O, testemunha-O, aponta para Ele. O risco de quem olha é
fixar-se no mensageiro e não na Boa Nova. Obviamente, o cristão não é, apenas,
espelho, quanto muito é cubo de luz, que estando preenchido dissipa e irradia a
luz de Cristo para os outros.
O apóstolo
tem o cuidado de testemunhar Jesus. Fiz-me tudo para todos, para ganhar alguns
para Cristo, Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim. «Quando fui
ter convosco, irmãos, não me apresentei com sublimidade de linguagem ou de
sabedoria a anunciar-vos o mistério de Deus. Pensei que, entre vós, não devia
saber nada senão Jesus Cristo, e Jesus Cristo crucificado... A minha palavra e
a minha pregação não se basearam na linguagem convincente da sabedoria humana,
mas na poderosa manifestação do Espírito Santo, para que a vossa fé não se
fundasse na sabedoria humana, mas no poder de Deus».
Regressemos,
uma e outra vez, à montanha, ou melhor, mantenhamo-nos perto daquela Luz que
não conhece ocaso, Jesus Cristo, para que, vivendo iluminados, saboreemos a
presença amorosa de Deus e sejamos sal e luz para este mundo que nos cabe
cuidar.
Pe. Manuel Gonçalves
Textos
para a Eucaristia (A): Is 58, 7-10; Sl 111 (112); 1Cor 2,
1-5; Mt 5, 13-16.
Sem comentários:
Enviar um comentário