sábado, 22 de setembro de 2012

XXV Domingo do tempo Comum - ano B - 23 de setembro

       1 – O anúncio da Cruz é uma evidência na vida de Jesus. Para os cristãos, o anúncio e a identificação com a Cruz de Jesus Cristo é um projeto de vida, a sua maneira de ser. 
       Depois da confissão de fé de Pedro – “Tu és o Messias” –, o anúncio progressivo, mas sem recuos, dos sofrimentos que o Mestre vai enfrentar. Em constante movimento, Jesus anuncia tempos novos, o reino de Deus em ebulição. São Marcos mostra que o Messias, o Ungido do Senhor, é verdadeiro Homem, com sentimentos e emoções, com necessidades (de comer, de beber, de descansar, de ser ouvido) e com sonhos (revolucionar a mente e sobretudo o coração das pessoas), atento a todos, fixando o Seu olhar nas pessoas mais frágeis, naquelas que se apresentam fatigadas, desiludidas, marginalizadas, sem esperança e sem futuro. Ele acolhe, desafia, compreende, ama, perdoa, cura, revoluciona a partir do interior.
       Chegados ao meio do evangelho de Marcos, o caminho do sucesso e da fama, que se vinha a espalhar e a consolidar, dá lugar rapidamente à desilusão (por parte dos discípulos), e ao abandono. O messianismo esperado pelo povo, e pelos discípulos, é político, imposto pela força, com um vendaval de violência e morte, e traduzir-se-ia pela substituição do poder imperial e colonizador por um poder nacional e religioso.
       É neste sentido que vemos Pedro a repreender Jesus por Ele anunciar o fracasso (humano e visível): «O Filho do homem vai ser entregue às mãos dos homens, que vão matá-l’O; mas Ele, três dias depois de morto, ressuscitará».
       A visão de Pedro, e dos demais apóstolos, corresponde à tentação de Satanás: o reino de Deus será do poder, de domínio e de violência sobre os outros. Daí a expressão contundente de Jesus: Afasta-te de mim Satanás. O caminho é outro.
 
       2 – A Cruz é símbolo da entrega total, dádiva por inteiro da Sua vida a favor de todo o povo. É necessário que UM morra por todos. É consequência lógica da Sua vida. Não é um momento. Não se trata de desprezar a VIDA, como dom, mas de recusar o egoísmo e todas as formas de vida que signifiquem destruição dos outros.
       Jesus coloca-Se do lado do pedinte, do órfão e da viúva, do estrangeiro e do perseguido, do pobre e do doente, coloca-Se do lado dos mais frágeis. Segue o caminho da Cruz como serviço. A Cruz não vale e não serve por si mesmo. O cristão acolhe a vida como dádiva, protege-a, ama-a e celebra-a; vida que se partilha e se aprofunda na relação com o próximo. Em Jesus, a Cruz é o desembocar de um caminho permanente de fidelidade a Deus e aos homens. Quem assume a defesa dos mais pobres, cedo sofrerá o desprezo e a perseguição dos mais fortes, dos que vivem pela violência. Jesus sabe isto. Não o esconde. Não faz campanha. Não diplomatiza para ter mais seguidores. Não disfarça o desfecho que se irá impor. Anuncia a paixão, a perseguição, sob o poder das autoridades, incomodando com as palavras mas muito mais com o Seu jeito de viver, de se relacionar, de servir.
       Para Jesus, dar a outra face, deixar-se machucar, é mais humano do que agredir, morrer é muito mais humano do que matar. Ao egoísmo contrapõe o serviço, o amor e o perdão. Ao poder contrapõe a humildade: «Quem quiser ser o primeiro será o último de todos e o servo de todos». E, tomando uma criança, colocou-a no meio deles, abraçou-a e disse-lhes: «Quem receber uma destas crianças em meu nome é a Mim que recebe; e quem Me receber não Me recebe a Mim, mas Àquele que Me enviou».
 
