sábado, 28 de setembro de 2013

XXVI Domingo do Tempo Comum - ano C - 29 de setembro

       1 – A ganância desbarata a inteligência e destrói o tecido familiar e social. Com conta, peso e medida, a ambição integra o desejo de melhorar as condições de vida. No plano da fé, a ambição é um projeto de santidade que nos compromete diante de Deus e diante do próximo, todos os dias, procurando crescer, amadurecer, tornarmo-nos melhores, mais sãos.
       O desenvolvimento humano, em todas as suas vertentes, aproxima as pessoas e os povos, facilita a comunicação, torna mais democrático o acesso aos bens materiais e culturais. A criação não é exclusiva deste ou daquele, é património da humanidade inteira, mesmo reconhecendo o direito à propriedade privada. As matérias-primas, extraídas da terra que nos irmana, são de todos e para todos. O progresso deve-se ao génio humano. A criação, não! Está antes da vida, antes do ser humano. Tudo o que venha a desenvolver-se, científica e tecnologicamente, é devedor da terra. Os bens da criação não têm proprietários, mas administradores. Excluir outros destes bens é roubar-lhes o direito à terra, à vida, à alimentação, aos lucros da exploração do planeta, ainda que tenhamos contribuído com a nossa inteligência e dedicação. Não faz sentido tornarmo-nos donos daquilo que estava cá antes de nós e que vai ficar depois de nós. E mesmo a evolução científica, tecnológica, cultural, é devedora das gerações passadas. A terra recebemo-la como herança, para todos, deixá-la-emos aos nossos filhos. Não podemos quebrar a cadeia, não podemos transmitir só uma parte da terra. Não é nossa. É roubar o futuro a todos aqueles que estão para vir.
       Em lógica crente, mais se acentua a responsabilidade pelos outros. Não somos ilhas. A resposta de Caim continua a ser dada – acaso sou guarda do meu irmão? –, mas logo combatida por Deus. A vinda de Jesus mostra que o próprio Deus Se entranha no meio de nós, assumindo-nos como filhos. Não vale matar o irmão, destruir a sua vida, ou ser, ativa ou omissamente, facilitador da miséria do outro. O que acontece a um dos Seus filhos afeta os outros. Qual é a maior alegria dos Pais se não ver os filhos bem, todos os filhos? Se um está em sofrimento, os pais (o Pai) continuam a sofrer. Ofendemos um irmão, ofendemos a Deus, ofendemo-nos a nós próprios, já que, em sentido lato, o outro é do nosso sangue, da nossa carne, tem a mesma origem e o mesmo destino.
        2 – Mais uma parábola extraordinária de Jesus. O rico avarento e o pobre Lázaro.
       O rico não tem nome. Jesus não identifica os fautores do mal. Os pobres têm nome, devemos conhecê-los pelo nome. Na alegria todas as famílias são iguais, na tristeza cada uma sofre à sua maneira. Na abundância e na riqueza somos mais iguais. Na avareza não nos diferenciamos, tenhamos muito ou pouco. A pobreza tem rostos e tem nomes. Na sociedade deste tempo contam sobretudo como número. Tantos pobres. Tantas famílias sobre endividadas. Tantos desempregados. Tantos a passar necessidade. Tantos a morrer de fome. Tantas crianças subnutridas.
       A estatística pode ajudar a perceber o flagelo da fome. Porém, enquanto houver uma pessoa com fome, a viver na miséria, mesmo que já não entre nas contagens oficiais, não podemos cruzar os braços e assobiar para o lado como se não fosse nada connosco. É comigo. É contigo. Ajudar a matar a fome e a criar condições para que aquela pessoa possa gerir autonomamente a sua vida. É necessário dar o peixe e logo ajudar a pescar.
       Como tem vindo a acentuar o Papa Francisco, é revoltante ver como os governantes, e a comunicação social, se alarmem com a descida de um por cento na bolsa e silenciem a morte de milhares de pessoas que todos os dias morrem à fome.
       O desemprego é, neste contexto, um drama. A pessoa que não tem emprego, mesmo que conte com a ajuda da família, ou com a subsidiariedade (obrigatória) do Estado, está carente da sua realização, colocando em causa a dignidade de ser pessoa.
       É Lázaro que pede as sobras, as migalhas que caem da mesa, e que mais facilmente damos aos cães, fazendo deles nossa família. Tratar bem os animais, mas sem esquecer a primazia que o outro nos merece, este sim nosso irmão, carne da minha carne, osso dos meus ossos… Lázaro – Deus ajuda. Sempre ajuda através de nós. Deus está de forma privilegiada no pobre, no mais pequenino. As migalhas que caem das nossas mesas, alimentos desperdiçados, correspondem ao PIB da Suíça, 1,3 mil milhões de toneladas que vão para o lixo todos os anos. 870 milhões de Lázaros.
