quinta-feira, 13 de outubro de 2016

Maria Teresa Gonzalez - Um Lápis chamado Teresa

MARIA TERESA MAIA GONZALEZ (2016). Um lápis chamado Teresa. Prior Velho: Paulinas Editora. 72 páginas.
       Há livros pequenos em tamanho que são enormes pelo conteúdo e pelas marcas que podem deixar impressas, pelos desafios que nos lançam.
       É conhecida a afirmação da Santa Teresa de Calcutá sobre o trabalho a favor dos mais pobres dos pobres: Sou um lápis nas mãos de Deus. A Madre Teresa de Calcutá não se deixava engrandecer, mas remetia o louvor para Deus, pois é Ele que chama, que envia, dá força, compromete. Cuidar das feridas de alguém maltratado, abandonado, excluído, é cuidar das feridas de Jesus. O que fizerdes ao mais pequeno dos meus irmãos é a Mim que o fazeis.
       A autora torna fácil a biografia de Madre Teresa de Calcutá. Sentando-se como aluna nas cadeiras da escola, no quarto ano de escolaridade, quando a professora Maria do Carmo nos pediu para fazer um trabalho «se eu fosse...» A narradora relata que escreveu "Se eu fosse um lápis". O diálogo com a tia vai permitir-lhe conhecer a frase de Madre Teresa de Calcutá - Sou um lápis nas mãos de Deus. Três anos depois, na época em que está a escrever, a autora faz outro trabalho, agora específico sobre a Mãe dos Pobres.
       O professor de Português pediu uma mini-biografia sobre uma personagem importante e, de preferência, que tivesse o mesmo nome ou de um familiar. Como Teresa será sobre Teresa de Calcutá que a narradora fará o seu trabalho, surpreendo os outros, mas surpreendendo-se, pois no final, verifica que talvez os santos não estejam muito na moda... o mais importante talvez não seja a nota do trabalho, mas identificar-se com a biografada.
       A linguagem do livro é própria de um adolescente, mas cuidada, para ressalvar o realmente importante. No final do livro algumas frases conhecidas de Madre Teresa de Calcutá:
"Precisamos de dizer aos pobres que são alguém para nós. Que também eles foram criados pela mão de Deus, para amarem e serem amados"
"Todas as nossas palavras serão inúteis se não brotarem do fundo do coração. As palavras que não dão luz aumentam a escuridão"
"Façam algo de belo para Jesus (...) Desprendam-se dos vossos bens e do vosso tempo. Deem até doer"
"Não estamos no mundo apenas para existir. Não estamos só de passagem. A cada um de nós foi dada a capacidade de fazer algo maravilhoso!"
"Trabalhai por Jesus e Jesus trabalhará convosco".
"Jesus espera-nos sempre em silêncio. Escuta-nos em silêncio e no silêncio fala às nossas almas. No silêncio é-nos dado poder escutar a sua voz"
A vida é uma oportunidade, agarra-a.
A vida é beleza, admira-a.
A vida é felicidade, saboreia-a.
A vida é um sonho, faz dele uma realidade.
A vida é um desafio, enfrenta-o.
A vida é um dever, cumpre-o.
A vida é um jogo, joga-o.
A vida é preciosa, cuida dela.
A vida é uma riqueza, conserva-a.
A vida é amor, aprecia-o.
A vida é um mistério, penetra-o.
A vida é promessa, cumpre-a.
A vida é tristeza, vence-a.
A vida é um hino, canta-o.
A vida é um combate, aceita-o.
A vida é aventura, arrisca-a.
A vida é alegria, merece-a.
A vida é vida, defende-a.

quarta-feira, 12 de outubro de 2016

Impondes aos outros o que não praticais

       Disse o Senhor: «Ai de vós, fariseus, porque pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças, mas desprezais a justiça e o amor de Deus! Devíeis praticar estas coisas, sem omitir aquelas. Ai de vós, fariseus, porque gostais do primeiro lugar nas sinagogas e das saudações na praça pública! Ai de vós, porque sois como sepulcros disfarçados, sobre os quais passamos sem o saber!». Então um dos doutores da lei tomou a palavra e disse a Jesus: «Mestre, ao dizeres essas palavras também nos insultas a nós». Jesus respondeu: «Ai de vós também, doutores da lei, porque impondes aos homens fardos insuportáveis e vós próprios nem com um só dedo tocais nesses fardos!» (Lc 11, 42-46).
       Jesus foi convidado por um judeu. Entretanto o anfitreão admira-se por Jesus não ter feito as abluções iniciais, por uma questão de higiene mas sobretudo de tradição judaica. É uma excelente oportunidade para Jesus contrapor ao essencial. Em muitos outros momentos Jesus utilizará situações concretas, facilitando assim o aprendizado.
       Ouvimo-lo a dizer que a esmola é muito mais importante que o cumprimento ritualista dos preceitos religiosos. Estes são importantes na medida em que não descuram ou não substituem a generosidade para com o próximo, a justiça e o amor de Deus. A vivência da religião não é exterior, ainda que se exteriorize com gestos, celebrações, rituais, mas é antes de mais e acima de tudo interior, feita de conversão aos desígnios de Deus, à Sua palavra, ao Seu amor, expresso na prática do bem, na prossecução da justiça, compromisso com os outros...

terça-feira, 11 de outubro de 2016

Sepulcros disfarçados, pelos quais passamos...

       Disse o Senhor: «Ai de vós, fariseus, porque pagais o dízimo da hortelã, da arruda e de todas as hortaliças, mas desprezais a justiça e o amor de Deus! Devíeis praticar estas coisas, sem omitir aquelas. Ai de vós, fariseus, porque gostais do primeiro lugar nas sinagogas e das saudações na praça pública! Ai de vós, porque sois como sepulcros disfarçados, sobre os quais passamos sem o saber!». Então um dos doutores da lei tomou a palavra e disse a Jesus: «Mestre, ao dizeres essas palavras também nos insultas a nós». Jesus respondeu: «Ai de vós também, doutores da lei, porque impondes aos homens fardos insuportáveis e vós próprios nem com um só dedo tocais nesses fardos!» (Lc 11, 42-46).
        Se ontem ouvíamos Jesus a falar na necessidade do exterior ser expressão do interior, da conversão, hoje, a insistência na coerência de vida, entre o que se diz e o que se faz, entre o que se exige aos outros e o que se cumpre pessoalmente.
       As palavras de Jesus, a este propósito, são contundentes, explícitas, mas de fácil compreensão. E as imagens são igualmente fortes - sepulcros caiados, isto é, por fora (de novo o exterior) limpo, arranjado, bonito, por dentro morte, destruição, maldade. Para Jesus as aparências não contam, mas a conversão, a coerência de vida, a justiça, a verdade, a vivência dos mandamentos, a caridade.

domingo, 9 de outubro de 2016

Crisma 2016 - Entrega dos Diplomas - 9.outubro.2016

       No dia 16 de julho último, a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição acolheu o Senhor Bispo, D. António Couto, para presidir à celebração do Sacramento do Crisma. Da nossa paróquia, as jovens que completaram os 10 anos de catequese: Ana Balsa, Ana Almeida, Ana Letícia, Bárbara, Cátia, Cristina, Eliana, Luana, e Sofia Barradas. Acolhemos também três jovens de Arcos: Verónique, Ana Margarida e Rosa Mendonça, e de Valença do Douro a Inês Ramos.
       No dia 9 de outubro, um dia depois do início da catequese paroquial, a entrega dos diplomas às crismadas do ano pastoral 2015-2016, durante a celebração dominical, num convite renovado ao compromisso em comunidade. Por se encontrar a estudar fora, não pôde estar presenta a Ana Balsa.
       Algumas fotos desta celebração:

Para todas as fotos do Crisma visitar a Paróquia de Tabuaço no Facebook.

sábado, 8 de outubro de 2016

Paróquia de Tabuaço: Início da catequese 2016-2017

       Sábado, 8 de outubro de 2016, início da catequese paroquial, na comunidade de Nossa Senhora da Conceição. Neste novo ano pastoral (2016-2017) cumpriu-se a tradição. No segundo sábado de outubro regressa a catequese, envolvendo crianças, adolescentes, jovens, filhos e pais, e a comunidade que beneficia da alegria e da jovialidade dos pais novos.
       Pelas 16h00, o encontro no Centro Paroquial para um tempo mais festivo, com jogos, preparados pelas catequistas. Momentos de convívio, de brincadeira, contribuindo para uma maior interação. Aproximando-se as 17h00, tempo para a celebração da Santa Missa, com as crianças e adolescentes da catequese, com os pais, amigos e familiares, com o regresso do Grupo Coral da Catequese, numa Eucaristia mais viva, mais interativa, mais festiva.

