1 – Chegam a Jesus relatos preocupantes e com uma leitura demasiado moralista, como se aqueles que morreram vítimas dos desvarios de Pilatos, ou em consequência da queda da torre de Siloé, fossem merecedores de tais castigos. Jesus diz claramente que não. Porém, não deixa de apontar a necessidade de conversão, de transformação da vida de cada um, para que não morram do mesmo modo. Vislumbra-se aqui uma morte mais virulenta, uma vida sem amor, sem ligação, sem calor, sem fraternidade, sem perdão, sem sentido, presa ao tempo presente e limitada às coordenadas do egoísmo, do isolamento, de um materialismo voraz, sem abertura aos outros. Para Jesus, e para nós, a opção há de ser pela vida, assumida em lógica de partilha, de comunhão, promovendo pontes para os outros e nos outros para Deus.
Para tornar mais democrático e acessível a sua mensagem, Jesus conta mais uma parábola, acentuando a misericórdia de Deus diante do nosso pecado, da nossa dúvida, hesitação, e do nosso comodismo e da nossa infertilidade espiritual.
Jesus disse então a seguinte parábola: «Certo homem tinha uma figueira plantada na sua vinha. Foi procurar os frutos que nela houvesse, mas não os encontrou. Disse então ao vinhateiro: ‘Há três anos que venho procurar frutos nesta figueira e não os encontrou. Deves cortá-la. Porque há-de estar ela a ocupar inutilmente a terra?’. Mas o vinhateiro respondeu-lhe: ‘Senhor, deixa-a ficar ainda este ano, que eu, entretanto, vou cavar-lhe em volta e deitar-lhe adubo. Talvez venha a dar frutos. Se não der, mandá-la-ás cortar no próximo ano».
Deus ama-nos, infinita, pacientemente. A paciência de Deus constrói, espera por nós, aguarda a nossa conversão, respeita a nossa liberdade, as nossas escolhas, mas não nos abandona, mesmo em situações em que nós O arredamos da nossa vida, em situações em que, tal como a figueira, não damos fruto. No entanto, Deus continua a esperar, a cuidar de nós, a tratar-nos como filhos. Mais dia, menos dia, poderemos dar fruto. Ele cuida, com carinho, uma e outra vez.
2 – Com Jesus Cristo chega até nós um tempo novo, perfumado com a alegria e a graça de Deus, na descoberta e apresentação de um Deus próximo, amigo, companheiro, entranhado no sofrimento e no labor humanos, e que se situa dentro da humanidade, da história, na assunção da finitude e fragilidade que nos caracteriza. Não acima, fora, à margem, por sobre as nuvens, mas dentro, ao lado, caminhando connosco, assumindo os nossos gestos. Podemos encontrá-l'O no mais pequeno dos irmãos.
Em Jesus Cristo, Deus une o Céu e a terra, numa ponte suave, melhor, numa escada rolante: Ele desce, e nós subimos com Ele, para a eternidade. É uma Aliança nova, no Seu Corpo e Sangue, levando à plenitude a Aliança com o povo eleito, por meio do grande líder Moisés. Jesus é o novo Moisés, inscrevendo definitivamente a Lei no coração, plenizando-a na caridade.
Vejamos a Aliança feita com Moisés, com o claro intento de libertar o povo da miséria. Deus toma a iniciativa.
“Deus chamou-o do meio da sarça: «Moisés, Moisés!». Ele respondeu: «Aqui estou!» Continuou o Senhor: «Não te aproximes. Tira as sandálias dos pés, porque o lugar que pisas é terra sagrada»… Então Moisés cobriu o rosto, com receio de olhar para Deus. Disse-lhe o Senhor: «Eu vi a situação miserável do meu povo no Egipto; escutei o seu clamor provocado pelos opressores. Conheço, pois, as suas angústias. Desci para o libertar das mãos dos egípcios e o levar deste país para uma terra boa e espaçosa, onde corre leite e mel»... Deus disse ainda a Moisés: «Assim falarás aos filhos de Israel: ‘O Senhor, Deus de vossos pais, Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacob, enviou-me a vós. Este é o meu nome para sempre, assim Me invocareis de geração em geração’».