        3 – A época que atravessamos é particularmente marcada por contradições e paradoxos. Sinais preocupantes de individualismo e logo ao lado tantos gestos de partilha, abnegação, de solidariedade.
       Quando o ser humano se fecha e se fixa como centro, como medida de todas as coisas, o sério risco de se tornar deus para os demais. Igualmente perigoso é endeusar o dinheiro, a riqueza, os bens materiais. Se a pessoa é escrava dos bens que deveriam facilitar a sua vida acabará na ruína (afetiva, emocional, como ser humano).
       No Evangelho alguém se acerca de Jesus para lhe pedir a intervenção junto do irmão para que reparta a herança. Resposta pronta de Jesus – ninguém me fez juiz das vossas partilhas. A palavra de Deus não é para justificar a nossa inveja ou obrigarmos os outros a partilhar. A fé, o compromisso com Cristo, obriga-me. Obriga-te. Compromete-nos. Aquele que quiser ser o maior seja o servo de todos. Só seremos verdadeiramente discípulos se e quando nos identificarmos com o Mestre, que dá TUDO e Se entrega TOTALMENTE a nós, dá-nos o próprio Céu como herança.
       Se há uma pessoa com uma fortuna incalculável, e há muitas, voz corrente: essa pessoa podia ajudar mas o dinheiro é dela e que faça o que bem entender. Sim e não. Atente-se à celeuma provocada por uma entrevista a um jovem milionário, que numa noite de festa, terá gastado € 30.000,00. Escandaloso disse a jornalista. Vieram muitos à praça, alguns com a mesma opinião, quase crucificar a entrevistadora, e o entrevistado tornou-se rapidamente popular. Refira-se de novo, o compromisso cristão compromete-nos. Não obriga outros.
       Há muitas outras nuances. Os ordenados elevadíssimos de jogadores de futebol, ou de outras profissões, até na classe dos jornalistas, cuja solidariedade poderia minorar a situação em que se encontra o país. Tudo bem. Alguém tem uma fortuna: ganhou-a honestamente, como herança ou fruto do trabalho, paga de forma justa aos seus empregados, cria mais emprego, paga os respetivos impostos no país onde gera a riqueza. Não haverá muito mais a reclamar. Mais fácil se tolera que um jogador ganhe pelo seu talento que um génio farmacêutico, ou informático…
       Os bens que possuímos são devedores de outras inteligências, de outros tempos, e toda a fortuna é gerada “à custa” de outros, nem sempre devidamente compensados. Pelo meio fica o trabalho infantil, mão-de-obra baratíssima, abusando da necessidade de pessoas e famílias carenciadas. Os recursos naturais, por vezes, são desbaratos em países com necessidade de capital, para já não falar na corrupção.
       4 – Há aqui uma linha que separa. Para Jesus, se há um Lázaro, eu sou responsável por ele. Se o deixo à fome, estou a desviar-se da minha identidade, da minha filiação, do meu compromisso batismal. Como bem disse Santo Ambrósio, aquilo que damos aos pobres como esmola não nos pertence, é deles por direito. A lei que nos obriga é a Lei do Amor.
       No início da crise económico-financeiro e perante o colapso dos bancos, os governos injetaram nos bancos dinheiro mais que suficiente para acabar com a fome no mundo inteiro. Conclusão: existe fome no mundo por que não há vontade política de a irradiar.
       Na parábola deste dia, Jesus volta à perspetiva do Juízo final. O bem ou o mal que fazemos trará consequências no futuro, aqui na terra ou na eternidade. O rico avarento há de ser julgado pelo egoísmo e pela indiferença e desprezo com que tratou os Lázaros que bateram à sua porta. E nós também. Como refere D. António Couto, chegará o dia em que levantará o olhar para Deus…
       O profeta Amós, como há oito dias, é categórico na denúncia do fosso de indiferença do rico para com o pobre: «Ai daqueles que vivem comodamente em Sião e dos que se sentem tranquilos no monte da Samaria. Deitados em leitos de marfim, estendidos nos seus divãs, comem os cordeiros do rebanho e os vitelos do estábulo. Bebem o vinho em grandes taças e perfumam-se com finos unguentos, mas não os aflige a ruína de José. Por isso, agora partirão para o exílio à frente dos deportados e acabará esse bando de voluptuosos».

       5 – Como conclusão, o desafio de Paulo a Timóteo e a cada um de nós: “Tu, homem de Deus, pratica a justiça e a piedade, a fé e a caridade, a perseverança e a mansidão. Combate o bom combate da fé, conquista a vida eterna... Guarda o mandamento do Senhor, sem mancha e acima de toda a censura, até à aparição de Nosso Senhor Jesus Cristo...”

Textos para a Eucaristia (ano C): Am 6, 1a.4-7; 1 Tim 6, 11-16; Lc 16, 19-31.

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