sábado, 8 de agosto de 2015

XIX Domingo do Tempo Comum - ano B - 9 de agosto

       1 – O murmúrio pode ser corrosivo. Por vezes parece inevitável. Porque nos magoaram! Porque sentimos inveja e não o assumimos! Porque não merecemos o que nos fazem ou o que dizem de nós! Seja como for, o murmúrio não acrescenta nada à nossa vida, nada produz de bom.
       E quando nos voltamos para Deus? Certamente que o fazemos porque O consideramos amigo. E os amigos "têm a obrigação" de nos compreender, de nos escutar e de agir a nosso favor. Quantas vezes a vida atraiçoa a nossa confiança e a nossa fé em Deus?!
       Na condução do Povo Eleito, Moisés é intermediário do murmúrio e dos lamentos do Povo que privilegia o pão, o conforto, a segurança, à liberdade e confiança em Deus. Deus escuta e dá-lhes o Pão do Céu, provisório, pois o verdadeiro Pão descido do Céu é Jesus, do Qual nos alimentamos na Eucaristia até à vida eterna.
       Os hebreus (judeus) murmuraram na míngua de pão; os judeus, ao tempo de Jesus, murmuram por Ele ter dito: «Eu sou o pão que desceu do Céu», argumentando com o facto de conhecerem as origens (terrenas) de Jesus: «Não é Ele Jesus, o filho de José? Não conhecemos o seu pai e a sua mãe? Como é que Ele diz agora: ‘Eu desci do Céu’?».
       2 – Vale a pena escutar por inteiro a resposta de Jesus:
«Não murmureis entre vós. Ninguém pode vir a Mim, se o Pai, que Me enviou, não o trouxer; e Eu ressuscitá-lo-ei no último dia. Todo aquele que ouve o Pai e recebe o seu ensino vem a Mim. Não porque alguém tenha visto o Pai; só Aquele que vem de junto de Deus viu o Pai. Quem acredita tem a vida eterna. Eu sou o pão da vida. No deserto, os vossos pais comeram o maná e morreram. Mas este pão é o que desce do Céu, para que não morra quem dele comer. Eu sou o pão vivo que desceu do Céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que Eu hei-de dar é a minha carne, que Eu darei pela vida do mundo».
       Está aqui tudo o que diferencia Jesus de todos os Messias e nos diferencia de todos os crentes. É o Corpo de Cristo que comungamos, é o Seu sangue que bebemos. É no Corpo de Cristo, que é a Igreja, que nos encorpamos e nos incorporamos para formarmos um só Corpo.
       As palavras de Jesus vão provocar uma razia entre os discípulos. É compreensível a dúvida e o questionamento dos judeus: como é que Ele pode dar-nos a Sua carne a comer? Alguns discípulos vão seguir por outros caminhos, pois apesar de uma maior proximidade temporal, não estão preparados para o que estão a ouvir. Nos primeiros séculos da Igreja, uma das acusações feitas aos cristãos é de canibalismo. A linguagem usada leva os que estão de fora a perceber mal.
       Obviamente que a Eucaristia não faz de nós carnívoros ou canibalistas, faz-nos irmãos porque nos transforma em Cristo, pois quando comungamos não absorvemos Cristo, como diria Santo Agostinho, mas deixamo-nos absorver por Ele. Vale também para aqueles que não podendo abeirar-se da comunhão sacramental, comungam Cristo na Palavra de Deus, assumindo os mesmos sentimentos e propósitos, para se unirem a Ele e ao Seu Corpo, que é a Igreja, que somos nós.
       3 – Voltamos a encontrar-nos com um Profeta, um dos mais ilustres para o povo da primeira Aliança, o profeta Elias. Jesus comparará João Batista a Elias, o novo Elias. Por sua vez, os discípulos dirão que alguns consideram Jesus como João Batista, ou Elias, ou um dos profetas (cf. Mc 8, 27-33).
       Como o povo, antes de entrar na terra prometida, também Elias entra no deserto, antes da importante missão a que Deus o chama. Também Jesus Cristo, antes da vida pública, passará a prova do deserto.
       O deserto é um lugar inóspito. De dia o calor tórrido e à noite o frio glaciar. Não há seguranças. Se vem uma ventania não há como abrigar-se. Se não há mantimentos suficientes, a morte é a próxima etapa. Chegará o tempo que só Deus nos valerá.
       Como não evocar as palavras do papa Bento XVI no dia em que iniciava solenemente o Seu pontificado, em 24 de abril de 2005: «E existem tantas formas de deserto. Há o deserto da pobreza, o deserto da fome e da sede, o deserto do abandono, da solidão, do amor destruído. Há o deserto da obscuridão de Deus, do esvaziamento das almas que perderam a consciência da dignidade e do caminho do homem. Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo, porque os desertos interiores tornaram-se tão amplos. Por isso, os tesouros da terra já não estão ao serviço da edificação do jardim de Deus, no qual todos podem viver, mas tornaram-se escravos dos poderes da exploração e da destruição».
       Um dia inteiro no deserto e Elias cai em desânimo: «Já basta, Senhor. Tirai-me a vida, porque não sou melhor que meus pais». Elias está em desistência, deita-se por terra e adormece. Deus chama-o através do seu santo Anjo: «Levanta-te e come». Elias comeu e bebeu e tornou a deitar-se.
       A vida por vezes é tão dura que só nos apetece desistir.
       O Anjo do Senhor insiste: «Levanta-te e come, porque ainda tens um longo caminho a percorrer». Elias levanta-se, come e bebe. Revigorado, Elias prossegue o seu caminho, "durante quarenta dias e quarenta noites até ao monte de Deus, Horeb".
       Que mais poderemos dizer? Que o verdadeiro alimento nos é dado por Deus, que nos alenta nos desertos a percorrer ao longo da vida, até chegarmos ao Seu monte santo, até que os nossos dias se completam sobre a terra.