       Algumas fotos dos dois momentos:
Para outras fotos visitar a Paróquia de Tabuaço no Facebook: @tbcparoquia

XXVIII Domingo do Tempo Comum - ano C - 9/10/2016

       1 – O discípulo de Jesus sabe agradecer tudo quanto de bom lhe é dado da parte do Senhor. A gratidão, com efeito, é o caminho da humildade de quem se reconhece mendigo, pronto para aprender, para acolher o bem que vem dos outros, disponível para mudar o que é necessário para se tornar transparência e testemunha de Jesus Cristo.
       Só a humildade nos faz santos. A santidade constrói-se no serviço humilde e dedicado ao seu semelhante, sob a bênção e a proteção de Deus.
       O Evangelho faz-nos ver o caminho de Jesus. Está a caminhar para Jerusalém, onde dará a vida por amor, onde o amor O levará a gastar-Se por inteiro, até à última gota de sangue. A Cruz é expressão do máximo amor e da máxima entrega. Nada nos separa do amor de Deus, nem a espada, nem qualquer poder, nem a morte. Em Jesus Cristo, Deus desceu ao mais humano, ao mais frágil, ao mais vil, para nos elevar com o Seu filho, ressuscitando-nos.
       O caminho de Jesus não é linear, como não é linear a nossa vida. Altos e baixos. Alegrias e tristezas. Festa e luto. Júbilo e lágrimas. A linearidade da vida de Jesus é a entrega, a doação, o cumprimento da vontade do Pai, não Se desviando nem um milímetro deste propósito, mesmo quando a dor é mais profunda e mais aguda. Ao longo do Seu caminho terreno, em que Ele próprio Se faz Caminho para nós, Jesus não segue alheado de quem O rodeia, de quem Se aproxima, de quem pede ajuda, de quem nem sequer pede ajuda porque não tem forças ou porque tem vergonha. Pára. Volta atrás. Desvia-se no trajeto, do caminho para a periferia, para das margens para os recuperar para a vida, para o centro.

       2 – No Evangelho de hoje, 10 leprosos aproximam-se o suficiente para se fazerem ver e ouvir por Jesus. Daqui se infere que a fama de Jesus se espalhara. Os leprosos não se aproximam de um ídolo, de uma estrela, mas de Alguém cuja docilidade, delicadeza, proximidade atrai.
       A lepra é um estigma social. Os leprosos são mantidos à distância, isolados, deixados de fora, até que, por qualquer razão, fiquem bem. Aparte para sublinhar que naquele tempo todas as doentes de pele estão incluídas na lepra e qualquer mancha assusta e, por conseguinte, pelo sim pelo não, há que afastar as pessoas "contagiadas" para não contagiarem os outros.
       Jesus não só não Se afasta como Se aproxima. Veja-se a nuance dos ditos. Os leprosos disseram em alta voz – «Jesus, Mestre, tem compaixão de nós». Jesus simplesmente lhes diz: «Ide mostrar-vos aos sacerdotes». Jesus não precisa de levantar voz, está perto. Levantamos a voz quando estamos distantes, fisicamente, ou quando os nossos corações estão afastados.
       A ordem de Jesus implica os próprios. O milagre acontece quando se colocam a caminhar. O movimento faz-nos bem. Ensimesmados adoecemos, ficamos raquíticos. Já bem basta quem tem mobilidade reduzida. Mexamo-nos pela nossa saúde. Vamos ao encontro dos outros. Prefiro uma Igreja acidentada por sair, que uma Igreja doente, com mofo, estagnada por não sair. São palavras bem conhecidas do Papa Francisco.

       3 – Quando se põem a caminho, os 10 leprosos ficam curados. Como reagem? "Um deles, ao ver-se curado, voltou atrás, glorificando a Deus em alta voz, e prostrou-se de rosto em terra aos pés de Jesus, para Lhe agradecer. Era um samaritano".
       Samaritanos e judeus/galileus não se davam (três regiões distintas, a mesma origem religiosa). É, contudo, um samaritano que regressa, louva a Deus e agradece a Jesus. Talvez não considere que Jesus seja Deus, mas reconhece que Deus Se manifestou através de Jesus. O dom que recebeu leva-o à precedência, à origem da dádiva.
       A reação de Jesus é instintiva, imediata, espontânea: «Não foram dez os que ficaram curados? Onde estão os outros nove? Não se encontrou quem voltasse para dar glória a Deus senão este estrangeiro?». E disse ao homem: «Levanta-te e segue o teu caminho; a tua fé te salvou».
       Quando Jesus intervém com a Sua palavra e ordenando que se ponham a caminho, sabendo o que vai acontecer não foi com o objetivo de ser reconhecido ou aclamado, mas até Deus espera uma resposta. O Seu amor é gratuito, sem reservas nem condições prévias. Mas como lembrava Bento XVI, Deus ao criar-nos por amor, voltando-Se para nós com o Seu olhar misericordioso, enviando mensageiros para nos falarem da fidelidade de Deus e do Seu amor por nós, ao dar-nos Jesus Cristo, espera uma resposta da nossa parte. Dá-nos a liberdade inteira de Lhe virarmos as costas, de O negarmos, de nos mantermos longe d'Ele, mas ao amar-nos, envolve-nos e desafia-nos a uma resposta (positiva).
       Por outro lado, uma das maiores injustiças é a ingratidão. Significa que a pessoa se apossou do dom recebido, é uma usurpação do benefício, um fechamento ao outro e a tudo o que o outro pode dar-nos, enriquecendo-nos. No caso, a ingratidão é para com Deus. É o pecado de Adão e Eva. O que foi dado a todos, como graça, como dom, é escondido, é remetido para o privado. A conversão passa pela gratidão. E também a salvação. Reconhecer-se a caminho. Acolher e agradecer as graças de Deus. Fazer com que o dom possa ser testemunhado, comunicado, partilhado com os outros, em comunidade.

       4 – Na primeira leitura encontramos uma situação similar, lembrando a habitual afinidade entre a primeira leitura e o Evangelho. O general sírio Naamã, obedecendo à ordem de Eliseu, mergulha por sete vezes no rio Jordão e fica curado. Ao ficar curado, volta junto de Eliseu para lhe agradecer. «Agora reconheço que em toda a terra não há outro Deus senão o de Israel. Peço-te que aceites um presente deste teu servo».
       Também Naamã é um homem estrangeiro. Não importa a origem ou o ponto de partida, importante mesmo é a postura que assumimos diante de Deus e dos outros. O Papa Francisco lembra-nos como as três palavrinhas podem modificar o nosso relacionamento em família e em sociedade: "desculpa", "com licença", "obrigado". A gratidão dispõe-nos para os outros.
       Da parte de Eliseu, a humildade, reconhecendo que é para Deus que deve ir o louvor e a gratidão: «Pela vida do Senhor que eu sirvo, nada aceitarei».
       Na continuação do texto vê-se que, apesar da recusa de Eliseu, o sírio Naamã tem um gesto de simpatia, doando uma porção de terra para a construção de um altar em honra do Deus de Israel, partilhando também alguns alimentos com Eliseu.

