segunda-feira, 11 de março de 2019

Tomáš Halík e Anselm Grün - O abandono de Deus

TOMÁŠ HALÍK e ANSELM GRÜN (2017). O Abandono de Deus. Prior Velho: Paulinas Editora. 224 páginas
       Tomáš Halík nasceu a 1 de junho de 1948, em Praga, na Checoslováquia num ambiente e numa família ateia ou a-religiosa. Batizados os pais pararam na Primeira Comunhão e, seguindo a tradição, batizam o filho, mas não têm mais ligações à Igreja. Por volta dos 18 anos, Halík encontra-se com a fé e, particularmente, com o cristianismo. Licenciou-se em Ciências Sociais e Humanas pela Faculdade de Filosofia da Universidade de Charles, em Praga e, clandestinamente, estudou teologia em Praga, tendo entretanto começado a frequentar a Igreja, a escutar os sermões, tornando-se acólito e sentindo a vocação ao sacerdócio, foi ordenado em Erfurt, em 1978. Durante o período comunista, considerado inimigo do regime, é impedido da docência universitária. Assume, então, a profissão de psicoterapeuta de toxicodependentes, situando-se na linha dos padres operários, pois não pode revelar a sua identidade eclesial. Com o fim do comunismo no seu país natal, pode então viajar pelo mundo inteiro. Em 1989, Papa João Paulo II desafia-o a estudar na Universidade Pontifícia de Roma, Lateranense, frequentando aí um curso de pós-graduação. Frequentará outra pós graduação na Faculdade Pontifícia de Teologia de Wroclaw, na Polónia. Trabalhou de perto com o futuro Presidente Václav Havel e, após 1989, tornou-se num dos seus conselheiros. Depois da queda do Comunismo, serviu como Secretário-geral da Conferência Episcopal da República Checa (1990-93).
Halik continua a ser professor de sociologia na Universidade de Charles, em Praga (Departamento de Estudos Religiosos, Faculdade de Letras), pároco da Paróquia Académica e Presidente da Academia Cristã da República Checa. Em 1992, o Papa João Paulo II nomeou-o conselheiro do Conselho Pontifício para o Diálogo Inter-Religioso e, em 2009, o Papa Bento XVI concedeu-lhe o título de Monsenhor – Prelado Honorário de Sua Santidade.

       Anselm Grün, monge beneditino e doutor em teologia, nasceu em 1945 em Junkershausen, na Alemanha, numa ambiente católico, com a família comprometida com a Igreja, é sobrinho de um padre. Cresceu em Munique, ajudava na loja de materiais elétricos de seus pais. Aos 19 anos, entrou para a Abadia Beneditina Muensterschwarzach, perto de Würzburg, na Bavária, onde vive até hoje. Ali aprendeu sobre a arte da liderança e da gestão de pessoas descobrindo conexões entre a Regra de São Bento, a Bíblia e a psicologia moderna. Esse, provavelmente, tenha sido o ponto de partida para aperfeiçoar-se e dar início às suas atividades de conselheiro espiritual, palestrante e mestre em autoconhecimento. Nos seus livros e cursos, procura responder às necessidades e problemas mais comuns e urgentes da existência humana, como os desafios que conduzem ao amadurecimento, os relacionamentos pessoais, a presença de Deus no quotidiano e outras questões ligadas à espiritualidade, recorrendo aos seus conhecimentos filosóficos, teológicos e da tradição cristã, assim como de psicologia, meditação e contemplação. Publicou o seu primeiro livro em 1976. Hoje é autor de mais de 300 obras, traduzidas para 28 idiomas, sempre em linguagem acessível e clara. Em 2013, a Universidade de Friburgo, na Suíça, sediou o simpósio “Teologia e linguagem em Anselm Grün”, organizado pela cátedra de Teologia Pastoral, Pedagogia Religiosa e Homilética e pela Pastoral Universitária de Berna.

        Claro que a biografia destes dois homens de fé é importante. O livro que escreveram em conjunto tem muita das suas vidas de fé. Halík, nascido num ambiente ideologicamente contrário à fé, numa família, segundo o próprio, sem ligação à Igreja mas que vivia um humanismo secular. Foi descobrindo a fé e a Igreja, ordenando-se sacerdote clandestinamente. A democracia na Checoslováquia (a partir de 1 de janeiro de 1993, a Checoslováquia deu lugar à República Checa e  Eslováquia) trouxe novos desafios e problemas. Não foi fácil conciliar a Igreja que vivia clandestinamente com a Igreja que conviveu com o regime, sendo que agora já não havia um inimigo a combater. Um dos propósitos de Halík é o diálogo com a cultura, o seu ambiente natural é a Universidade, o ecumenismo, o diálogo com outras religiões, mas também o diálogo com os descrentes ou os ateus. Uma das figuras com que dialoga é com Nietzsche, o filósofo alemão que pregou a morte de Deus.
       Por sua vez, Anselm Grün nasce num ambiente cristão. Aos 19 anos entrou para uma abadia beneditina, aperfeiçoando a arte da liderança e da gestão de pessoas, relacionando Bíblia, regra de São Bento e psicologia moderna, escrevendo livros, ministrando cursos, procurando responder a problemas concretos das pessoas. A temática da fé está bem patente nas suas palestras e nos seus livros. No diálogo com o "ateísmo", Grün tem como interlocutor Ludwig Feuerbach, filósofo alemão, conhecido pelo seu ateísmo humanista.
       Ambos os autores têm uma referência comum: a psicologia da profundidade de CG. Jung. A psicologia pode não demonstrar Deus, mas conclui que a imagem de Deus está profundamente gravada na nossa psique. É possível que um crente esteja mais próximo de um ateu do que de outro crente. Para Halík o cristianismo é a religião dos paradoxos que abarca a Sexta-feira santa e a alegria da Páscoa. O negativo é quando só se fixa na sexta-feira santa e não se abre à Páscoa.
Grün recorre a Karl Rahner, para quem Deus é sempre um mistério incompreensível. E o mistério exige uma busca permanente. O crente está a caminho. Melhor, crente e descrente convivem em cada um de nós. Também nós, cristãos, fomos ateus durante 400 anos, assim considerados por judeus e romanos.

         A obra visa dialogar com os ateus, com os descrentes, não para a fé, para para a enriquecer com as interrogações dos descrentes, no reconhecimento que também as pessoas de fé passam por momentos de crise, de dúvida, como Santa Teresinha ou Madre Teresa de Calcutá, ou São João da Cruz. Por outro lado, a certeza que há muitas formas de ateísmo, ateísmo prático, de quem não quer saber, científico, de quem quer provar a inexistência de Deus, ao ateísmo do sofrimento, de quem perdeu alguém ou o sentido para a via, de quem busca. Os dogmáticos de um lado e de outro, excluem-se, talvez combatendo o que neles próprios é medo e trevas. Quem não se interroga, crente ou descrente, perde a oportunidade de aprender e de crescer.

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