sábado, 23 de maio de 2015

Solenidade de Pentecostes - 24 de maio de 2015

       1 – «Enquanto a sociedade se torna mais globalizada, faz-nos vizinhos mas não nos faz irmãos» (Bento XVI, Caritas in Veritate). Nesta expressão do Papa Emérito constata-se que a globalização dos meios de comunicação social, o desenvolvimento das vias de comunicação, a evolução técnica e tecnológica, nos aproximou, vencendo barreiras geográficas, culturais, sociais, mas o excesso de comunicação e a fácil mobilidade não enriqueceu a relação entre as pessoas, não eliminou conflitos, intolerâncias ou a indiferença. Não basta ter os meios, é necessário ter vontade. Não basta estarmos lado a lado, é necessário que nos vejamos e nos reconheçamos como irmãos.
       Há excelentes meios técnicos, mas para se comunicar bem é preciso comunicar com o espírito, com alma, comunicando-nos, pondo nas palavras, nos gestos e nas obras o que somos, dando o melhor. Os melhores smartphones, tablets, a internet mais rápida, os meios sofisticados de imagem e de vídeo, não tornam as pessoas melhores ou mais comunicativas. Há pessoas que não despegam do telemóvel o dia inteiro e nem por isso têm uma vida social mais intensa e interessante e a interação com os outros deixa muito a desejar. Pessoas que facilmente acedem ao outro lado do mundo e entram em conversação com pessoas que não conhecem de lado nenhum e, em contrapartida, não têm amigos reais, têm grande dificuldade em se relacionar com os pais, com os irmãos, com as pessoas de carne e osso. Correr, saltar, brincar, ouvir música, ir a uma festa de amigos, fazer desporto, envolver-se em atividades culturais, desportivas, religiosas, conviver com os amigos dos pais, almoçar/jantar com os avós… pode tornar-se um pesadelo, pois há urgência em estar on-line, conectado a todos os amigos digitais…
       Hoje, solenidade do Pentecostes, Cristo dá-nos o Espírito Santo para que as nossas palavras não sejam vazias, para que as nossas palavras nos aproximem, nos levem aos outros e nos tragam os outros. Para que não fiquemos na eficácia da técnica, que é útil e necessária, mas cheguemos ao coração dos outros, com palavras que animem, deem esperança e vida.


       2 – Há uma linguagem para lá de todas as palavras e de todos os gestos, a linguagem do amor, da amizade, da compaixão, a linguagem dos afetos, da proximidade, do olhar penetrante, do sorriso que comunga e partilha a vida, do rosto que se identifica com o sofrimento alheio. Há uma linguagem de ternura que atrai e que é facilmente percetível por todos. É possível que nos entendamos, quando utilizamos a linguagem da verdade e do bem, uma linguagem com espírito, com vida, uma linguagem que serve para dar as mãos e unir esforços. Como família.
       Jesus confirma os Seus discípulos. Naquela tarde, primeiro dia da semana, Domingo de ressurreição e vida nova, Jesus ultrapassa as fronteiras das portas e das janelas do medo e da desconfiança, e coloca-Se no MEIO dos Seus discípulos. Não há barreiras para esta nova forma de estar. Não há muros intransponíveis para Jesus Ressuscitado. Só é preciso que os nossos corações estejam abertos, dóceis, prontos a acolher o Espírito que d'Ele nos vem, a paz que Ele nos traz, a paz que experimentamos se Ele está connosco no Meio de nós. «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».
       A alegria que os discípulos experimentam naquela ocasião repetir-se-á em cada um de nós, em cada momento que deixarmos que Ele nos habite, irrompa na nossa vida e nos transforme. Alegria e paz quando e sempre que formos instrumento de perdão e de misericórdia, contribuindo para a paz e a alegria dos outros.