       5 – A oração de coleta, que nos dispõe à escuta da Palavra de Deus e à partilha do Pão da Eucaristia, interpela-nos a acolhermos a graça de Deus com o compromisso de a colocarmos em marcha, concretizando-a na nossa vida e na relação com os outros. "Nós Vos pedimos, Senhor, que a vossa graça preceda e acompanhe sempre as nossas ações e nos torne cada vez mais atentos à prática das boas obras".

       6 – Na segunda leitura continuamos a escutar as palavras de São Paulo a Timóteo, com as recomendações para que também ele seja imitador de Jesus Cristo.
       O Apóstolo relembra a salvação com que Cristo nos salvou, pela Sua entrega, Paixão e morte, pela Ressurreição com que nos uniu conSigo à eternidade de Deus. Paulo está preso mas isso não é motivo de desespero ou de desistência. Pelo contrário, é oportunidade de glorificar a Deus e testemunhar a sua fidelidade a Cristo, transparecendo-O também nessas circunstâncias.
       Como responder ao amor de Deus por nós, visualizável de forma sublime na morte e ressurreição de Jesus? Paulo aponta o caminho: "Se morremos com Cristo, também com Ele viveremos; se sofremos com Cristo, também com Ele reinaremos; se O negarmos, também Ele nos negará; se Lhe formos infiéis, Ele permanece fiel, porque não pode negar-Se a Si mesmo".
       Fidelidade. Testemunho. Transparência. D. António Couto, a abrir a Carta Pastoral para o novo ano pastoral 2016-2017, na Diocese de Lamego, insiste: "Todo o discípulo missionário, enquanto testemunha e anunciador do Evangelho, não pode ser um simples animador ou monitor, mas transparência ou testemunha fiel da presença viva e operante do próprio Senhor no meio da comunidade".

Pe. Manuel Gonçalves



Textos para a Eucaristia (C): 2 Reis 5, 14-17; Sl 97 (98); 2 Tim 2, 8-13; Lc 17, 11-19.

terça-feira, 4 de outubro de 2016

Catequese de Bento XVI sobre São Francisco de Assis


Queridos irmãos e irmãs,

Numa catequese recente, já ilustrei o papel providencial que a Ordem dos Frades Menores e a Ordem dos Padres Pregadores, fundadas respectivamente por São Francisco de Assis e por São Domingos de Gusmão, tiveram na renovação da Igreja do seu tempo. Hoje gostaria de vos apresentar a figura de Francisco, um autêntico "gigante" da santidade, que continua a fascinar muitíssimas pessoas de todas as idades e religiões.

"Nasceu no mundo um sol". Com estas palavras, na Divina Comédia (Paraíso, Canto XI), o sumo poeta italiano Dante Alighieri alude ao nascimento de Francisco, ocorrido entre o final de 1181 e o início de 1182, em Assis. Pertencente a uma família rica – o pai era comerciante de tecidos –Francisco transcorreu uma adolescência e uma juventude tranquilas, cultivando os ideais cavalheirescos da época. Com vinte anos participou numa campanha militar, e foi aprisionado. Adoeceu e foi libertado. Depois do regresso a Assis, começou nele um lento processo de conversão espiritual, que o levou a abandonar gradualmente o estilo de vida mundano, que tinha praticado até então. Remontam a esta época os célebres episódios do encontro com o leproso, ao qual Francisco, descendo do cavalo, deu o ósculo da paz, e da mensagem do Crucifixo na pequena Igreja de São Damião. Três vezes Cristo na Cruz se animou, e disse-lhe: "Vai, Francisco, e repara a minha Igreja em ruínas". Este simples acontecimento da palavra do Senhor ouvida na igreja de São Damião esconde um simbolismo profundo. Imediatamente São Francisco é chamado a reparar esta pequena igreja, mas o estado de ruínas deste edifício é símbolo da situação dramática e preocupante da própria Igreja naquele tempo, com uma fé superficial que não forma e não transforma a vida, com um clero pouco zeloso, com o refrear-se do amor; uma destruição interior da Igreja que implica também uma decomposição da unidade, com o nascimento de movimentos heréticos. Contudo, no centro desta Igreja em ruínas está o Crucifixo e fala: chama à renovação, chama Francisco a um trabalho manual para reparar concretamente a pequena igreja de São Damião, símbolo da chamada mais profunda a renovar a própria Igreja de Cristo, com a sua radicalidade de fé e com o seu entusiasmo de amor a Cristo. Este acontecimento, que aconteceu provavelmente em 1205, faz pensar noutro evento semelhante que se verificou em 1207: o sonho do Papa Inocêncio III. Ele vê em sonhos que a Basílica de São João de Latrão, a igreja-mãe de todas as igrejas, está a desabar e um religioso pequeno e insignificante ampara com os seus ombros a igreja para que não caia. É interessante notar, por um lado, que não é o Papa quem dá ajuda para que a igreja não desabe, mas um religioso pequeno e insignificante, que o Papa reconhece em Francisco que o visita. Inocêncio III era um Papa poderoso, de grande cultura teológica, assim como de grande poder político, contudo não é ele quem renova a Igreja, mas um religioso pequeno e insignificante: é São Francisco, chamado por Deus. Por outro lado, é importante observar que São Francisco não renova a Igreja sem ou contra o Papa, mas em comunhão com ele. As duas realidades caminham juntas: o Sucessor de Pedro, os Bispos, a Igreja fundada na sucessão dos Apóstolos e o carisma novo que o Espírito Santo cria neste momento para renovar a Igreja. Ao mesmo tempo, cresce a verdadeira renovação.

Voltemos à vida de São Francisco. Dado que o pai Bernardone lhe reprovava a demasiada generosidade para com os pobres, Francisco, diante do Bispo de Assis, com um gesto simbólico despojou-se das suas roupas, com a intenção de renunciar assim à herança paterna: como no momento da criação, Francisco nada possui, mas só a vida que Deus lhe doou, em cujas mãos ele se entrega. Depois, viveu como um eremita, até quando, em 1208, teve lugar outro acontecimento fundamental no itinerário da sua conversão. Ouvindo um trecho do Evangelho de Mateus – o sermão de Jesus aos Apóstolos enviados em missão – Francisco sentiu-se chamado a viver na pobreza e a dedicar-se à pregação. Outros companheiros se uniram a ele, e em 1209 veio a Roma, para submeter ao Papa Inocêncio III o projecto de uma nova forma de vida cristã. Recebeu um acolhimento paterno daquele grande Pontífice que, iluminado pelo Senhor, intuiu a origem divina do movimento suscitado por Francisco. O Pobrezinho de Assis tinha compreendido que cada carisma doado pelo Espírito Santo deve ser colocado ao serviço do Corpo de Cristo, que é a Igreja; portanto agiu sempre em plena comunhão com a autoridade eclesiástica. Na vida dos santos não há contraste entre carisma profético e carisma de governo e, se surge alguma tensão, eles sabem esperar com paciência os tempos do Espírito Santo.

