sábado, 15 de fevereiro de 2014

Domingo VI do Tempo Comum - ano A - 16 de fevereiro

        1 – Quando gostamos genuinamente de alguém, procuramos que as nossas palavras e os nossos gestos digam o que sentimos e expressem alegria, gratidão, felicidade. A pessoa é mais, muito mais, do que aquilo que diz, mas também isto faz parte da pessoa. Vamos querer escutar com atenção, com disponibilidade, bebendo das suas palavras. «O que tu és fala tão alto que mal consigo ouvir o que tu dizes» (Ralph Waldo Emerson). A pessoa não é o que veste, o que come, o que fala, o que faz. É tudo isso. É um ser mais complexo. Daí que nos seja sempre difícil e falível julgar as pessoas apenas por uma aspeto, uma impressão imediata.
        O cristianismo não é uma cartilha de preceitos e regras, de condenações e proibições. É, antes e sobretudo, a história de um encontro, de uma descoberta, o nosso encontro com Jesus, Crucificado e Ressuscitado. Um encontro pessoal que desemboca na comunidade. Se vários nos encontramos com Jesus, mais cedo ou mais tarde vamos querer falar d'Ele, partilhar com outros a nossa experiência, vamos querer enriquecer-nos com a experiência de outros. Por outro lado, Jesus desafia-nos à comunhão, a congregarmo-nos como irmãos. Não chama um discípulo, mas vários, para formarem grupo e, quando os envia, envia-os dois a dois ou em grupo.
        É inseridos em comunidade, como povo da Aliança, que acolhemos os Mandamentos e acolhemo-los não como uma exigência escravizante, mas como critério e orientação que nos liberta para fazermos o bem e nos relacionarmos cada vez melhor com os demais.
        Regras e sinais de trânsito. Alguém vai pensar que estes são para nos proibir e limitar os nossos movimentos? É possível, se acharmos que estamos sozinhos no mundo. O código da estrada tem o ensejo de proteger as pessoas (e também os bens). Protegem-nos e protegem os outros. Resultam do bom senso, da experiência, da reflexão, do estudo, da preocupação de criar as condições mais favoráveis e seguras para todos, na estrada, nos passeios, no meio de povoações, junto a escolas ou a ruas movimentadas.
        2 – Jesus começa por alertar os seus discípulos que a novidade do Evangelho não enquadra a destruição do património religioso anterior, as leis e os preceitos (positivos) propostos na Lei de Moisés e nas mensagens dos Profetas. Pelo contrário, Jesus não só não destrói como quer completar, levar à plenitude. Esta tem como conteúdo o amor: o amor que se predispõe a dar a vida. «Aquele que praticar e ensinar [os Mandamentos] será grande no reino dos Céus!». A mensagem de Jesus é inclusiva: assume o passado e as lições que podem ajudar no presente e no futuro.
       Mas não apenas isso. Jesus vai mais longe: «Se a vossa justiça não superar a dos escribas e fariseus, não entrareis no reino dos Céus». Revisitando a vida de Jesus verificaremos como este ir mais longe é humanizador, no convite à conversão, à partilha, à reconciliação entre pessoas, ao perdão em todas as circunstâncias, a uma tolerância reconhecedora dos laços de parentesco espiritual.
       O Mestre dos Mestres não entra em lógica de facilitismos, mas dá vida, carne, músculo, sentido, humanidade a toda a Lei. Esta há de estar ao serviço da dignidade do ser humano e do bem comum.
       Daí a contraposição: «ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Não matarás; quem matar será submetido a julgamento’. Eu, porém, digo-vos: Todo aquele que se irar contra o seu irmão será submetido a julgamento. Quem chamar imbecil a seu irmão será submetido ao Sinédrio, e quem lhe chamar louco será submetido à geena de fogo. Reconcilia-te com o teu adversário, enquanto vais com ele a caminho... Digo-vos que não jureis em caso algum: nem pelo Céu, que é o trono de Deus; nem pela terra, que é o escabelo dos seus pés; nem por Jerusalém, que é a cidade do grande Rei. Também não jures pela tua cabeça, porque não podes fazer branco ou preto um só cabelo».
