sábado, 16 de fevereiro de 2013

Domingo I da Quaresma - ano C - 17 de fevereiro

      1 – O primeiro domingo da QUARESMA apresenta-nos a tentação, a provação e a maturidade da fé que, alimentada pela oração e pela palavra de Deus, supera os limites da nossa fragilidade humana.
       Sublinhe-se, desde já, a renúncia do Papa Bento XVI, num clima de fé, em que o Papa acolhe a força da oração para “compensar” a fragilidade física, humana, solidificando as opções fundamentais da sua vida e da vida da Igreja. Foi assim desde a primeira hora. O “humilde servidor da vinha do Senhor” apoiar-se-ia na intercessão dos santos e na oração de toda a Igreja, para guiar a barca de Cristo. Sob a luz da resignação, mais uma vez, Bento XVI deixa claro que a tomada de decisão, a gravidade e delicadeza da mesma, se apoiava na oração dos cristãos.
       O mesmo cenário e a mesma opção de vida encontramos em Jesus Cristo. Em todo o tempo sobrevém a intimidade com Deus, a força do Espírito Santo. Nos momentos cruciais, Ele retira-Se para rezar, para Se encontrar conSigo, no encontro e comunhão íntima com o Pai, deixando-se inspirar pelo Espírito Santo.
       O Espírito presente à hora do Batismo, guia-O ao deserto e do deserto para a cidade dos homens. “Jesus, cheio do Espírito Santo, retirou-Se das margens do Jordão. Durante quarenta dias, esteve no deserto, conduzido pelo Espírito, e foi tentado pelo Diabo”. A vida de Jesus assenta no cumprimento da vontade de Deus. Nas situações mais delicadas afasta-Se para que a intensidade do AMOR do Pai firme as Suas escolhas e torne luminosa a Sua missão.
       No deserto, onde o clima é desfavorável, onde se manifesta em demasia o calor e o frio e sobretudo a solidão, Jesus não está só. Nós não estamos sós nos desertos da nossa vida que nos fragilizam. O Espírito de Deus está com Ele. E está connosco, quando mais precisamos mais intensa há de ser a nossa oração para sentirmos mais visível o amor e a força de Deus.
       2 – As tentações de Jesus resumem e assumem as nossas tentações do egoísmo, do poder, do milagre em benefício próprio.
       Tendo assumido a nossa fragilidade e finitude, Jesus experimenta momentos de desencanto, de solidão, de deserto, de cansaço. Nem tudo corre como esperado. Humanamente quando as expectativas são defraudas poderá advir a revolta e o querer alterar rapidamente as coisas, usando de outro poder.
       Vejamos o texto de São Lucas:
“Nesses dias não comeu nada e, passado esse tempo, sentiu fome. O Diabo disse-lhe: «Se és Filho de Deus, manda a esta pedra que se transforme em pão». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Nem só de pão vive o homem’». O Diabo levou-O a um lugar alto e mostrou-Lhe num instante todos os reinos da terra e disse-Lhe: «Eu Te darei todo este poder e a glória destes reinos, porque me foram confiados e os dou a quem eu quiser. Se Te prostrares diante de mim, tudo será teu». Jesus respondeu-lhe: «Está escrito: ‘Ao Senhor teu Deus adorarás, só a Ele prestarás culto’». Então o Diabo levou-O a Jerusalém, colocou-O sobre o pináculo do templo e disse-Lhe: «Se és Filho de Deus, atira-Te daqui abaixo, porque está escrito: ‘Ele dará ordens aos seus Anjos a teu respeito, para que Te guardem’; e ainda: ‘Na palma das mãos te levarão, para que não tropeces em alguma pedra’». Jesus respondeu-lhe: «Está mandado: ‘Não tentarás o Senhor teu Deus’».
       Jesus responde com a Palavra de Deus, animado com a força do Espírito, para cumprir a vontade de Deus e não a própria, ou a vontade das vozes que O rodeiam. O caminho nem sempre é fácil, mas é verdadeiramente importante procurar assumir as dificuldades como provações que sustentam as escolhas e fortalecem a fé. A opção de Jesus leva-O a usar o Seu poder como serviço aos outros. Por ora não transforma as pedras em pão, mas há de transformar a água em vinho. Por ora não se atira do alto do Templo, mas logo será o Templo de Deus para nós, n'Ele encontrar-nos-emos com Deus. Por ora não se curvará diante do poder, mas logo usará o poder do AMOR para nos redimir, dando-nos todo o Reino de Deus, de uma vez para sempre.