Na realidade, alguns historiadores no século XIX e também no século passado procuraram criar por detrás do Francisco da tradição, um chamado Francisco histórico, assim como se procura criar por detrás do Jesus dos Evangelhos, um chamado Jesus histórico. Este Francisco histórico não teria sido um homem de Igreja, mas um homem relacionado imediatamente só com Cristo, um homem que queria criar uma renovação do povo de Deus, sem formas canónicas nem hierarquia. A verdade é que São Francisco teve realmente uma relação muito imediata com Jesus e com a palavra de Deus, que queria seguir sine glossa, tal qual é, em toda a sua radicalidade e verdade. É também verdade que inicialmente ele não tinha a intenção de criar uma Ordem com as formas canónicas necessárias mas, simplesmente, com a palavra de Deus e com a presença do Senhor, ele desejava renovar o povo de Deus, convocá-lo de novo para a escuta da palavra e para a obediência verbal com Cristo. Além disso, sabia que Cristo nunca é "meu", mas é sempre "nosso", que não posso tê-lo "eu" e reconstruir "eu" contra a Igreja, a sua vontade e o seu ensinamento, mas só na comunhão da Igreja construída sobre a sucessão dos Apóstolos é que se renova também a obediência à palavra de Deus.

É também verdade que não tinha a intenção de criar uma nova ordem, mas apenas de renovar o povo de Deus para o Senhor que vem. Mas compreendeu com sofrimento e dor que tudo deve ter a sua ordem, que também o direito da Igreja é necessário para dar forma à renovação e assim inseriu-se realmente de modo total, com o coração, na comunhão da Igreja, com o Papa e com os Bispos. Sabia sempre que o centro da Igreja é a Eucaristia, na qual o Corpo de Cristo e o seu Sangue se tornam presentes. Através do Sacerdócio, a Eucaristia é a Igreja. Onde caminham juntos Sacerdócio de Cristo e comunhão da Igreja, então ali habita também a palavra de Deus. O verdadeiro Francisco histórico é o Francisco da Igreja e precisamente deste modo fala também aos não-crentes, aos fiéis de outras confissões e religiões.

Francisco e os seus frades, cada vez mais numerosos, estabeleceram-se na Porciúncula, ou igreja de Santa Maria dos Anjos, lugar sagrado por excelência da espiritualidade franciscana. Também Clara, uma jovem de Assis, de família nobre, se pôs na escola de Francisco. Assim, teve origem a Segunda Ordem franciscana, a das Clarissas, outra experiência destinada a dar frutos insignes de santidade na Igreja.

Também o sucessor de Inocêncio III, Papa Honório III, com a sua bula Cum dilecti de 1218 apoiou o singular desenvolvimento dos primeiros Frades Menores, que iam abrindo as suas missões em diversos países da Europa, e até em Marrocos. Em 1219 Francisco obteve a autorização para ir falar, no Egipto, com o sultão muçulmano Melek-el-Kamel, para pregar também ali o Evangelho de Jesus. Desejo ressaltar este episódio da vida de São Francisco, que tem uma grande actualidade. Numa época na qual se estava a verificar um confronto entre o Cristianismo e o Islão, Francisco, intencionalmente armado só com a sua fé e com a sua mansidão pessoal, percorreu com eficácia o caminho do diálogo. As crónicas falam-nos de um acolhimento benévolo e cordial recebido do sultão muçulmano. É um modelo no qual também hoje se deveriam inspirar as relações entre cristãos e muçulmanos: promover um diálogo na verdade, no respeito recíproco e na compreensão mútua (cf. Nostra aetate, 3). Parece depois que em 1220 Francisco visitou a Terra Santa, lançando assim uma semente, que teria dado muito fruto: de facto, os seus filhos espirituais fizeram dos Lugares nos quais Jesus viveu um âmbito privilegiado da sua missão. Com gratidão penso hoje nos grandes méritos da Custódia franciscana da Terra Santa.
Tendo regressado à Itália, Francisco entregou o governo da Ordem ao seu vigário, frei Pedro Cattani, enquanto o Papa confiou à protecção do Cardeal Ugolino, futuro Sumo Pontífice Gregório IX, a Ordem, que contava cada vez mais adeptos. Por seu lado o Fundador, totalmente dedicado à pregação que desempenhava com grande sucesso, redigiu uma Regra, depois aprovada pelo Papa.

Em 1224, na ermida de La Verna, Francisco vê o Crucificado na forma de um serafim e do encontro com o serafim crucificado, recebeu os estigmas; ele torna-se assim um com Cristo crucificado: um dom que expressa a sua íntima identificação com o Senhor.
A morte de Francisco – o seu transitus – aconteceu na noite de 3 de Outubro de 1226, na Porciúncula.

Depois de ter abençoado os seus filhos espirituais, ele faleceu, estendido no chão nu. Dois anos mais tarde, foi construída em sua honra uma grande basílica em Assis, que ainda hoje é meta de muitíssimos peregrinos, que podem venerar o túmulo do santo e gozar da visão dos afrescos de Giotto, pintor que ilustrou de modo magnífico a vida de Francisco.

Foi dito que Francisco representa um alter Christus, que era verdadeiramente um ícone vivo de Cristo. Ele foi chamado também "o irmão de Jesus". De facto, era este o seu ideal: ser como Jesus; contemplar o Cristo do Evangelho, amá-lo intensamente, imitar as suas virtudes. Em particular, ele quis dar um valor fundamental à pobreza interior e exterior, ensinando-a também aos filhos espirituais. A primeira bem-aventurança do Sermão da Montanha – bem-aventurados os pobres de espírito, porque deles é o reino dos céus (Mt 5, 3) – encontrou uma luminosa realização na vida e nas palavras de São Francisco. Deveras, queridos amigos, os santos são os melhores intérpretes da Bíblia; eles, encarnando na sua vida a Palavra de Deus, tornam-na atraente como nunca, de modo que fala realmente connosco. O testemunho de Francisco, que amou a pobreza para seguir Cristo com dedicação e liberdade totais, continua a ser também para nós um convite a cultivar a pobreza interior para crescer na confiança em Deus, unindo também um estilo de vida sóbrio e um desapego dos bens materiais.

Em Francisco o amor a Cristo expressou-se de modo especial na adoração do Santíssimo Sacramento da Eucaristia. Nas Fontes franciscanas lêem-se expressões comovedoras, como esta: "Toda a humanidade tema, o universo inteiro trema e o céu exulte, quando no altar, na mão do sacerdote, está Cristo, o Filho do Deus vivo. Ó favor maravilhoso! Ó sublimidade humilde, que o Senhor do universo, Deus e Filho de Deus, a tal ponto se humilhe que se esconda para a nossa salvação, sob uma modesta forma de pão" (Francisco de Assis, Escritos, Editrici Franciscane, Pádua 2002, 401).

Neste ano sacerdotal, apraz-me recordar também uma recomendação dirigida por Francisco aos sacerdotes: "Quando quiserem celebrar a Missa, puros de modo puro, façam com reverência o verdadeiro sacrifício do santíssimo Corpo e Sangue de Nosso Senhor Jesus Cristo" (Francisco de Assis, Escritos, 399). Francisco mostrava sempre uma grande deferência em relação aos sacerdotes, e recomendava que fossem sempre respeitados, também no caso de serem pessoalmente pouco dignos. Dava como motivação deste profundo respeito o facto de que eles receberam o dom de consagrar a Eucaristia. Queridos irmãos no sacerdócio, nunca esqueçamos este ensinamento: a santidade da Eucaristia pede que sejamos puros, que vivamos de modo coerente com o Mistério que celebramos.

Do amor a Cristo nasce o amor às pessoas e também a todas as criaturas de Deus. Eis outra característica da espiritualidade de Francisco: o sentido da fraternidade universal e o amor pela criação, que lhe inspirou o célebre Cântico das criaturas. É uma mensagem muito atual. Como recordei na minha recente Encíclica Caritas in veritate, só é sustentável um desenvolvimento que respeite a criação e que não danifique o meio ambiente (cf. nn. 48-52) e na Mensagem para o Dia Mundial da Paz deste ano ressaltei que também a construção de uma paz sólida está relacionada com o respeito da criação. Francisco recorda-nos que na criação se manifesta a sabedoria e a benevolência do Criador. A natureza é entendida por ele precisamente como uma linguagem na qual Deus fala connosco, na qual a realidade se torna transparente e nós podemos falar de e com Deus.