       3 – Não há portas nem janelas que blindem o amor e a compaixão. Um coração ferido só se cura com a força da ternura, da doçura, da proximidade. Não há medicamentos que curem a solidão, não há anestésicos que resolvam a vida e nos tornem irmãos. Não há antibióticos que anulem a indiferença, a intolerância, a ganância ou a prepotência. Só o amor. Deus é amor!
       Há momentos da vida em que os medicamentos ajudam, anestesiando, mas só a amizade, o calor humano, a proximidade física e espiritual curam verdadeiramente. Os motivos do sofrimento podem não desaparecer, mas são integrados na partilha e na comunhão, na amizade solidária e compassiva, confiando-os a Deus, colocando-nos no Seu coração, através daqueles e daquelas que Ele colocou ao nosso lado.
       Há muitas vozes que ouvimos. Muito ruído que nos desafia, nos inquieta, nos desassossega. Há vozes que não nos deixam dormir nem descansar. Há ruído que não passa disso mesmo, ruído que transparece ódio, inimizade, agressão. Há vozes que não chegam ao céu. É um ruído de fundo, maledicente, doentio, que acusa, que aponta, que se acobarda desviando para os outros os próprios defeitos e imperfeições. Há vozes que não reproduzem nem som nem palavras, nem linguagem humana, apenas destilam veneno. A comunicação implica escuta, respeito pelo outro, compreensão pelas diferenças, exige tratar o outro como igual, como irmão. Precisamos sempre de rever a nossa comunicação, purificá-la. Os sons só permanecerão, como linguagem humana, se tocarem o coração, o nosso e o dos outros.

       4 – Os Apóstolos estão reunidos, como comunidade. Sublinhe-se. É em comunidade que Jesus Se manifesta, aparecendo aos discípulos. É em comunidade que Jesus envia o Espírito Santo. Aquele que é dado multiplica-Se pelos discípulos. Dá-Se inteiramente. Inteiramente a cada um. E cada um se reconhece diante dos outros, com o mesmo Espírito Santo. O Espírito é dado para nos aproximar, para nos converter e fazer com que sejamos família de Deus.
       Diversos os dons, mas o Espírito é o mesmo, pois é o Senhor que opera tudo em todos. “Todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito”.
       É um rumor, uma rajada de vento, que não deixa ninguém indiferente. Ninguém poderá ficar indiferente Àquele que vem do Céu. A religião como a fé não é algo que nos feche em casa e nos isole. A fé provoca alegria e vontade de comunicar aos outros o Espírito que recebemos. É o que fazem os Apóstolos, começam logo a falar diversas línguas conforme o Espírito lhes permite. Não são tanto as línguas que falam, mas sobretudo a voz de Deus que Se faz ouvir através da nossa língua, numa linguagem que nos irmana. E se a linguagem for ternura, se for a língua do Espírito, então cada um percebe na sua própria língua, no seu coração: Deus que fala através do irmão.

       5 – Aprendemos a balbuciar os primeiros sons com os nossos pais ou com aqueles que estão mais perto de nós ou passam mais tempo connosco na infância. No plano da fé somos sempre "crianças", aprendizes, discípulos. É o Espírito Santo que nos faz balbuciar a nossa profissão de fé. Como nos recorda o apóstolo: “Ninguém pode dizer «Jesus é o Senhor» a não ser pela ação do Espírito Santo”.
       Deixemos que o Espírito Santo, que nos é dado por Jesus Cristo, nos coloque diante dos outros como irmãos, filhos do mesmo Pai do Céu, para sermos uma só família, cuidando uns dos outros, fazendo com que a diversidade de dons nos enriqueça mutuamente.
       “Vinde, ó santo Espírito, / vinde, Amor ardente, / acendei na terra / vossa luz fulgente. / Descanso na luta / e na paz encanto, / no calor sois brisa, / conforto no pranto. / Luz de santidade, / que no Céu ardeis, / abrasai as almas / dos vossos fiéis” (Sequência ao Espírito Santo).

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia: Atos 2, 1-11; Sl 103; 1 Cor 12, 3b-7. 12-13; Jo 20, 19-23.

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