sábado, 12 de janeiro de 2013

Festa do Batismo do Senhor - 13 de janeiro

       1 – A água é um elemento fundamental para a vida vegetal, animal, humana. Sem água não há vida. Como o ar que respiramos, o sol que nos envolve, valorizamos mais a água quando é escassa ou está a faltar. Água para beber, para regar, para lavar, cozinhar, para as deslocações humanas, por rio e por mar, para desportos, para brincar, para curar; água para as piscinas, nas termas, na produção industrial, na agricultura, para a pesca, para a pecuária, para a higiene.
       Os produtos da terra, como as árvores de fruto, dependem da água. O ser humano adulto é constituído por 70% de água. E ao passo que caminha para a velhice tem necessidade de ingerir maior quantidade de água (líquidos) para repor a perda da água no organismo. A água é fundamental ao equilíbrio do corpo, à saúde.
       Numa perspetiva diferente, a água é um elemento destrutivo, nomeadamente nas cheias, ou grandes inundações. Ainda assim, e à semelhança do fogo, pode trazer vida nova. Depois da tempestade a bonança, nova vegetação, paisagem alterada. O ciclo da vida não para.
       Tendo consciência da importância da água na vida quotidiana, nas suas multifacetadas aplicações, facilmente se compreende a seu significado teológico em diversas religiões, como elemento de purificação espiritual, de renascimento, de vida nova, lavando a alma e eliminando o pecado. É comum ao cristianismo, judaísmo, islamismo, hinduísmo, e a muitas religiões (ou manifestações religiosas) naturalistas.
       2 – A liturgia batismal, na bênção da água, apresenta referências bíblicas nas quais a água está em clara evidência. No relato da criação, melhor, nos dois relatos da criação: Deus faz separar as águas da terra para que haja vida; Deus faz chover para que a vida germine da terra. O episódio sobejamente conhecido do Dilúvio, com Noé e a construção da Barca, sendo a água um elemento destruidor – a humanidade do pecado é submersa – e a mesma água suporta e salva a Arca com Noé e a sua família. A travessia do mar vermelho marca a condenação dos soldados egípcios que a água aniquila, que simbolicamente representam o mal agora levado pela água. A mesma travessia protege o povo eleito, que passa pela água para terra firme, com Moisés. Os filhos de Israel são salvos pela água. Um dos significados possíveis do nome MOISÉS é precisamente “salvo das águas”.
        O episódio que hoje celebrámos – o batismo de Jesus no rio Jordão – é também evocado na bênção da água. João batiza o autor do batismo. É um batismo de penitência, de preparação, pois logo virá Aquele que batizará no fogo e no Espírito Santo.
       A própria palavra – baptizar –, de origem latina, significa mergulhar (na água). O neófito entrava por três vezes na água, em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, para que água levasse o homem velho, e da água surgisse o homem novo, nova criatura, de Deus e para Deus.
        Note-se a presença do Espírito de Deus que paira sobre as águas, na criação... a Barca na qual Deus guarda Noé para refazer a Humanidade. A Arca é também símbolo da Igreja, qual Barca em que entramos pelo Batismo, para sermos protegidos pelo Espírito de Deus. A mão e a voz de Moisés que separa as águas. Deste modo, evidencia-se não apenas a água como elemento imprescindível, mas a palavra de Deus, o Seu Espírito, a Sua mão protetora, através da mão e da vara de Moisés; o Espírito que desce sobre Jesus, em forma de pomba, é que garante que Ele é o Messias, o Filho bem-amado.
       3 – João, pouco a pouco, vai dando claras indicações que o Messias está a chegar. Ele é o Precursor, prepara o caminho, é a VOZ que vai dar lugar à PALAVRA encarnada. Quando lhe perguntam por que batiza se não é o Messias, João sublinha que o seu batismo é sobretudo chamada de atenção, apelo à conversão, à penitência, à mudança de vida. Só um coração atento, humilde, desperto para os outros, poderá reconhecer e acolher Aquele que vem de Deus, o mistério, o divino. Prepara a terra para que a semente lançada encontre terra favorável, fértil.
       Pressente-se um tempo novo que ora chega com Jesus:
«Eu batizo-vos com água, mas vai chegar quem é mais forte do que eu, do qual não sou digno de desatar as correias das sandálias. Ele batizar-vos-á com o Espírito Santo e com o fogo». Quando todo o povo recebeu o batismo, Jesus também foi batizado; e, enquanto orava, o céu abriu-se e o Espírito Santo desceu sobre Ele em forma corporal, como uma pomba. E do céu fez-se ouvir uma voz: «Tu és o meu Filho muito amado: em Ti pus toda a minha complacência».
       Com o batismo de Jesus cumpre-se, simbolicamente, toda a justiça. Sendo filho de Deus, não precisava de ser batizado. Jesus, em tudo igual a nós, exceto no pecado, não precisa de remissão de pecados, de penitência para expiar as suas culpas. Ele que era de condição divina, assume a nossa condição humana, finita, limitada, faz-Se pecado por nós, por amor. No batismo, Jesus garante que em tudo cumpre com a ENCARNAÇÃO, seguindo também os usos e tradições do povo que O vê nascer. Está entranhado na história e no tempo, e não por cima ou à margem.