Queridos amigos, Francisco foi um grande santo e um homem jubiloso. A sua simplicidade, a sua humildade, a sua fé, o seu amor a Cristo, a sua bondade para cada homem e mulher fizeram-no feliz em todas as situações. De facto, entre a santidade e a alegria subsiste uma relação íntima e indissolúvel. Um escritor francês disse que no mundo só existe uma tristeza: a de não ser santo, isto é, de não estar próximo de Deus. Olhando para o testemunho de São Francisco, compreendemos que é este o segredo da verdadeira felicidade: tornar-nos santos, próximos de Deus!

Que a Virgem, ternamente amada por Francisco, nos obtenha este dom. Confiemo-nos a ela com as mesmas palavras do Pobrezinho de Assis: "Santa Maria Virgem, não existe outra semelhante a ti nascida no mundo entre as mulheres, filha e escrava do altíssimo Rei e Pai celeste, Mãe do nosso santíssimo Senhor Jesus Cristo, esposa do Espírito Santo: interceda por nós... junto do teu santíssimo e dilecto Filho, Senhor e Mestre" (Francisco de Assis, Escritos, 163).

domingo, 2 de outubro de 2016

Carta Pastoral de D. António Couto | 2016-2017


IDE POR TODO O MUNDO
E ANUNCIAI O EVANGELHO A TODA A CRIATURA

«A Igreja não cresce por proselitismo, mas por atração: por atração maternal, por esta oferta de maternidade; cresce por ternura, por maternidade, pelo testemunho que gera sempre novos filhos» (Papa Francisco)[1].

Não animador ou monitor, mas transparência ou testemunha fiel de Jesus Cristo

1. Todo o discípulo missionário, enquanto testemunha e anunciador do Evangelho, não pode ser um simples animador ou monitor, mas transparência ou testemunha fiel da presença viva e operante do próprio Senhor no meio da comunidade. O discípulo missionário só tem autoridade na medida em que é fiel a Cristo e como Ele obediente, nada dizendo ou fazendo por sua conta e risco ou a seu-bel-prazer. A vida do discípulo missionário não é da ordem da criatividade, mas da fidelidade. Só pode dizer e fazer aquilo que, por graça, lhe foi dado ouvir, aquilo que, por graça, lhe foi dado ver fazer. O discípulo missionário é então também um contemplativo. É aqui que voltamos outra vez à configuração do discípulo missionário com Cristo e à sua transfiguração em Cristo e por Cristo. O discípulo missionário não é, portanto, aquele que vai apenas, com o relógio, o mapa e a caixa de primeiros socorros na mão, em auxílio de alguém. O discípulo missionário tem de passar do tempo do relógio e do mero auxílio para o dom total de si. A tempo inteiro e corpo inteiro. Missionário é aquele que, como Jesus e à maneira de Jesus, põe em jogo a própria vida, e não simplesmente as coisas ou os adereços. Tudo, e não apenas o supérfluo. Sempre, e não apenas um segmento de tempo. Em toda a parte, e não apenas na sua rua.
Missão «total»: todos, tudo, sempre, em toda a parte
2. Vale a pena começar por receber um extrato do chamado «segundo final» de Marcos, onde aparece inserida a frase que nos indica o caminho para o ano pastoral de 2016-2017:

«16,14Em último lugar fez-se ver aos Onze, enquanto estavam à mesa, e reprovou a sua incredulidade e dureza de coração, porque não acreditaram naqueles que o tinham visto ressuscitado. 15E disse-lhes: “Indo por todo o mundo, anunciai o Evangelho a toda a criatura”. 16Quem acreditar e for batizado, será salvo, mas quem não acreditar, será condenado. 17São estes os sinais que acompanharão os que acreditarem: no meu nome, expulsarão demónios, falarão línguas novas, 18e, se pegarem em cobras nas mãos e beberem veneno mortal, não lhes fará mal; imporão as mãos aos doentes, e ficarão bem.
19O Senhor Jesus, depois de ter falado com eles, foi elevado ao céu, e sentou-se à direita de Deus. 20Eles, então, tendo saído, anunciaram o Evangelho por toda a parte, enquanto o Senhor cooperava e confirmava a Palavra com os sinais que a acompanhavam» (Marcos 16,14-20).

3. Trata-se da última página do Evangelho de Marcos, certamente tardia, talvez do séc. II, mas grandiosa e imponente, e cheia de referências significativas para a vida cristã de qualquer tempo e lugar. Esta página fecha o Evangelho de Marcos, condensa-o e encerra-o numa grande inclusão literária e teológica através dos termos «anunciar», «acreditar» e «Evangelho», usados a abrir o Evangelho (1,14-15) e a fechar o Evangelho (16,15-16). Mas o anúncio do Evangelho a toda a criatura (16,15) reclama também o início da Escritura, a página da Criação, com o ser humano a receber de Deus o mandato de dominar a criação inteira (Génesis 1,26 e 28). É ainda nesse sentido de inclusão literária e teológica com a Criação, que as cobras, uma das quais dominou então o ser humano (Génesis 3,1-5), são agora dominadas (16,18), do mesmo modo que é o bem (kalôs), em vez da cura, que agora se estabelece sobre os doentes (16,18). Outra vez o eco intertextual da Criação, onde, no texto grego dos LXX, o bem, bom e belo (kalós) impregna por completo a Criação inteira, atravessando-a por oito vezes (Génesis 1,4.8.10.12.18.21.25.31 LXX). No texto hebraico, é por sete vezes que soa esta nota com o termo tôb, que passa o mesmo significado de bem, bom e belo (Génesis 1,4.10.12.18.21.25.31). O «Senhor Jesus» (16,19), única menção em todos os Evangelhos, enche a cena, quer para recriminar a nossa incredulidade e dureza de coração (16,14), quer para continuar a manifestar a sua confiança em nós, dado que, não obstante a nossa incredulidade, e, talvez por isso mesmo, insiste em enviar-nos e acompanhar-nos na missão «total» do Evangelho que agora nos confia (16,15 e 20). Cai aqui por terra uma certa retórica de santidade, que falsamente defende que só os santos são idóneos para a missão de anunciar o Evangelho! E ganham espaço os que fracassaram, como os Onze e nós com eles e como eles, que anunciam a Ressurreição de Jesus, que continua vivo e atuante no meio de nós, e a prova somos nós, pois Ele mudou a nossa vida de fracassados e desistentes para testemunhas fiéis e transparentes! E esta mudança operada em nós tem de fazer parte do relato que fazemos do Evangelho.

4. Cinco temas enchem a página, o pátio, o átrio sempre entreaberto do Evangelho: 1) a autoridade soberana e nova de Jesus assente, não na distância e tirania, mas na proximidade e familiaridade; 2) a missão total a nós confiada; 3) o mundo novo e bom, sadio e otimizado que brota da prática do Evangelho; 4) o envolvimento de todos; 5) a Presença nova e sempre ativa e comprometida do Ressuscitado connosco.

