sábado, 27 de junho de 2015

Domingo XIII do Tempo Comum - ano B - 28 de junho

       1 – O mistério do sofrimento humano esbate com a bondade e a omnipotência de Deus.
       A doença, sobretudo crónica, a deficiência, a morte, a traição de um amigo, a infidelidade do companheiro/a, a violência doméstica, a depressão, a falta de emprego e de expetativas de um futuro risonho, a maledicência. A guerra, a pobreza, a toxicodependência, as guerrilhas, a corrupção, a exploração infantil, o trabalho escravo. A vulnerabilidade da dignidade e da vida humana, o fosso entre ricos e pobres, a imposição de uma economia que esmaga pessoas e famílias, para garantir estatísticas mais positivas. O otimismo idolátrico com a evolução técnica e científica não diminuiu o sofrimento, a perseguição, a miséria humana, as epidemias!
       A religião garante-nos que Deus é sumamente bom e Todo-poderoso, pelo que estamos à Sua mercê. Rezamos para que Ele olhe com benevolência para nós e para a nossa frágil condição humana. A Bíblia procura conjugar o sofrimento com a omnipotência divina e com a compaixão de Deus. Mas não há respostas fáceis. Aqueles a quem a vida corre bem, na abundância dos filhos, dos bens e dos anos, são abençoados por Deus, porque são justos e praticam o bem. Os maus são castigados por Deus e sofrem na pele a consequência do seu mau proceder. Um exemplo sugestivo é a figura de Job, que coloca o seu sofrimento diante de Deus e da Sua justiça. Sempre foi justo e foi castigado por Deus. Onde está a justiça de Deus? No final, Deus mostra que está acima e além da nossa compreensão humana. Revela-Se, mas não é controlável pelas nossas razões.

       2 – A revelação bíblica, mais que conceções filosóficas e abstratas, traz-nos a história concreta do povo que faz a experiência de um Deus que não desiste nunca do seu povo. Quando Se retira, afastado pela maldade e infidelidade humanas, Deus "arranja" forma de Se manifestar, intervindo com sinais e com o chamamento/envio mensageiros.
       Nem tudo corre como expectável e o povo quase desaparece, mas Deus não desiste da Sua vinha, ainda que tenha de fazer enxertos ou até confiá-la a outros vinhateiros. A Encarnação é a resposta plena de Deus aos anseios humanos. Haveria outras maneiras de Deus nos mostrar o Seu amor? Com certeza. Poderíamos intentar razões ou justificações ou possibilidades. O certo é que Deus, em Jesus, assume-nos por inteiro, faz-Se um de nós, identifica-Se com a nossa fragilidade e com o nosso sofrimento, vem morar connosco.


       3 – O evangelho é revelador da condição humana. O sofrimento está aí com evidência. A doença crónica que faz desesperar aquela mulher e a morte de uma filha. Jesus depara-Se com muitas situações de pobreza, exclusão e sofrimento. Humanamente não é possível eliminar todo o mal. Divinamente não é possível anular todas as limitações sem hipotecar a liberdade humana.
       Jesus não gasta tempo a explicar o sofrimento, ou a culpar alguém. Compadece-Se e faz por minorar e vencer as adversidades.
       Há uma multidão que procura Jesus, por motivos variáveis. A multidão pode ajudar-nos a encontrar Jesus, mas pode também impedir-nos de chegar perto d'Ele. Um dos chefes da Sinagoga, Jairo, suplica a Jesus: «A minha filha está a morrer. Vem impor-lhe as mãos, para que se salve e viva». Jesus larga o que está a fazer e segue Jairo até sua casa.
       No meio da multidão, uma mulher, cuja doença a afasta da convivência social, aproxima-se sorrateiramente de Jesus, toca-lhe na fímbria do manto e fica curada. Revejamos os passos. Não se trata de magia. É a força de Jesus que a liberta e a cura. Apertado por todos os lados, Jesus percebe que alguém, com nome e com rosto, O tocou. Para e diz a esta mulher que não precisa de ter medo ou vergonha: «Minha filha, a tua fé te salvou».
       Contraponto à sensibilidade e atenção de Jesus, a insensibilidade e a distância dos discípulos: «Vês a multidão que Te aperta e perguntas: ‘Quem Me tocou?’».