       4 – A vida pública de Jesus arranca a partir do batismo. Como cristãos a nossa vida inicia-se com o batismo, Sacramento de pertença a Jesus Cristo, identificação com a Sua morte e ressurreição, inserção no Corpo de Cristo que é a Igreja. Morremos para o pecado, ressurgimos para a vida nova. Somos, pela água, melhor, pelo Espírito Santo, novas criaturas.
       O batismo de João é preparatório, antecipando o batismo em Jesus, sublinhando-se o simbolismo da água. Com Jesus acentua-se o Espírito Santo e a filiação divina: Este é o meu filho muito amado. João testemunha, com os Céus, que Aquele é o Messias prometido, confirmando-se n'Ele as palavras do profeta Isaías:
«Eis o meu servo, a quem Eu protejo, o meu eleito, enlevo da minha alma. Sobre ele fiz repousar o meu espírito, para que leve a justiça às nações. Não gritará, nem levantará a voz, nem se fará ouvir nas praças; não quebrará a cana fendida, nem apagará a torcida que ainda fumega: proclamará fielmente a justiça. Não desfalecerá nem desistirá, enquanto não estabelecer a justiça na terra, a doutrina que as ilhas longínquas esperam. Fui Eu, o Senhor, que te chamei segundo a justiça; tomei-te pela mão, formei-te e fiz de ti a aliança do povo e a luz das nações, para abrires os olhos aos cegos, tirares do cárcere os prisioneiros e da prisão os que habitam nas trevas».
       No quadro do batismo de Jesus, acolhemos a Sua luz e a Sua missão, Ele vem para estabelecer a paz, a justiça, para nos reconduzir a Deus, para nos tornar família, para nos libertar de tudo o que nos oprime, para vivermos em pleno a nossa humanidade, já não como escravos do pecado, da treva e do medo, mas como pessoas livres, disponíveis para amar e construir, para viver e espalhar a boa notícia que em Deus encontramos vida em abundância. Como Deus verdadeiro, Jesus vem viver como verdadeiro Homem, para connosco viver humanamente.
       5 – O batismo celebra-se todos os dias da nossa vida. O primeiro dia não é a vida toda. Existe muito a ideia feita que o batismo livra de todo o mal, que enquanto a criança não for batizada pode ficar doente, não pode entrar em alguns lugares, e ficará mais sossegada se for batizada. Nesta linguagem sublinha-se o batismo mais como um exorcismo, uma superstição, uma tradição que se deve cumprir, para que a criança não esteja sujeita às forças do mal, nem nada lhe aconteça. Quando a criança adoece alguns apressam o batismo, na perspetiva que com o batismo já não estará tão exposta a doenças.
       Nem tudo o que é vivido nesta perspetiva é de descurar, pois expressa a certeza que o batismo retira o ser humano do poder das trevas para o poder da luz, de Deus. Mas o batismo é muito mais. Não é um dia de festa, é uma vida toda. Como o SIM que os noivos dizem um ao outro, como o SIM dos Pais aos filhos, no momento da geração, do nascimento, como o SIM dos crentes a Deus. Marca a vida, e para sempre, com a necessidade de se renovar em cada gesto, palavra, todos os dias. Dizer SIM com os lábios, de uma vez para sempre, e depois agir como NÃO ao longo da vida quase sempre dá mau resultado. Quando os noivos dizem SIM de uma vez para sempre e se sentam à sombra da bananeira, como se tudo estivesse garantido a partir desse primeiro momento, vão sair magoados, infelizes e lesados. O SIM não é passivo nem passado, é proactivo, presente, significa cuidar, ouvir, amar, sofrer com o outro, usar de palavras atenciosas, e ter gestos de gratidão e de alegria pela presença do outro, renovando o desejo e o sentimento.
        Do mesmo modo, os pais para com os filhos. Não basta fazê-los, é preciso cuidar, educar, acompanhar, repreender, elogiar, apontar limites e possibilidades, marcar fronteiras, para que o filho saiba que os pais estão atentos ao que faz, ou deixa de fazer, por que o amam e lhe querem bem, mesmo que tenham os seus defeitos e pecados e por vezes sejam injustos... mas estão presentes, renovando o SIM primeiro todos os dias.
       Assim o nosso proceder para com Deus. O SIM que Deus nos dá há de levar-nos a um SIM permanente. Todos os dias somos batizados, renovados, todos os dias ressuscitamos com Jesus Cristo. A nossa vida deverá ser uma imitação da postura de Jesus.
       Diz-nos o Apóstolo Pedro:
«Na verdade, eu reconheço que Deus não faz aceção de pessoas, mas, em qualquer nação, aquele que O teme e pratica a justiça é-Lhe agradável. Ele enviou a sua palavra aos filhos de Israel, anunciando a paz por Jesus Cristo, que é o Senhor de todos. Vós sabeis o que aconteceu em toda a Judeia, a começar pela Galileia, depois do batismo que João pregou: Deus ungiu com a força do Espírito Santo a Jesus de Nazaré, que passou fazendo o bem e curando todos os que eram oprimidos pelo demónio, porque Deus estava com Ele».
       Ele passou fazendo o bem, Deus estava com Ele. Em Jesus, somos novas criaturas, somos filhos bem-amados. Como é que podemos tornar efetiva a nossa condição de batizados no dia-a-dia, na relação com os outros e com o mundo atual?


Textos para a Eucaristia (ano C): Is 42, 1-4.6-7; Atos 10, 34-38; Lc 3, 15-16.21-22.

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