4.1. A soberania nova, próxima e familiar de Jesus fica registada no facto de toda a operação ser realizada no «nome de Jesus» (16,17), mediante envio seu (16,15), com a sua Presença cooperante (synergéô) (16,20) e confirmante (bebaióô) (16,20), o mesmo verbo da Confirmação sacramental (bebaíôsis). Etimologicamente, deriva do verbo baínô, que significa «caminhar», e supõe terreno firme e sólido (bébaios) sobre o qual se pode caminhar com destreza e segurança. É esta destreza e solidez que a Confirmação confere aos confirmados. Sem esquecer nunca que firmeza e solidez, em chão bíblico, remetem sempre para fidelidade e confiança no domínio interpessoal. A não esquecer também, neste contexto, que só um verdadeiro soberano confia a sua história e a sua missão a gente como nós, que só deu até agora sinais de fraqueza e de pouca ou nula fiabilidade. Um grande tema bíblico desde a Criação: a omnipotência de Deus como que limitada pela nossa liberdade, concedendo-nos aqui a imensa dignidade de partilhar connosco a sua autoridade, deixando também nas nossas mãos a capacidade de fazer surgir um mundo novo, cheio de bem, de bondade e de beleza.

4.2. Esta missão total, que deve envolver «todos, tudo e sempre» (Bento XVI, Mensagem para o 85.º Dia Missionário Mundial 2011), é retratada com tinta excecional em Marcos, ao usar as expressões «indo por todo o mundo» (16,15), «anunciai o Evangelho a toda a criatura» (16,15), e «tendo saído, anunciaram por toda a parte» (16,20). É a missão total, e não por etapas. Jesus não recomenda: «a começar pela rua tal, ou pela cidade tal…». Portanto, esta missão total também não é para levar a cabo ao sabor das emergências (ver a decisão de Jesus em Marcos 1,38-39; Lucas 4,42-43). A ventania do Pentecostes ou o vento suavíssimo do Espírito deve levar alento a toda a criatura, da mesma forma que a semente do Evangelho é para ser lançada por toda a parte, em todo o tipo de terreno, como na parábola do semeador, sem qualquer estudo prévio de rentabilidade.

Pensar, querer, ver, falar, fazer bem, belo e bom
4.3. Mundo novo e bom, salvo, sadio e saudável, otimizado, sem forças demoníacas e sem ponta de veneno. Esta ligação e eco intertextual das narrativas da Criação faz ver a missão como nova criação, em que o homem, finalmente transparência do Deus criador e senhor, sem raivas nem ódios, ciúmes e violências, «domina» a terra e os animais, isto é, estabelece a mansidão, a doçura da palavra e a harmonia sobre a terra (Génesis 1,26-31). Até a cobra perde a astúcia e o veneno mortal que ostenta em Génesis 3,1-5, e mostra-se mansa e sujeita ao domínio das mãos do homem. À luz da missão salutar e salvadora, nenhuma criatura é portadora de veneno (cf. Sabedoria 1,14), e a doença é vencida pela bênção que sai das mãos e do coração do missionário, outra vez à imagem de Deus, que enche este mundo de bem (kalôs LXX) (16,18), que é uma nota que atravessa o texto da Criação, vincando ainda mais a inclusão literária e teológica já atrás acenada. Note-se que, em vez da presença do bem, em situação de doença, seria de esperar, não o advérbio bem (kalôs), mas o verbo curar, que se usa habitualmente em situações idênticas, dito com o verbo therapeúô (cf. Mateus 4,24; 8,16; 10,1.8; Marcos 1,34; 3,10; 6,13; Lucas 4,40; 6,18b; 9,1.6) ou iáomai (Marcos 5,29; Lucas 6,18a.19; 9,2). De notar que a nossa Eucaristia, que é com certeza a mais alta forma de oração, catequese e evangelização, assenta as suas raízes mais fundas na bênção e em bendizer, sendo a sua expressão mais antiga «O cálice da bênção que bendizemos» (1 Coríntios 10,16). Celebrar a Eucaristia é, pois, sempre um grande exercício de «bendizer», isto é, de dizer bem, e não mal, e implica mudar a nossa vida toda da clave do mal para a clave do bem. O mal divide. O bem une. Levar uma comunidade a celebrar a Eucaristia é sempre transmitir aos seus membros uma nova cultura. Não de maledicência, mas de aprendermos a pensar, querer, ver, falar e fazer bem, belo e bom, que é a fonte da comunhão.

4.4. Nós já sabemos, são muitos os documentos a dizê-lo, que esta missão do anúncio do Evangelho de Jesus compete a todos. É por natureza que a Igreja é missionária, diz-nos a Decreto Conciliar Ad gentes, n.º 2, e «evangelizar constitui, de facto, a graça e a vocação própria da Igreja, a sua identidade mais profunda», insiste Paulo VI, na feliz Exortação Apostólica Evangelii nuntiandi [1975], n.º 14. Por isso, «a pregação do Evangelho não é para a Igreja um contributo facultativo, mas um dever que lhe incumbe» (Paulo VI, Evangelii nuntiandi, n.º 5; Bento XVI, Mensagem para o Dia Missionário Mundial, 2012. É a maneira de ser da Igreja, e é a nossa maneira de ser, dado que é a sua e a nossa identidade, vocação e graça. Mas de entre todos os Evangelhos, só esta página seleta de Marcos diz expressamente que os belos e maravilhosos «sinais» que acompanham o anúncio do Evangelho são realizados por todos os que acreditam (Marcos 16,17-18). Esta extraordinária «democratização» das maravilhas operadas por Deus por intermédio de todos os que acreditam serve para datar este texto do século II. No século I, estes prodígios estavam confinados aos Apóstolos, e, a partir do século III, será o clero o seu proprietário. Magnífico texto este, que põe todo o povo de Deus a realizar maravilhas! Portanto, queridos irmãos e irmãs, sede o que sois, sempre e em toda a parte, e não deixeis por mãos e corações alheios, as maravilhas do Evangelho que Deus vos dá para vós realizardes! É este o combustível do «Evangelho da alegria», que Deus deposita largamente no coração de todos os seus filhos e filhas, para consolação nossa e de todos os nossos irmãos e irmãs.

4.5. Chegados aqui, à última página do Evangelho de Marcos, ainda podemos verificar dois gestos opostos e significativos. Jesus terminou o seu caminho, é elevado ao céu, e senta-se à direita de Deus (16,19), sinal de preeminência e de bênção. E os discípulos de Jesus, que têm agora o mundo inteiro pela frente, levantam-se, saem, e anunciam o Evangelho (16,20). «Sair», hebraico yatsa՚, é o verbo clássico do êxodo, mas é também, de forma muito significativa, o verbo do nascimento. «Sair de si» é um dos dinamismos mais poderosos do Evangelho, que o Papa Francisco lembrou e pediu à Igreja (Evangelii gaudium [2013], n.os 20.23.27.97.259.261. A Evangelização, que implica este dinamismo, continua a ser a tarefa central e sempre nova dos discípulos de Jesus de todos os tempos. «A Igreja existe para evangelizar» (Evangelii nuntiandi [1975], n.º 14). Fica ainda claro que a Ascensão de Jesus não o retira do nosso convívio, pois Ele continua connosco, cooperando e confirmando a missão da Evangelização que nos confiou.

Encontrar Jesus: sem Ele, todos os caminhos estão fechados
5. Aquando da escolha de Matias para «a diaconia (ou serviço) do apostolado» abandonada por Judas (Atos 1,25), Pedro pronuncia estas palavras indicativas:

«1,21É necessário, pois, que, dos homens que vieram connosco durante todo o tempo em que entrou e saiu à nossa frente o Senhor Jesus, 22tendo começado desde o Batismo de João até ao dia em que Ele foi arrebatado diante de nós, um destes se torne connosco testemunha da sua Ressurreição» (Atos 1,21-22).

