sábado, 1 de junho de 2013

Santíssimo Corpo e Sangue de Jesus Cristo - 2 de junho

       1 – “Ao entrar no mundo, Cristo diz: Tu não quiseste sacrifício nem oferenda, mas preparaste-me um corpo... Então, Eu disse: Eis que venho para fazer, ó Deus, a tua vontade". Esta passagem da Epístola aos Hebreus, fazendo a citação do Salmo 40, clarifica o conteúdo da celebração da solenidade do Corpo de Deus, apresentado Jesus como Sacerdote, que "suprime, assim, o primeiro culto, para instaurar o segundo. E foi por essa vontade que nós fomos santificados, pela oferta do corpo de Jesus Cristo, feita uma vez para sempre”.
       Toda a vida de Jesus está incorporada na história. Deus encarna, faz-Se carne, assume a natureza humana. Vem até nós, não apenas de uma forma espiritual e invisível, a partir de cima e da distância, mas desde dentro, do interior do homem, identificando-se connosco, assumindo-nos na nossa carne.
       Lembrava o Papa Francisco, no Angelus do Domingo passado, na celebração solene da Santíssima Trindade: “Reconhecemos que Deus não é algo de vago, de abstrato, mas tem um nome: ‘Deus é amor’. Não um amor sentimental, emotivo, mas o amor do Pai que está na origem de toda a vida, o amor do Filho que morre na cruz e ressuscita, o amor do Espírito Santo que renova o homem e o mundo”. Acolher Deus como Trindade Santíssima, implica reconhecer Deus como Amor, que faz história connosco, que nos encontra no caminho.
       2 – Ligamo-nos espiritual e afetivamente, mas a partir do nosso corpo que nos identifica e nos diferencia dos outros, limitando-nos fisicamente, com fronteiras no aquém da nossa pele, riqueza que nos permite situar-nos diante dos outros. Somos CORPO. Não é uma parte separável que podemos dispensar quando nos apetece, mas integra-se na nossa identidade (corporal e espiritual).
       Como é que comunicamos uns com os outros? Com a presença (corporal), com a voz, e com o timbre com que falamos, comunicamos com os gestos, com o olhar, com o sorriso, com as expressões do rosto e até com a postura do corpo. Como podemos constatar, o Corpo já é comunicação. Aliás, sem corpo, nem se colocaria a questão da comunicação entre pessoas. Por vezes temos pressentimentos, sentimos o que outro está a sentir, intuímos o que está para suceder, mas de novo as raízes, a estrutura de emoções, sentimentos, do pensar, está no corpo que somos.
       A filosofia grega acentuava o confronto entre a alma e o corpo. O corpo era um entrave à verdadeira vida. O espírito, a alma, tinha que dominar o corpo, até à libertação definitiva. Nas religiões/filosofias orientais vinga a ideia de libertação do corpo pela ascese, pelo ioga, por diversas técnicas, até atingir o nirvana, um estado de (quase) puro espírito, sem dor, acima do mundo material. A perspetiva bíblica é diferente, o ser humano é corpo e espírito. É dom da criação de Deus, que nos dotou de um corpo espiritual, ou de um espírito corpóreo. Não somos um espírito dentro de um corpo, a tentar escapulir como de uma prisão, libertando o espírito, deixando o corpo para trás. Somos PESSOAS, criadas pelos Deus Amor, e que nos quer bem. Em Jesus, é o próprio Deus que vem, e assume um Corpo.
       3 – Na idade média, foi ganhando forma a convicção de acentuar o mistério da Eucaristia, a presença real de Jesus na hóstia e no vinho consagrados. Começou pela elevação da hóstia (século XII), para que todos se prostrassem em adoração e pudessem ver o Corpo de Cristo.
       Era um passo, porém. a Eucaristia continuava "limitada" à celebração da missa e da comunhão, estando prevista a conservação da hóstia consagrada, inicialmente apenas, para as pessoas doentes e ausentes.