       4 – Novamente o salmo que, ajudando-nos a rezar, nos desafia a confiar em Deus: "Procurei o Senhor e Ele atendeu-me, libertou-me de toda a ansiedade. Voltai-vos para Ele e ficareis radiantes, o vosso rosto não se cobrirá de vergonha. / Este pobre clamou e o Senhor o ouviu, salvou-o de todas as angústias. Saboreai e vede como o Senhor é bom: feliz o homem que n’Ele se refugia".

       5 – E para não fugirmos ao figurino dos últimos domingos, aí está imensa e intensa página da Carta aos Efésios: "Não contristeis o Espírito Santo de Deus... Seja eliminado do meio de vós tudo o que é azedume, irritação, cólera, insulto, maledicência e toda a espécie de maldade. Sede bondosos e compassivos uns para com os outros e perdoai-vos mutuamente, como Deus também vos perdoou em Cristo. Sede imitadores de Deus, como filhos muito amados. Caminhai na caridade, a exemplo de Cristo, que nos amou e Se entregou por nós, oferecendo-Se como vítima agradável a Deus".

       6 – Hoje a Igreja evoca a memória de Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein) que, “como cristã e judia, aceitou a morte com o seu povo e para o seu povo, que era visto como lixo da nação alemã” (Bento XVI, em Auschwitz, 2006).
       Teresa Benedita da Cruz foi morta em Auschwitz-Birkenau, campo de extermínio nazi, em 9 de agosto de 1942, poucos meses depois de ser aprisionada. Tinha 51 anos de idade. As suas origens judaicas não a impediram de procurar mais além da sua religião e, inspirando-se em Santa Teresa de Ávila, tornou-se cristã, consagrando-se como irmã carmelita. Dedicou a sua vida aos judeus e aos alemães. Fez de Cristo o Seu único alimento até entrar na glória eterna.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia: 1 Reis 19, 4-8; Sl 33 (34); Ef 4, 30 – 5, 2; Jo 6, 41-51.

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