       3 – Na conjugação da fé e do amor, sublinhado da Mensagem para esta Quaresma, Bento XVI prioriza a Palavra de Deus como instrumento de caridade. “A fé é conhecer a verdade e aderir a ela (cf. 1 Tm 2, 4); a caridade é «caminhar» na verdade (cf. Ef 4, 15). Pela fé, entra-se na amizade com o Senhor; pela caridade, vive-se e cultiva-se esta amizade (cf. Jo 15, 14-15). A fé faz-nos acolher o mandamento do nosso Mestre e Senhor; a caridade dá-nos a felicidade de pô-lo em prática (cf. Jo 13, 13-17). Na fé, somos gerados como filhos de Deus (cf. Jo 1, 12-13); a caridade faz-nos perseverar na filiação divina de modo concreto, produzindo o fruto do Espírito Santo (cf. Gl 5, 22). A fé faz-nos reconhecer os dons que o Deus bom e generoso nos confia; a caridade fá-los frutificar (cf. Mt 25, 14-30)”.
       Viver a fé sem a caridade e sem o compromisso com os irmãos, seria como uma árvore de frutos sem frutos. A Palavra de Deus, acolhida, partilhada e testemunhada, é a primeira e principal obra de caridade: “Não há ação mais benéfica e, por conseguinte, caritativa com o próximo do que repartir-lhe o pão da Palavra de Deus, fazê-lo participante da Boa Nova do Evangelho, introduzi-lo no relacionamento com Deus: a evangelização é a promoção mais alta e integral da pessoa humana”.
        Jesus orienta as Suas respostas pela Palavra de Deus. O Apóstolo da Palavra, São Paulo, incentiva a darmos testemunho da nossa fé, comunicando o Evangelho:
“Que diz a Escritura? «A palavra está perto de ti, na tua boca e no teu coração». Esta é a palavra da fé que nós pregamos. Se confessares com a tua boca que Jesus é o Senhor e se acreditares no teu coração que Deus O ressuscitou dos mortos, serás salvo. Pois com o coração se acredita para obter a justiça e com a boca se professa a fé para alcançar a salvação... Não há diferença entre judeu e grego: todos têm o mesmo Senhor, rico para com todos os que O invocam”.
       Pela fé em Jesus todos somos filhos e herdeiros, todos somos irmãos. E todos temos a mesma missão de viver ao jeito de Jesus Cristo, dando-O a todos aqueles que se cruzam connosco.

       4 – Inseridos neste tempo que corre, e num mundo onde fervilham dificuldades, tentações, conflitos, guerra de interesses, egoísmos vários, a Quaresma é uma oportunidade renovada de pensarmos a nossa fé, enraizada na comunidade crente, tornando-a expressiva pela prática do bem.
       Oração, penitência, jejum, esmola, instrumentos que recentram a nossa pertença a Deus e a nossa ligação aos outros. A oração faz-nos reconhecer os outros como irmãos.
       Na primeira leitura, Moisés testemunha o favor de Deus manifesto na oração e palpável na história do povo:
«Meu pai era um arameu errante, que desceu ao Egipto com poucas pessoas, e aí viveu como estrangeiro até se tornar uma nação grande, forte e numerosa. Mas os egípcios maltrataram-nos, oprimiram-nos e sujeitaram-nos a dura escravidão. Então invocámos o Senhor Deus dos nossos pais e o Senhor ouviu a nossa voz, viu a nossa miséria, o nosso sofrimento e a opressão que nos dominava. O Senhor fez-nos sair do Egipto com mão poderosa e braço estendido, espalhando um grande terror e realizando sinais e prodígios. Conduziu-nos a este lugar e deu-nos esta terra, uma terra onde corre leite e mel. E agora venho trazer-Vos as primícias dos frutos da terra que me destes, Senhor».
       É na intimidade com Deus que Jesus lida com as tentações. A oração é o alimento primeiro e essencial para a fé. Por conseguinte, em tempo de Quaresma, preparação para o maior mistério cristão, a oração deverá ser mais diligente. Quando rezamos fortalecemos a nossa fé e, consequentemente, os laços que nos unem aos irmãos. Diz-nos D. António Couto, “A Quaresma é este tempo novo, não nosso, de fazer um verdadeiro jejum na nossa vida. Jejuar não é deixar de comer hoje, para comer amanhã. De nada nos valeria. Jejuar é olhar para a nossa vida, para a nossa casa e para a nossa mesa, até perceber que tudo é dom de Deus, não apenas para mim, mas para todos os seus filhos e meus irmãos, e, agir em consequência, partilhando com todos a minha vida, a minha casa, a minha mesa”.
       O jejum vale enquanto nos sensibiliza para a caridade, que nasce da oração, da fé, da vivência da Palavra de Deus.


Textos para a Eucaristia (ano C): Deut 26, 4-10; Rom 10, 8-13; Lc 4, 1-13.

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