       3 – As palavras da Sabedoria são clarificadoras sobre o justo e a forma como denuncia o mal e os poderosos instalados em seus palácios e a viver à custa do povo.
“Disseram os ímpios: «Armemos ciladas ao justo, porque nos incomoda e se opõe às nossas obras; censura-nos as transgressões à lei e repreende-nos as faltas de educação. Vejamos se as suas palavras são verdadeiras, observemos como é a sua morte. Porque, se o justo é filho de Deus, Deus o protegerá e o livrará das mãos dos seus adversários».
       O justo não procura aniquilar-se, não parte em busca de problemas, ou provocando os outros para a guerra. No entanto, a sua existência é já um atentado a quem pratica declaradamente o mal. Se todos passam indiferentes às injustiças, sobretudo aqueles que pelo seu ofício ou relevância social e religiosa deveriam proteger os mais fragilizados, ou se vivem na mesma corrente de pecado, às tantas até parece que só há um caminho, ou é a forma mais certa de se viver, pois se todos vivem assim! Ora o justo é provocador pelas palavras, denunciando, e muito pela vida de retidão, de justiça e de verdade.
       Quando faltam razões ou vontade para mudar de vida, a melhor maneira, para acabar com o incómodo de quem perturba o nosso descanso e o nosso cinismo, é acabar com a reputação e vida desses que tais, expondo, levantando falsos testemunhos, perseguindo, usando da violência. Foi assim que muitos profetas foram exilados, vitimados pelo boato e pela maledicência, e mortos. É a sorte dos justos. Será o desenlace da escolha de Jesus.
 
       4 – “Como Eu vos fiz, fazei-o vós também”. Estas são as palavras de Jesus quando se coloca de joelhos diante dos apóstolos para lhes lavar os pés, consagrando o serviço como única forma de chegar perto de Deus. Ele que era Mestre e Senhor não Se valeu da Sua igualdade com Deus, mas aniquilou-Se, tornou-Se servo, humilhou-Se em obediência até à morte, até à cruz, como se reza e poetisa na Epístola aos Filipenses. Ele não vem para ser servido, mas para servir e dar a vida pela vida de muitos.
       Pode até doer, levar-nos à Cruz, mas não há outro caminho que nos leve a Deus que não seja o da caridade, do serviço, da verdade, do perdão (ainda e sempre expressão da caridade). O cristão ama a vida que Deus lhe dá em abundância. A vida em qualidade não dispensa o convívio, a festa com os outros, a "ligação" aos demais. Só há luz em nós se estivermos ligados à corrente. A corrente é o Espírito de Deus em nós, que Se torna mais luminosa e consistente se ligada aos outros. Não nos salvamos sozinhos. Não seguimos pela estrada de ninguém. A nossa estrada é aberta para que possamos seguir juntos.
       A Cruz guia-nos pela caridade, pela paz, pela justiça.
       Pelo contrário, como insiste São Tiago,
“onde há inveja e rivalidade, também há desordem e toda a espécie de más ações. Mas a sabedoria que vem do alto é pura, pacífica, compreensiva e generosa, cheia de misericórdia e de boas obras, imparcial e sem hipocrisia. O fruto da justiça semeia-se na paz para aqueles que praticam a paz... Cobiçais e nada conseguis: então assassinais. Sois invejosos e não podeis obter nada: então entrais em conflitos e guerras. Nada tendes, porque nada pedis. Pedis e não recebeis, porque pedis mal, pois o que pedis é para satisfazer as vossas paixões”.
       Voltemos a ler este pedaço da Epístola. À inveja, ao egoísmo, à injustiça, à guerra, opõe-se como purificação e cura o serviço, o amor, o diálogo, o perdão, e a oração, para que a corrente de Deus nos mantenha vigilantes e atentos e prontos para nos ajudarmos.
       A lógica do reino de Deus é a lógica que leva à CRUZ, quem quiser ser o primeiro de todos seja o servo de todos.


Textos para a Eucaristia (ano B): Sab 2, 12.17-20; Tg 3, 16 – 4, 3; Mc 9, 30-37.

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