       No século XIII, a adoração da Eucaristia acentua-se e sai à rua, ganhando progressivamente relevo a Procissão do Santíssimo Sacramento. O desejo de ver a hóstia dá lugar à celebração da realeza de Cristo, a presença do Senhor, que bendiz a cidade e as pessoas.
       4 – Celebrar o Corpo de Deus, significa acreditar num Deus que faz caminho connosco. Percorre as nossas ruas, vielas, as nossas estradas e avenidas. Ele encontra-nos onde nós vivemos, onde caminhamos. Deus não é um foragido, que Se esconde, mantendo-se à distância para não Se envolver, mas tem um ROSTO, um CORPO, uma PRESENÇA efetiva e real na nossa vida.
       Esta é a vontade de Deus. Gera-nos para uma vida feliz. Dá-nos o Seu Filho, em tudo igual a nós, exceto no pecado, e que assume um Corpo humano, para realizar a vontade do Pai. Vive entre nós. É morto. Ressuscita. Pelo Espírito Santo fica entre nós, no Seu Corpo e Sangue. De novo a Santíssima Trindade. Como dissera na última Ceia, vai morrer, vai para o Pai, e do Pai envia-nos o Espírito. Entrega-Se por inteiro. É-nos devolvido, pelo Espírito Santo na consagração.
       Paulo recorda e atualiza esse momento: 
“Eu recebi do Senhor o que também vos transmiti: o Senhor Jesus, na noite em que ia ser entregue, tomou o pão e, dando graças, partiu-o e disse: «Isto é o meu Corpo, entregue por vós. Fazei isto em memória de Mim». Do mesmo modo, no fim da ceia, tomou o cálice e disse: «Este cálice é a nova aliança no meu Sangue. Todas as vezes que o beberdes, fazei-o em memória de Mim». Na verdade, todas as vezes que comerdes deste pão e beberdes deste cálice, anunciareis a morte do Senhor, até que Ele venha».
       Sempre que nos reunimos em Seu nome, fazemos o que Ele fez naquela noite. Mais, reunimo-nos para fazermos o que Ele fez em toda a vida, o serviço permanente a favor dos outros.
       5 – Somos responsáveis uns pelos outros. Celebrar a Eucaristia, como membros do Corpo de Cristo, a Igreja, comungando o Corpo de Cristo, partilhamos Cristo e tornamo-nos guardadores uns dos outros. Não podemos sentar-nos à volta da mesma mesa, unidos no Corpo, e depois sair cada uma para sua casa, para a sua vida, como se tivesse sido um encontro de estranhos e/ou inimigos.
       O evangelho hoje proposto é sintomático:
“Os Doze aproximaram-se e disseram-Lhe: «Manda embora a multidão para ir procurar pousada e alimento às aldeias e casais mais próximos, pois aqui estamos num local deserto». Disse-lhes Jesus: «Dai-lhes vós de comer». Mas eles responderam: «Não temos senão cinco pães e dois peixes... Só se formos nós mesmos comprar comida para todo este povo». Eram de facto uns cinco mil homens. Disse Jesus aos discípulos: «Mandai-os sentar por grupos de cinquenta». Assim fizeram e todos se sentaram. Então Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao Céu e pronunciou sobre eles a bênção. Depois partiu-os e deu-os aos discípulos, para eles os distribuírem pela multidão. Todos comeram e ficaram saciados; e ainda recolheram doze cestos dos pedaços que sobraram”.
       Não podemos cruzar os braços. Somos responsáveis uns pelos outros. Se alguém passa mal, à nossa beira, então temos que nos pôr em ação para resolver, ajudar, ou provocar soluções que incluem todas as pessoas. A abundância e riqueza do Corpo de Jesus há de levar-nos a partilhá-lo entre todos, para que a ninguém falte o alimento corporal e espiritual.


Textos para a Eucaristia (ano C): Gen 14, 18-20; 1 Cor 11, 23-26; Lc 9, 11b-17.


Sem comentários:

Enviar um comentário