A primeira fase seguiu dois passos. Primeiro, com Lutero, Calvino e
outros reformadores, agrediu-se a estrutura eclesial conservando o
Cristianismo. A fé em Cristo era preciosa, apesar dos perversos
eclesiásticos. Depois, através de Hume, Voltaire e outros teístas, o
cientifismo deísta rejeitou a doutrina e ritos, acenando à divindade
longínqua e apática d'"O Grande Arquitecto" e distorcendo a História
para apagar o papel da Igreja.
A segunda fase do ataque dirigiu--se ao transcendente. Recusava-se Deus e
a eternidade, pretendendo conservar as regras cristãs de comportamento
social. O primeiro passo, de Feuerbach, Comte e outros ateus, quis
demonstrar filosoficamente a inexistência formal de Deus na sociedade
humanista ideal. O falhanço dos esforços teóricos levou Thomas Huxley,
Bertand Russell e outros agnósticos ao ateísmo prático simplesmente
desinteressado da questão religiosa.
A fase actual é de ataque frontal à moral cristã. Primeiro, com
Saint-Simon, Marx e outros revolucionários, visou-se uma moral
exclusivamente humana. Mas, como Nietzsche e Sartre tinham explicado,
eliminando a referência metafísica, vivemos "Para lá do Bem e do Mal".
Para compreender os traços essenciais da atitude moral dominante é
preciso lembrar o elemento novo e original que o Cristianismo trouxe à
civilização há 2000 anos. Aí se situa o núcleo da luta moral da nossa
era. Quando Cristo nasceu, a sociedade ocidental já possuía uma
estrutura ética sofisticada. Homero, Zoroastro, Sócrates, Zenão, Epicuro
e tantos outros tinham estabelecido um sistema complexo de virtudes,
regras e comportamentos. No campo estrito da ética, a revelação cristã
trouxe apenas um contributo: a misericórdia.
Para Aristóteles e seus contemporâneos, o perdão era uma injustiça
inaceitável. A visão cristã do mundo tornou-o indispensável: "todos
pecaram e estão privados da glória de Deus. Sem o merecerem, todos são
justificados pela Sua graça, em virtude da redenção realizada em Cristo
Jesus" (Rm 3, 23-24).
Aquilo que a moral de hoje perdeu é a misericórdia. Em jornais, novelas,
televisão e cinema encontramos valores e atitudes elevados. Mantêm-se
virtudes, guardam-se mandamentos, pululam os exemplos honestos,
sensatos, equilibrados. Tolera-se tudo. Só se despreza a caridade
cristã.
Existem duas formas de destruir a misericórdia: eliminando o pecado e
eliminando o perdão.
Estas são precisamente as duas atitudes mais comuns
nos dias que correm. Numa enorme quantidade de situações não se vê nada
de mal. Naquelas em que se vê, não há desculpa possível. As acções do
próximo ou são indiferentes ou intoleráveis. O que nunca são é
censuradas e perdoadas. O que nunca se faz é combinar o repúdio do
pecado com a compaixão pelo pecador.
O resultado está à vista. A moral oficial, em filmes, romances, séries e
telejornais, é uma amálgama de regras, princípios e procedimentos, sem
fundamento, coerência ou justificação. Do libertarismo mais acéfalo
salta-se ao moralismo totalitário sem lógica ou razão. Aborto e
adultério tornavam-se de crimes em direitos, enquanto tabaco e touradas
passaram de hábitos a infâmias. Os enredos da moda exaltam os valores
pagãos, mágicos, bárbaros, orientais, ocultistas, libertinos, vampiros.
Todos, menos cristãos.
Após 500 anos de ataques à Igreja, este é o estado do Ocidente. Qual a
situação da fé, com cinco séculos de agressões? Está igual a si mesma. A
moral cristã perdura, 100 anos depois de Nietzsche. A fé em Cristo
mantém-se, 250 anos depois de Hume. A Igreja Católica permanece, cinco
séculos após Lutero. O último meio milénio não foi mais duro para os
discípulos de Cristo que os anteriores. Desde o Calvário, a Igreja é
atacada. Ressuscitando ao terceiro dia.
João César das Neves, in (DN 5/09/2011) POVO.
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