Moisés sobe à montanha [veja-se o evangelho do domingo passado: Jesus sobe à montanha, levando alguns discípulos]. A montanha é um lugar mais desamparado, onde só pode contar consigo e com Deus. Moisés segue os seus intentos, mas eis que Deus lhe desperta a atenção e o faz olhar noutra direção, desafiando-o a alterar a direção. Aquele é chão sagrado. Todo o chão que nos leva a Deus é sagrado. Todo o chão que nos leva aos irmãos parte do chão sagrado que nos levou a Deus. Também o nosso compromisso com os outros poderá ser chão sagrado para nos encontrarmos com Deus.
Revisitemos novamente as palavras da Mensagem de Bento XVI para esta Quaresma: “A existência cristã consiste num contínuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar a descer, trazendo o amor e a força que daí derivam, para servir os nossos irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus”. Moisés aproxima-se de Deus, para ser por Ele enviado a libertar o povo escravizado no Egipto.
3 – O tempo que decorre, a Quaresma que nos envolve na preparação para a Páscoa, é oportunidade de conversão, de vida nova, de cavar de novo a nossa vida, para que dê fruto, em abundância, frutos de justiça, de caridade, de bondade.
Precisamos de nos descalçar para sentimos a terra firme e que nada nos separa de Deus. Sem calçado, os pés transmitem a todo o corpo a textura da terra. Descalços somos mais iguais uns dos outros, em contacto com o mesmo húmus, com a mesma origem.
Precisamos de nos descalçar para sentimos a terra firme e que nada nos separa de Deus. Sem calçado, os pés transmitem a todo o corpo a textura da terra. Descalços somos mais iguais uns dos outros, em contacto com o mesmo húmus, com a mesma origem.
Se os nossos pés tiverem a poeira da terra, não nos esqueceremos tão facilmente da nossa humana, frágil e fraterna condição. Com os pés assentes em terra firme não corremos o risco de flutuar, sem rumo nem norte. No II Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus obrigava-nos a olhar para as alturas: a nossa pátria está nos Céus. Hoje, incide-se nesta prioridade: para que o nosso olhar permaneça fixo na eternidade de Deus, é urgente firmar o nosso caminhar na terra que nos permite ver, encontrar e acolher os outros como irmãos.
É o chão que nos une e nos conduz à Terra Prometida, para os judeus um território, para nós, o Filho de Deus humanado.
O apóstolo São Paulo faz-nos percorrer o caminho da Aliança de Deus com o Povo Eleito, que caminhou pelo deserto, alimentando-se de um rochedo espiritual, que se virá a revelar como o Cristo de Deus:
“Não quero que ignoreis que os nossos pais estiveram todos debaixo da nuvem, passaram todos através do mar e na nuvem e no mar, receberam todos o batismo de Moisés. Todos comeram o mesmo alimento espiritual e todos beberam a mesma bebida espiritual. Bebiam de um rochedo espiritual que os acompanhava: esse rochedo era Cristo... Portanto, quem julga estar de pé tome cuidado para não cair”.
As advertências do apóstolo, e dos pais para com os filhos, as repreensões, ou as chamadas de atenção, brotam do amor e da preocupação pelo melhor bem, cuidando para que nenhum crente se transvie ou adormeça ou cruze os braços e assobie para o lado. O cuidado dos irmãos não é uma opção, mas é o compromisso específico de todo o seguidor de Jesus Cristo.
Em Dia Nacional da Cáritas, sobressai o desafio: o compromisso na fé para uma cidadania ativa, revolucionária, quebrando as cadeias injustas, eliminando as barreiras do preconceito e do egoísmo, respondendo ao amor de Deus com o amor aos irmãos que Ele nos dá.
Textos para
a Eucaristia (ano C): Ex 3, 1-8a.13-15; 1 Cor 10, 1-6.10-12; Lc 13, 1-9.
Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço.
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