Nas palavras de Pedro, «o serviço do apostolado», que consiste em tornar-se testemunha transparente e credível da Ressurreição do Senhor Jesus, requer, de todos aqueles que a ele se venham a dedicar, três condições fundamentais: 1) ter feito todo o caminho connosco, e sempre atrás do Senhor Jesus; 2) atrás do Senhor Jesus traduz a atitude do discípulo: sempre com o Mestre; nunca, porém, à frente do Mestre, mas seguindo-O sempre de perto no caminho; 3) o caminho tem um começo e um termo assinalados, sempre com referência ao Senhor Jesus: desde o Batismo até ao dia da Ascensão diante de nós. Bem assimiladas estas palavras de Pedro, é fácil compreender que é a familiaridade com Jesus que faz dos discípulos de ontem e de hoje mensageiros autênticos. Portanto, também hoje, os verdadeiros mensageiros do Evangelho serão aqueles a quem foi dada a graça de construir uma verdadeira familiaridade com Jesus, que chama aqueles que Ele quer, que os faz (verbo de criação), para estarem com Ele, e os enviar a anunciar o Evangelho (cf. Marcos 3,13-14).

6. Bem nos recordou o Papa Bento XVI, em missão Apostólica entre nós em maio de 2010, na homilia proferida no Porto (14 de maio): «Tudo se define a partir de Cristo, quanto à origem e à eficácia da missão». E deixou este desabafo: «Quanto tempo perdido, quanto trabalho adiado, por inadvertência deste ponto!». Uma vez encontrados por Cristo, não nos podemos mais desencontrar, pois é Ele que as pessoas nos pedem (cf. João 12,21), e, sem Ele, nada podemos fazer (cf. João 15,5). Temos mesmo de o procurar até o encontrar (cf. Lucas 2,44-46). Mas também Ele vem à nossa procura junto ao poço de Jacob (cf. João 4,1-42), ou nos caminhos de Emaús (cf. Lucas 24,13-35), ou de Damasco (Atos 9,1-19; 22,1-21; 26,2-23; Filipenses 3,12), ou quando estamos descrentes e acomodados (cf. Marcos 16,14-20). Recolhendo outra vez o bom ensinamento de Bento XVI, secundado por Francisco, é necessário compreender bem, compreender até ao coração, que «no início do ser cristão, não há uma decisão ética ou uma grande ideia, mas o encontro com um acontecimento, com uma Pessoa que dá à vida um novo horizonte e, desta forma, o rumo decisivo» (Deus caritas est [2005], n.º 1; Evangelii gaudium [2013], n.º 7). Mas é preciso compreender também que este lume novo aceso por Jesus sobre a praia (cf. João 21,9), não é para o deixarmos apagar e reduzir a cinzas. É para transportar com carinho no coração ou na concha da mão, vivendo diariamente com este lume dentro, hitlahabut, como dizem os hebreus, com uma chama dentro. E depois, é preciso apegar a outros este lume. Ou, lembrando os bons ensinamentos de São João Paulo II: «Quem verdadeiramente encontrou Cristo, não pode guardá-l’O para si; tem de O anunciar» (Novo millennio ineunte [2001], n.º 40). E o Sínodo sobre a Nova Evangelização para a transmissão da fé cristã, realizado em outubro de 2012, veio reafirmar que a fé não se decide com a invenção, uso e divulgação de novas estratégias, mas «na relação que instauramos com a pessoa de Jesus» (cf. Lineamenta, n.º 2; Instrumentum laboris, n.º 39). Uma comunidade que seja capaz de mostrar o quanto se alimenta e é transformada pelo encontro com o Senhor Ressuscitado é o melhor lugar para comunicar a fé.

Saber Jesus com «um coração que vê»
7. São Paulo, que Bento XVI apontou como «o maior missionário de todos os tempos» (Mensagem para o 46.º Dia Mundial de Oração pelas Vocações, 2008), e Paulo VI propôs como «modelo de cada Evangelizador» (Evangelii nuntiandi [1975], n.º 79), confessa que, no início da sua vida nova de seguidor de Jesus Cristo, está o facto imprevisível e irresistível de ter sido agarrado (katelêmphthên) por Jesus Cristo (Filipenses 3,12). Foi assim, nesta luta desigual (katelêmphthên, aor. pass. de katalambáno, supõe uma luta), que Paulo chegou ao sublime conhecimento de Jesus Cristo, seu Senhor, e do que vale a pena fazer e desfazer na vida (Filipenses, 3,8). Dada a excelência do conhecimento novo que o tomou de assalto e o levou a mudar tudo na sua vida, Paulo confessa com convicção e ousadia: «Decidi não outra coisa saber (eidénai) entre vós senão Jesus Cristo, e este crucificado (estaurôménon: part. perf. pass. de stauróô)» (1 Cor 2,2). Em termos gramaticais, eidénai é o infinito perfeito do verbo oîda, raiz id-, que, pelo seu uso semântico, também significa «ver», o que implica que só se conhece ou sabe bem o que se vê. Trata-se, todavia, de um conhecimento novo e de uma visão nova. Não se trata tanto daquele trabalhoso processo de conhecimento, que é próprio da filosofia, e que o verbo ginôskô ilustra, mas tão-pouco deriva da simples visão ocular. Na verdade, não se vê apenas com os olhos. «Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível para os olhos», escreveu Saint-Exupéry. Há um conhecimento, um saber e uma visão mais profunda que envolve e impregna a pessoa toda e a vida toda. Corresponde talvez à expressão feliz «um coração que vê», usada por Bento XVI na Carta Encíclica Deus caritas est [2005], n.º 31, e deixa entender, à maneira do Papa Francisco, que «a fé não olha só para Jesus, mas leva-nos a ver do ponto de vista de Jesus, com os seus olhos: é uma participação na sua maneira de ver» (Carta Encíclica Lumen fidei [2013], n.º 18). Francisco volta a esta temática de «O olhar de Jesus», que tudo enche de beleza, na sua Carta Encíclica Laudato Si’ [2015], n.os 96-100.

8. Não se sabe, aprende e ensina Jesus, estabelecendo e cumprindo programas mais ou menos de cariz escolar. Não se aprende Jesus pelo caminho do «amor da sabedoria», mas pelo caminho da «sabedoria do amor». A ciência de Jesus é a sabedoria de um «amor crucificado», que mostra que, na base da minha existência nova, está Jesus que morreu por mim por amor, sem levar em conta os meus méritos, que os não tenho. Nem eu nem tu nem ninguém. Por isso é que, para Paulo, saber Jesus é saber Jesus crucificado por amor, isto é, na ação de dar a vida por amor, para sempre e para todos. Em Jesus, Paulo vê um amor novo, não apenas devido a um pequeno grupo de amigos, mas a todos, bons e maus, também aos inimigos. Este «amor crucificado», a todos devotado, é uma forma nova de viver, e rebenta as paredes dos nossos pequenos grupos de amigos, em que tantas vezes vivemos entrincheirados. A paróquia, que deve revestir-se desta nova fisionomia do amor, tem de ser uma comunidade acolhedora e aberta, «em saída». Vislumbra-se daqui a imagem da Igreja e da paróquia que o Papa João Paulo II belamente desenhou na preparação do Grande Jubileu do ano 2000, e que Bento XVI evocou em 2005: «Paróquia, procura-te a ti mesma e encontra-te a ti mesma fora de ti mesma». E o Papa Francisco não se cansa de repetir que «há duas imagens de Igreja: a Igreja evangelizadora, que sai de si mesma, e a Igreja mundana e autorreferencial, que vive em si, de si e para si».

