domingo, 22 de agosto de 2021

Alberto Camus - A Peste

 ALBERTO CAMUS (2019). A Peste. Porto: Livros do Brasil. 264 páginas.


A Peste, do filósofo Alberto Camus, é um romance que bem poderia ter sido escrito para a pandemia, ou resultante da pandemia do novo coronavírus, que se transforma em doença, Covid-19. A Peste descreve, com grande exatidão, o que sucedeu e o que está a acontecer com este surto pandémico atual.
Na cidade de Orão, na Argélia, em 1940, surge a peste. Aparece um rato ensanguentado, do nada, e morre, como que rebentando. Multiplicam-se os ratos mortos. Um bairro, rapidamente se espalha por outros bairros e por toda a cidade. Ativa-se uma plano para desinfestar a cidade, para recolher os ratos mortos e tentar que não invadam nem as ruas nem as casas. Tenta desvalorizar-se o fenómeno que não se percebe, procurando que os jornais não dramatizem.
Entretanto, surge um homem, doente, com febre, com falta de ar, com pequenos caroços na pele, que rebentam e expelem sangue. Surgem outros casos. A preocupação das autoridades é controlar a peste, agir com cautela, procurando não gerar pânico, controlando, de algum modo, a informação. Os primeiros dias são de reserva, de dúvidas, não falando em peste e não assumindo claramente tal doença. Adia-se ao máximo falar de peste para evitar situações de alarme, até ao ponto de ser inevitável. "A opinião pública é sagrada: nada de pânico. Sobretudo, nada de pânico". A partir de então traçam-se as medidas a adotar, isolar as pessoas que têm peste, retirando-as do ambiente familiar, criando espaços de quarentena, recolher obrigatório, evitar aglomerações e festas, fechar as fronteiras - ninguém pode sair e só podem entrar os que são residentes em Orão, aos funerais só podem assistir familiares próximos, e com o avançar da peste, abrem-se valas comuns e são sepultados sem a presença de familiares, o culto é suspenso, a economia para e favorece a economia paralela."A peste é a ruína do turismo". O número de mortos vai aumentando, organizam-se equipas para recolher as pessoas com peste, para assistência nos hospitais, para os funerais; prepara-se e testa-se um soro de forma a salvar os contaminados, com momentos de elevada expetativa e com desilusões sucessivas.
A falta de meios mas também a falta de pessoas para lutar contra a peste.
À peste junta-se o medo, o anseio de contactar familiares e amores, vai-se perdendo a esperança, vive-se um dia de cada vez, com um certo embotamento que se vai gerando, vive-se em suspenso, quase anestesiado. O risco de loucura aumenta progressivamente. A separação é uma das consequências mais nefasta da peste e do fechar das fronteiras. Até a correspondência é suspensa, com medo que as cartas possam provocar contágio.
Como na pandemia atual, também em Orão se percebe que estão todos no mesmo barco. "uma vez fechadas as portas, aperceberam-se de que estavam todos, até o próprio narrador, metidos no mesmo saco e que era necessário arranjarem-se". E mais à frente: "É claro que as coisas não estão melhor. Mas, ao menos, toda a gente está metida nos mesmos lençóis".
Produzem-se crenças erradas, como acontece também com a pandemia, como por exemplo, o álcool preservar das doenças infeciosas, pelo que aumenta o número de bêbados todas as noites. É interessante o diálogo do médico, Rieux, ateu, com o Padre, Tarrou: "O que eu odeio é a morte e o mal, bem sabe. E, quer queira quer não, estamos juntos para os sofrer e combater. Bem vê, nem mesmo Deus pode agora separar-nos". E por falar em crenças, a religião é substituída pela superstição, com uso de amuletos e medalhas protetoras, bem como profecias, como de Nostradamus, ajustando-as aos tempos presentes.
Coisa curiosa também, em paralelo com a pandemia pelo novo coronavírus, também em relação à peste, as autoridades contam com a sazonalidade. No caso da pandemia, contavam com o tempo quente; no caso da peste, contavam com o tempo frio para deter o avanço da mesma. "À força de esperar, não se espera já, e a nossa cidade vivia sem futuro".
Quando se aproxima o Natal... para eles "o Natal, nesse ano, foi mais a festa do Inferno do que do Evangelho. As lojas desertas, privadas de luz... as igrejas estavam cheias de lamentos, mais do de ações de graças...."
Coloca-se também a questão da normalidade e do futuro após a peste. "Cottar não sorria. Queria saber se se podia pensar que a peste nada mudaria na cidade e que tudo recomeçasse como dantes, ou seja, como se nada se tivesse passado. Tarrou pensava que a peste mudaria e não mudaria a cidade, que, bem entendido, o mais forte desejo dos nossos concidadãos era e seria fazer como se nada tivesse mudado e que, portanto, em certo sentido, seria mudado, mas que, noutro sentido, não se pode esquecer tudo, mesmo com a vontade necessária, e a peste deixaria vestígios, pelo menos nos corações".
"Em Orão, como no resto do mundo, por falta de tempo e de reflexão, é-se obrigado a amar sem o saber...

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