sábado, 22 de fevereiro de 2014

Domingo VII do Tempo Comum - ano A - 23 de fevereiro

       1 – Quem julgas que és? Estás a ameaçar-me? Livra-te, vou chamar o meu irmão mais velho! / E eu vou chamar os meus amigos. / Eu trago os meus amigos e os meus irmãos, e todos sabem que os meus irmãos são os mais fortes da escola! / Não tenho medo, trazes os teus amigos e irmãos e eu trago o meu professor de Karaté…
       Esta é uma pequena estória semelhante a tantas outras. Em primeiro lugar, é uma contenda entre crianças e também elas pouco a pouco deverão aprender que os problemas se resolvem melhor, mais duradoiramente, a conversar. Por outro lado, meterem-se adultos ao barulho, como pais, compreende-se e em algumas situações torna-se imperioso, mas muitas vezes tem efeitos perversos, pois os filhos voltam a ser amigos e os pais tornam-se inimigos para sempre. Porém, esta pequena estória tem hoje um contexto diferente. Ao olharmos o nosso tempo, e apesar da evolução cultural e social, continuam a repetir-se situações idênticas. E assim, por vezes, a educação dos filhos: Chamou-te nomes? Chama também. Bateu-te? Bate-lhe também. Tens medo? Leva uma colega mais velho contigo.
       O meu vizinho deitou um ramo do castanheiro para o meu quintal... E tu não fizeste nada? Claro que fiz: voltei a deitar-lhe o ramo e o lixo que tinha do meu lado. E aprendeu a lição? Achas? Aparou o castanheiro e deitou os ramos para o que é meu. E tu que fizeste? Se fosse eu ou chamava a polícia ou ia lá a casa e só se não pudesse senão partia-lhe as fuças. Não te preocupes, eu fiz melhor, cortei a lenha aos bocados e tenho-a aproveitado para a lareira, bem jeito me faz. Além do mais, já vai para duas semanas e se me vê recolhe-se em casa. Estou em crer que um dia destes ainda me vai pedir para se aquecer em minha casa…
       Há histórias semelhantes que acabam no hospital, na cadeia e na morgue... Infelizmente multiplicam-se situações destrutivas entre vizinhos e por vezes dentro das famílias.
        2 – Ao ver a multidão, Jesus subiu para o monte. Os discípulos aproximam-se d'Ele. Jesus sentou-se e começou a ensiná-los (Mt 5, 1-2). É desta forma que São Mateus nos introduz no Sermão da Montanha. Bem-aventuranças. Ser sal da terra e luz do mundo. Plenitude da Lei de Moisés em dinâmica de perdão e de amor. Amor ao inimigo em contraponto à lei de talião. Jesus refere-a aos antigos, mas na atualidade continua a ter muitos seguidores: "Olho por olho e dente por dente".
       A violência, como facilmente se pode verificar, gera violência, multiplicando-a. Os bons propósitos das Nações Unidas (ONU) de impor a paz pelo exercício da força, quando não é possível o diálogo, a diplomacia, os acordos de paz, tem abafado a agressão fácil a países com menos recursos, mas gera novos ódios e desejos de vingança. Países que evoluíram para democracias, cujo chão ainda respira sangue e morte, continuam demasiado vulneráveis e ao mínimo podem vir ao de cima os ódios e as vinganças.
       Como víamos na semana passada, Jesus não vem para anular a Lei mas para a levar à plenitude e, por conseguinte, contrapõe: «Eu, porém, digo-vos: Não resistais ao homem mau. Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda. Se alguém quiser levar-te ao tribunal, para ficar com a tua túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, acompanha-o durante duas. Dá a quem te pedir e não voltes as costas a quem te pede emprestado. Ouvistes que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus; pois Ele faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos. Se amardes aqueles que vos amam, que recompensa tereis? Não fazem a mesma coisa os publicanos? E se saudardes apenas os vossos irmãos, que fazeis de extraordinário? Não o fazem também os pagãos?»
       A referência é Deus: «Sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito». Amar os outros como a nós mesmos indica claramente o caminho. Mas nem sempre o amor-próprio ou a autoestima serão critérios saudáveis para cuidar dos outros. Jesus dá o mote: amai-vos uns aos outros como Eu vos amei. Sede misericordiosos como o Vosso Pai é misericordioso.
       3 – A primeira leitura traz-nos o desafio de Deus, através de Moisés, a uma convivência sadia entre pessoas e grupos: «Não odiarás do íntimo do coração os teus irmãos, mas corrigirás o teu próximo, para não incorreres em falta por causa dele. Não te vingarás, nem guardarás rancor contra os filhos do teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor». E de novo a referência a ter em conta é o próprio Deus: «Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo».
       Na mesma corrente, o salmista mostra o quanto Deus nos ama e como age com benevolência para connosco, para que também nós sejamos generosos no perdão e na caridade: «Ele perdoa todos os teus pecados e cura as tuas enfermidades; salva da morte a tua vida e coroa-te de graça e misericórdia. O Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade; não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos castigou segundo as nossas culpas».
       Se Deus age tão misericordiosamente connosco, como não nos sentirmos impelidos a agir como Ele? Se O amamos vamos querer agir em conformidade com a Sua vontade!

      4 - Mas há mais. São Paulo mostra-nos, novamente, o nosso bilhete de identidade: pertencemos a Deus, somos criados à Sua imagem e semelhança, Ele assume-nos como filhos, como Sua morada. A resposta ao amor de Deus, como Pai/Mãe, levar-nos-á a amar a Deus, no compromisso com os outros, pois a todos Deus ama em perfeição. "Amor com a amor se paga" (São João da Cruz). Se Deus nos habita, a nossa casa tem de transpirar amor para O sentirmos em nós, para O revelarmos com a nossa vida.
       Diz o apóstolo: «Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é santo, e vós sois esse templo. Ninguém deve gloriar-se nos homens. Tudo é vosso: Paulo, Apolo e Pedro, o mundo, a vida e a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus».
       Se somos de Cristo, há de ser Ele agir em nós e através de nós continuar a viver e a atuar no mundo, nos outros.

Textos para a Eucaristia (ano A): Lev 19, 1-2.17-18; Sl 102 (103); 1Cor 3, 16-23; Mt 5, 38-48.

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