       O ensinamento de Jesus conduz à coerência de vida: devemos pôr em prática na nossa vida o que professamos e o que exigimos aos outros. É também nesta lógica que Jesus exige aos seus discípulos uma linguagem simples, direta, transparente, respeitadora do outro: «A vossa linguagem deve ser: ‘Sim, sim; não, não’. O que passa disto vem do Maligno».
       3 – Ben Sirá, que integra o conjunto de livros sapienciais, como um pai a um filho, como mestre aos discípulos, deixa-nos recomendações, conselhos, orientações. Como se pode ver, na primeira leitura, é uma proposta de vida, sem ameaças nem chantagens: Se quiseres, guardarás os mandamentos: ser fiel depende da tua vontade. Deus pôs diante de ti o fogo e a água: estenderás a mão para o que desejares. Diante do homem estão a vida e a morte: o que ele escolher, isso lhe será dado. Porque é grande a sabedoria do Senhor, Ele é forte e poderoso e vê todas as coisas. Seus olhos estão sobre aqueles que O temem, Ele conhece todas as coisas do homem. Não mandou a ninguém fazer o mal, nem deu licença a ninguém de cometer o pecado”.
       O cumprimento dos mandamentos baliza um caminho que nos garante bondade e sabedoria, felicidade e vida. As leis não são grilhões que nos aprisionem, mas indicações que nos permitem seguir mais seguros. Estão inscritas no coração. Era como se considerássemos que tudo o que vem dos nossos pais é para nos proibirem de sermos felizes. Evidentemente que a Lei terá que ser assumida, com as marcas, a carne, o sangue e a vivência de cada um. Antes, a graça santificante que atua em nós e nos transforma, tornando-nos novas criaturas para Deus. É necessário que a nossa alma se deixe plasmar pela ação do Espírito Santo.
       Podemos rezar com o salmista: “Felizes os que seguem o caminho perfeito e andam na lei do Senhor. Felizes os que observam as suas ordens e O procuram de todo o coração”, na certeza que as Suas leis, a Sua vontade, nos orientam para o bem, para a felicidade. Qual o desejo dos pais para os filhos senão que eles se deem bem e se sintam amados, respeitados, desenvolvendo as respetivas capacidades, ajudando-se mutuamente?
       4 – Na mesma linha dos sábios de Israel e dos profetas, o apóstolo Paulo anuncia a Boa Notícia da salvação que nos chega de Deus, através de Jesus Cristo:
«Falamos da sabedoria de Deus, misteriosa e oculta, que já antes dos séculos Deus tinha destinado para a nossa glória. Nenhum dos príncipes deste mundo a conheceu; porque se a tivessem conhecido, não teriam crucificado o Senhor da glória. Mas, como está escrito, «nem os olhos viram, nem os ouvidos escutaram, nem jamais passou pelo pensamento do homem o que Deus preparou para aqueles que O amam». Mas a nós Deus o revelou por meio do Espírito Santo, porque o Espírito Santo penetra todas as coisas, até o que há de mais profundo em Deus».
       Com a morte e ressurreição do Jesus, e com a força do Espírito Santo que Ele nos envia de junto do Pai, chegamos à plenitude da revelação. O que a Lei intuía, preparando-nos para vivermos fraternalmente de mãos dadas, é assumido com o mistério de Cristo, Deus connosco, a partir de dentro, do nosso coração. Jesus traz-nos Deus. Vive entre nós. Eleva-nos para a eternidade. A LEI tem a carne do AMOR, tem o ROSTO de Jesus, conta com o nosso empenho a favor dos outros.

Textos para a Eucaristia (ano A): Sir 15, 16-21; Sl 118 (119); 1 Cor 2, 6-10; Mt 5, 17-37.

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