sábado, 23 de fevereiro de 2013

II Domingo da Quaresma - ano C - 24 de fevereiro

       1 – «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O». 
       Neste segundo domingo de Quaresma, um importante desafio salta à vista: a ESCUTA. Esta pressupõe atender, respeitar, acolher, tentar perceber, o que o outro diz. No caso concreto, é a VOZ que vem dos Céus: Eis o Meu eleito. Escutai-O. A Ele por inteiro. Cada um de nós é muito mais do que aquilo que diz. As nossas palavras podem expressar uma parte do que somos, mas fica sempre algo por dizer e, por outro lado, dizemos o que somos também pelo que fazemos, pelas escolhas, pelas obras, pela postura que nos aproxima ou distancia dos outros.
       No primeiro Domingo de Quaresma, o evangelho apresentava-nos o quadro das tentações de Jesus, sublinhando-se, porém, a intimidade e identificação de Jesus à vontade de Deus. Ele é guiado pelo Espírito. Na hora do batismo, do Céu a mesma voz – É o meu filho muito amado em quem pus toda a minha ternura, escutai-O. No deserto, escutando a Palavra de Deus, sem a manipular, Jesus contrapõe a vontade de Deus a vozes estranhas e desviantes. Ele faz deserto para compreender os nossos desertos e as nossas lutas. Faz deserto para nos fazer saber que, no final, só precisamos de Deus. Sem Deus somos nada, pó volátil, condenado a desaparecer. Com Deus, mesmo tendo poucas coisas, temos TUDO, agora e na eternidade.
       Vale a pena introduzir aqui o apelo do nosso Bispo, D. António Couto, para esta Quaresma:
“Apelo, portanto, a todos os irmãos e irmãs que Deus me deu nesta querida Diocese de Lamego a que, nesta Quaresma, deixemos a enxurrada da Palavra de Deus tomar conta da nossa vida. No meio da enxurrada, perceberemos logo que não salvaremos muitas coisas, e que aquilo que mais queremos encontrar é uma mão segura que nos ajude a salvar a nossa vida”. 
       O essencial para Jesus não é o pão, o poder, a adulação, mas a certeza de Deus na sua Vida, no deserto ou na cidade, na míngua ou na fartura. Deus O salva. E a nós também.
       2 – Vejamos o quadro completo do evangelho e encontraremos mais ligações com o quadro do batismo e das tentações:
“Jesus tomou consigo Pedro, João e Tiago e subiu ao monte, para orar. Enquanto orava, alterou-se o aspeto do seu rosto e as suas vestes ficaram de uma brancura refulgente. Dois homens falavam com Ele: eram Moisés e Elias, que, tendo aparecido em glória, falavam da morte de Jesus, que ia consumar-se em Jerusalém. Pedro e os companheiros estavam a cair de sono; mas, despertando, viram a glória de Jesus e os dois homens que estavam com Ele. Quando estes se iam afastando, Pedro disse a Jesus: «Mestre, como é bom estarmos aqui! Façamos três tendas: uma para Ti, outra para Moisés e outra para Elias». Não sabia o que estava a dizer. Enquanto assim falava, veio uma nuvem que os cobriu com a sua sombra; e eles ficaram cheios de medo, ao entrarem na nuvem. Da nuvem saiu uma voz, que dizia: «Este é o meu Filho, o meu Eleito: escutai-O». Quando a voz se fez ouvir, Jesus ficou sozinho. Os discípulos guardaram silêncio e, naqueles dias, a ninguém contaram nada do que tinham visto”. 
       Quando sobe à montanha tem o mesmo fito da ida para o deserto, para rezar. A montanha aproxima-nos do alto, de Deus. É um lugar mais isolado, de onde se pode contemplar a cidade, a povoação. Mais perto de Deus para ver melhor a humanidade. “A existência cristã – diz Bento XVI – consiste num contínuo subir ao monte do encontro com Deus e depois voltar a descer, trazendo o amor e a força que daí derivam, para servir os nossos irmãos e irmãs com o próprio amor de Deus”.
       3 – Os discípulos hão de seguir Jesus, para aprender com Ele os caminhos a trilhar. Por ora Jesus prepara-os para as horas difíceis que estão para chegar. Então não haverá tempo para refletir, para entender, tudo passará muito rápido sem o afastamento necessário para assimilar e ultrapassar. Se o coração não estiver suficientemente alimentado pela oração, pela palavra de Deus, poderá não resistir diante de tantas dificuldades.