Anunciar Jesus: uma necessidade que se me impõe
9. «Evangelizar não é para mim um título de glória, mas uma necessidade que se me impõe desde fora. Ai de mim se não Evangelizar!» (1 Coríntios 9,16). Portanto, no próprio dizer de Paulo, anunciar o Evangelho impõe-se-lhe, mais do que como uma paixão, como uma necessidade. Paulo anuncia convictamente a notícia da Ressurreição, e diz que o faz como se de uma necessidade se tratasse. E ilustra-o com o relato da sua vida. Mas porque é que este anúncio há de ser, para Paulo, uma necessidade? É uma necessidade porque Paulo considera o acontecimento da Páscoa de Jesus Cristo como único, singular e universal, que o afetou radicalmente na sua maneira de ser homem. A prova é que Paulo mudou tudo na sua vida. Mudou, ou foi mudado. É por isso que Paulo anuncia convictamente a força (dýnamis) de Cristo Crucificado e Ressuscitado (cf. Filipenses 3,10). Mas é ainda uma necessidade porque Paulo pressente que, se não anunciar o Evangelho, a sua vida se desmorona ou arruína, porque está construída sobre a areia e será facilmente arrastada por qualquer vendaval (cf. Mateus 7,26-27). É por isso que Paulo, quando contempla a riqueza de Cristo e do Evangelho, considera tudo o resto como lixo (Filipenses 3,8).

10. Já sabemos que a cultura de hoje não transmite a fé, mas a liberdade religiosa. Se há umas décadas atrás não se podia não ser cristão, hoje pode vir-se a sê-lo, mas ser cristão hoje já não é visto como necessário para alguém viver humanamente bem a sua vida. É por isso que voltamos às coordenadas de São Paulo, e precisamos urgentemente de passar de uma fé de mera convenção para uma fé de entranhada convicção, assente em pessoas e comunidades que sintam a necessidade de encontrar, saber e anunciar Jesus Cristo. Pessoas radicalmente afetadas por Jesus Cristo. Pessoas e comunidades que sintam Jesus Cristo desde as entranhas. No sentido deste único necessário, impõe-se que renovemos todas as coisas. Diz bem o Documento de Aparecida [2007] que «uma paróquia renovada multiplica as pessoas que realizam serviços e acrescenta os ministérios» (n.º 202), para que todos se sintam «fraternalmente acolhidos, valorizados, visíveis e eclesialmente incluídos», «membros de uma comunidade eclesial e corresponsáveis pelo seu desenvolvimento» (n.º 226), podendo dizer com alegria: «A Igreja é a nossa casa! Esta é a nossa casa!» (n.º 246).

11. Quer isto dizer, amados irmãos e irmãs, que, nas nossas paróquias, não pode haver cristãos, tipo «tanto se lhes dá como se lhes deu». Eu sei que há nas nossas paróquias catequistas, grupos corais, acólitos, leitores, grupos de jovens, ministros da comunhão, grupos sócio caritativos, zeladoras, sacristães, irmandades, associações diversas, movimentos diversos, conselhos para os assuntos económicos, conselhos pastorais... A todos deixo a minha gratidão. Mas também sei que há ainda muitos cristãos de convenção, ainda não radicalmente afetados por Jesus Cristo.

12. A listagem que fiz não pode servir para nos deixar descansados, porque já estamos inseridos em alguma missão. Nunca nos podemos esquecer de que, de acordo com o apelo do Papa Francisco, na Evangelii gaudium, «o objetivo destes processos participativos não há de ser principalmente a organização eclesial, mas o sonho missionário de chegar a todos» (n.º 31). A primeira palavra do lema da nossa Diocese para este Ano pastoral continua a ser: «IDE!».

Transforming Mission
13. Para isso, é preciso dar um colorido novo a tudo o que já existe. E é preciso que todos os que se dizem discípulos de Jesus Cristo, e que já frequentam as nossas paróquias, sejam transformados em verdadeiros Evangelizadores. É necessário que os grupos já existentes aumentem em quantidade e qualidade. É urgente fazer surgir novos grupos. Por exemplo, grupos de Evangelização, de acolhimento, de escuta, de oração, de visitação, de leitura, de estudo e reflexão, de caridade, escolas ou laboratórios de vivência e transmissão da fé.

14. A Evangelização é o nosso verdadeiro gerador de alegria e de energia. Ninguém pode ser apenas mero espectador ou recipiente do Evangelho. Esta atitude gera cansaço e desistência, falência a curto ou médio prazo. O Papa Francisco está outra vez cheio de razão quando escreve, na Exortação Apostólica Evangelii gaudium [2013] que é necessário «avançar no caminho de uma conversão pastoral e missionária, que não pode deixar as coisas como estão», e pede à Igreja que se coloque em «estado permanente de missão em todas as regiões da Terra» (n.º 25). E confia a cada um, um TPC, esclarecendo que «Há uma forma de pregação que nos compete a todos como tarefa diária: é cada um levar o Evangelho às pessoas com quem se encontra» (n.º 127). O anúncio do Evangelho, o anúncio essencial, o mais belo, o mais importante e o mais necessário (n.º 35), que soa «Este Jesus Cristo, crucificado e ressuscitado, é o único Salvador» (cf. Atos 2,23-24.32.36; 3,15-16; 4,10; 5,30-31; 10,39-40; 13,28-30; 17,31; 25,19), é «a primeira caridade» para o mundo (n.º 199; Novo millennio ineunte [2001], n.º 50), e nunca nos devemos esquecer que só «a caridade das obras garante uma força inequívoca à caridade das palavras» (Novo millennio ineunte, n.º 50). Se estamos perante o fundamental, então é necessário, como refere o Documento de Aparecida, que «Nenhuma comunidade se deve considerar isenta de entrar decididamente, com todas as forças, nos processos constantes de renovação missionária e de abandonar as estruturas ultrapassadas que já não favoreçam a transmissão da fé» (n.º 365).

15. Para esta experiência viva de missão, de oração e de alegria, convoco todos os diocesanos da nossa Diocese de Lamego: sacerdotes, diáconos, consagrados, consagradas, fiéis leigos, pais, mães, avôs, avós, famílias, jovens, crianças, catequistas, acólitos, leitores, agentes envolvidos na pastoral, membros dos movimentos de apostolado. A todos peço a graça de promoverem mais encontros de oração, reflexão, formação, perdão, partilha e amizade. Mais. Mais. Mais. A todos peço a dádiva de uma mão de mais amor a todos os irmãos e irmãs que experimentam dificuldades e tristezas, e também àqueles que junto de nós vierem procurar a esmola do refúgio. Mais. Mais. Mais. A todos peço que experimentemos a alegria de sairmos mais de nós ao encontro de todos, para juntos celebrarmos o grande amor que Deus tem por nós e sentirmos a alegria da sua misericórdia. Que cada um de nós sinta como sua primeira riqueza e dignidade a de ser filho de Deus com muitos irmãos à sua volta. E para todos imploro de Deus a sua bênção, e de Maria, no centenário das suas aparições em Fátima, a sua proteção carinhosa e maternal.


Dois mil e dezassete,
Ano da Graça, da Misericórdia e da Alegria,
Em que todos os caminhos vão dar a Fátima,
À Cova da Iria,
A Maria.

Titubeantes ou firmes,
À chuva e ao frio,
Vão os teus filhos,
Desfiando o rosário,
Como se fosse o abecedário
Das suas vidas doridas.

Vão ter contigo, Mãe,
Alívio das suas dores,
Atiram-te flores
Com gestos de ternura.
Sabem que acolhes com doçura
As suas preces tecidas de lã pura,
À mistura
Com uma lágrima de amor
Na despedida.

Abençoa, Senhora e Mãe querida,
Estes teus filhos e filhas,
E recolhe-os no manto
Branco
Das tuas maravilhas.

Lamego, 1 de outubro de 2016
+ António, vosso bispo e irmão



[1] Una Chiesa accogliente con le porte aperte. Discurso de abertura no Congresso pastoral da Diocese de Roma, in Avvenire, 18 de Junho de 2014, p. 16.