       4 – Entretanto, da casa de Jairo vêm dizer-lhe que já não adianta importunar Jesus, pois a menina morreu. Não há nada a fazer. Pelo menos para nós. Para Jesus há mais a fazer. Prossegue. "Basta que tenhas fé", diz Jesus a Jairo. Tinha dito àquela mulher que ousou aproximar-se e tocar-lhe no manto: "A tua fé te salvou". Para que haja cura, ressurreição e vida é necessário o nosso assentimento. Deus não age sem nós, contra a nossa vontade. Conta connosco e respeita-nos.
       Ao chegar a casa de Jairo, Jesus encontra grande alvoroço, com pessoas a chorar e a gritar. Garante aos presentes que a menina está apenas a dormir. A fé é um dom mas também um caminho, não se impõe. Jesus tinha uma oportunidade de ouro para dar espetáculo, mas usa de descrição. O mais importante é o bem da menina. "Depois de os ter mandado sair a todos, levando consigo apenas o pai da menina e os que vinham com Ele, entrou no local onde jazia a menina, pegou-lhe na mão e disse: «Talita Kum», que significa: «Menina, Eu te ordeno: Levanta-te». Ela ergueu-se imediatamente e começou a andar, pois já tinha doze anos. Ficaram todos muito maravilhados. Jesus recomendou-lhes que ninguém soubesse do caso e mandou dar de comer à menina".
       Novamente Jesus pede para que não se faça publicidade, há que fixar-nos no essencial, a escuta da Palavra de Deus, a conversão, a prática do bem, o serviço aos irmãos.

       5 – A primeira leitura prepara-nos para acolher o Evangelho. Deus é um Deus de vida e de vivos, que quer o nosso bem: «Não foi Deus quem fez a morte, nem Ele Se alegra com a perdição dos vivos. Pela criação deu o ser a todas as coisas, e o que nasce no mundo destina-se ao bem. Em nada existe o veneno que mata, nem o poder da morte reina sobre a terra, porque a justiça é imortal. Deus criou o homem para ser incorruptível e fê-lo à imagem da sua própria natureza».
       Tradicionalmente afirma-se que o Deus revelado no Antigo Testamento é um Deus severo, castigador, pronto a subjugar o ser humano que se transvia pelo pecado, juiz implacável, Senhor das distâncias. No entanto, como podemos constatar no livro da Sabedoria, o Deus do Antigo Testamento não se opõe ao Deus que Jesus revelará, é o mesmo Deus próximo, que intervém positivamente no mundo, conduzindo a história. Deus criou-nos para a vida e para a felicidade.

       6 – Com a chegada de Jesus e o mistério da Encarnação, Deus entra em definitivo em comunhão connosco, revelando-Se em plenitude como Deus de Amor.
        Diz-nos o apóstolo São Paulo, ao falar-nos de Jesus: «Ele, que era rico, fez-Se pobre por vossa causa, para vos enriquecer pela sua pobreza». Esta revelação exige que cada um de nós, como seguidores de Jesus, procuremos agir do mesmo modo na relação com os outros, cuidando dos mais frágeis.
"Já que sobressaís em tudo – na fé, na eloquência, na ciência, em toda a espécie de atenções e na caridade que vos ensinámos – deveis também sobressair nesta obra de generosidade... Não se trata de vos sobrecarregar para aliviar os outros, mas sim de procurar a igualdade. Nas circunstâncias presentes, aliviai com a vossa abundância a sua indigência para que um dia eles aliviem a vossa indigência com a sua abundância. E assim haverá igualdade, como está escrito: «A quem tinha colhido muito não sobrou e a quem tinha colhido pouco não faltou».
       A nossa caridade deriva da caridade de Jesus Cristo que nos assumiu na nossa pobreza.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (B): Sab 1, 13-15: 2, 23-24; Sl 29 (30); 2 Cor 8, 7. 9. 13-15; Mc 5, 21-43.

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