       O Mestre não lhes esconderá as nuvens carregadas que estão para vir. No entanto, das nuvens mais opacas irromperá, uma vez mais e sempre, a LUZ de Deus. Ele fará ouvir a Sua voz, através de Jesus. Falou-nos por Moisés. Nessa ocasião não estávamos preparados para ouvir. A voz de Deus feriria os nossos ouvidos. Falou-nos pelos profetas. Agora rasga os Céus dando-nos o Seu amado Filho. Se O escutarmos seremos salvos.
       A transfiguração é um compromisso permanente dos cristãos, dos discípulos de Cristo. A luz que vem de Deus permite-nos branquear, lavar, embelezar a nossa vida, tornando-nos translúcidos. A luz incidirá em nós como num cubo de vidro, que se enche de LUZ e por sua vez ilumina tudo o que está à volta. De novo, subimos ao monte de Deus para descermos ao encontro dos irmãos. Jesus antecipa a ressurreição, mostrando que nenhuma opacidade periga a força da luz de Deus. O caminho quaresmal é de preparação, de conversão, de mudança positiva de vida. Contudo, caminhamos na Luz da Páscoa. Só a Ressurreição de Cristo nos converte verdadeiramente.
       4 – Estamos alerta. Deus prepara-nos para grandes coisas. Alia-Se connosco. Jesus retira os discípulos da cidade para que eles vejam mais longe. E vejam para lá de todas as intempéries. Deus procede desta forma, para que não andemos a vaguear sem rumo nem esperança.
       Na primeira leitura, vislumbra-se a pedagogia divina:
“Deus levou Abraão para fora de casa e disse-lhe: «Olha para o céu e conta as estrelas, se as puderes contar». E acrescentou: «Assim será a tua descendência». Abraão acreditou no Senhor, o que lhe foi atribuído como justiça... Nesse dia, o Senhor estabeleceu com Abraão uma aliança, dizendo: «Aos teus descendentes darei esta terra, desde o rio do Egipto até ao grande rio Eufrates».
       Deus toma a iniciativa. Vem ao nosso encontro. Visita-nos em nossa casa. Leva-nos para o exterior de nós, para o deserto, para a montanha, para a entrada da tenda, para que o nosso horizonte seja o céu estrelado. Primeiro, Deus dá-Se, por inteiro. O que nos exige, em resposta? Que vivamos na inundação da Sua luz, do Seu amor.
       5 – A experiência vai-nos dizendo que dobrarmo-nos sobre nós vai-nos limitando, vai-nos deixando curvados, sem horizonte, sem abertura, sem futuro, sem o céu que nos rodeia. Se nos fixamos no chão, no umbigo, se nos colocamos no centro, o nosso mundo começa a ficar demasiado pequeno. Poderemos ficar com tonturas, raquíticos. O corpo habitua-se a ficar curvado.
       A águia deixada no galinheiro, que desaprendeu (ou não chegou a aprender) o que lhe traria a felicidade, voar, ser livre, ir pelo mundo, sem fronteiras. Habituou-se a ser galinha. As galinhas não voam, mesmo tendo asas. A tendência é agarrarem-se ao chão, apoiarem-se em algo sólido. Procuram o alimento na terra. A águia voa, procura o alimento a partir de um campo de visão muito alargado. Quando a jovem águia (quase galinha) viu outra águia a voar, o seu coração pequenino começou a palpitar, mas logo as galinhas lhe disseram para nem tentar, não era para ela… E em nós, pevalece a águia ou galinha?
       Deus faz com que Moisés olhe para o Céu. Jesus leva os discípulos à montanha, para se sentirem mais próximos de Deus, mais motivados a regressar para o meio das pessoas, e para verem a partir do olhar luminoso de Deus.
       Na segunda leitura, São Paulo, depois de convidar à imitação daqueles que estão em sintonia com Jesus Cristo, diz de forma clarificadora:
“A nossa pátria está nos Céus, donde esperamos, como Salvador, o Senhor Jesus Cristo, que transformará o nosso corpo miserável, para o tornar semelhante ao seu corpo glorioso, pelo poder que Ele tem de sujeitar a Si todo o universo. Portanto, meus amados e queridos irmãos, minha alegria e minha coroa, permanecei firmes no Senhor”.
        O caminho cristão é cíclico, melhor, em espiral. Como batizados avançamos em direção à Páscoa eterna, numa quaresma constante, preparamo-nos, renovamos a nossa vida. A nossa quaresma começa por nascer da Páscoa de Jesus. E de Páscoa em Páscoa, vamo-nos transformando, convertendo, caminhando, quaresmando.


Textos para a Eucaristia (ano C): Gen 15, 5-12.17-18; Filip 3, 17 – 4,1; Lc 9, 28b-36.

Sem comentários:

Enviar um comentário