terça-feira, 31 de maio de 2016

Deixar que a Alegria de Maria nos visite

       Chegamos ao fim do mês de maio especialmente dedicado a Maria. Um pouco por todo o lado, romarias, procissões, peregrinações, recitação do terço em família, em comunidade, por ruas ou por bairros, a caminhar, de casa em casa. Em todo o mundo (católico)! Os portugueses espalhados pelo mundo não esquecem a Padroeira de Portugal e, em diferentes ocasiões, mas sobretudo em maio, fazem sobressair a sua devoção. O altar do mundo, Fátima, é um centro centrípeto e centrifugo da devoção mariana. Mas há muitos santuários marianos espalhados pelo território nacional. Na nossa Diocese destacam-se os Santuários dos Remédios e da Lapa. Mas existem muitos outros e as zonas pastorais têm em maio as suas peregrinações conjuntas.

       O último dia do mês faz-nos revisitar a Visitação de Nossa Senhora à sua prima Isabel (Lc 1, 39-56), o segundo dos mistérios gozosos ou da alegria. Logo que acolhe a missão de ser a Mãe do Salvador do mundo, tendo sabido que Isabel se encontra grávida, Maria parte para a montanha, para levar a grande alegria de ser Mãe no encontro com outra grande alegria, a de sua prima Isabel que também vai ser Mãe numa altura que já parecia ter ultrapassado o prazo de validade para o ser. São Lucas vinca a pressa com que Maria parte, num claro convite aos discípulos de Jesus e à Igreja, a saírem com pressa para O anunciarem a todo o mundo.

       A fé de Abraão inicia a Antiga Aliança, como sublinha Joseph Ratzinger/Bento XVI, a fé de Maria inicia a nova Aliança. “Maria põe o seu corpo, todo o seu ser à disposição de Deus para abrigar a Sua presença". Com efeito, "na saudação do anjo torna-se claro que a bênção é mais forte que a maldição”.

       Na Visitação, Maria leva a pressa de ajudar, mas sobretudo a Alegria a comunicar. Quando duas mães se encontram não precisam de muitas palavras para se tornarem cúmplices, as suas entranhas falam mais alto e o que nelas está a acontecer faz-se notar a todo o mundo, multiplica a alegria. «Logo que chegou aos meus ouvidos a tua saudação, o menino saltou de alegria no meu seio».

       A resposta de Maria é oração de louvor e de reconhecimento: «A minha alma glorifica o Senhor e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque pôs os olhos na humildade da sua serva».

       Deixemo-nos surpreender por Maria e pela Alegria que traz à nossa vida, que traz à nossa casa.

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4365 , de 31 de maio de 2016

segunda-feira, 30 de maio de 2016

Leituras - Carlos Ros: Teresa de Jesus

CARLOS ROS (2015). Teresa de Jesus. Atualidade da santa de Ávila. Lisboa: Paulus Editora. 192 páginas.
       Completaram-se 500 anos do nascimento de Santa Teresa de Ávila e o autor achou por bem concentrar-se em escrever uma biografia da Santa carmelita, recuperando datas e dados, reabilitando algumas das personagens que a acompanharam na fundação dos carmelitas descalços, ramo feminino e ramo masculino.
       Depois de ter escrito livros sobre companheiros de Santa Teresa que foram relegados para segundo plano, ignorados nas biografias oficiais, Carlos Ros presta agora o reconhecido mérito à Santa de Ávila, também ela muitas vezes injuriada, perseguida, enclausurada, afastada de madre. Contudo, os seus escritos, a fama de santidade, e a reforma que iniciou, ultrapassou fronteiras que os seus delatores não conseguiram apagar, ainda que tivessem atribuído, por exemplo a fundação dos carmelitas descalços (ramo masculino) a um dos seus amigos frades.
        Nasceu dentro da cidadela de Ávila, a 28 de março de 1515, sendo baptizada como Teresa de Ahumada... Lê a vida dos santos, depois livros de cavalaria, torna-se centro de atenções. Aos 17 anos entra nas Agostinhas de Grácia, como interna, onde brotará a vocação, entrando, alguns meses depois na Encarnação de Ávila. A 3 de novembro de 1536, faz a sua profissão religiosa.
       Será atacada de doenças várias: desequilíbrio nervoso, dores atrozes, doença do coração. Nessa altura terá os primeiros momentos de oração e de recolhimento.
       No convento da Encarnação leva uma vida folgada e tranquila, com pouca oração e se exercícios em comum com as outras irmãs. O seu lucatório é espaço onde se encontrava a alta sociedade de Ávila. Vive assim durante 20 anos.
        Um dia fixou-se, no seu lucatório, onde recebia as pessoas, numa imagem de Cristo atado à coluna. Caiu em si, vendo o que Jesus tinha feito pela humanidade e por ela também. Aos 40 anos faz a entrega definitiva a Deus. Aos 45 anos teve as primeiras visões e, um ano depois, funda o primeiro convento reformado, São José de Ávila. A ânsia de reforma espiritual, leva-a a percorrer a Espanha, fundando diversos conventos.
       Dá-se o encontro com o grande místico São João da Cruz e inicia, em novembro de 1568, a reforma entre os homens, com o convento de Duruelo.
       Faleceu no dia 4 de outubro de 1582 e enterrada ao outro dia.
       É considerada um dos maiores génios que a humanidade já produziu, possuía uma viva e arguta inteligência, num estilo vivo e atraente e com um profundo bom senso.
        Foi canonizada em 1622, com o Papa Gregório XV e em 1970, foi proclamada pelo Papa Paulo VI, com Santa Catarina de Sena, Doutora da Igreja, pelo Papa Paulo VI. As duas primeiras mulheres a receberem este título.
       O livro acompanha a santa nas diversas peripécias da vida infantil, juvenil, adulta, na vida familiar e na vida religiosa, e como enveredou por um caminho de reforma do Carmelo. O autor revisita as fundações dos conventos, as dificuldades encontradas, os obstáculos a enfrentar, a fé e confiança em Deus e a alegria com que procurava em tudo viver a vontade de Deus.
"Foi uma mulher apaixonante, que redefiniu os padrões da sua época para se converter no arquétipo de mulher, de mística, de escritora, de tudo. Subiu à sétima morada enquanto se distraía na cozinha, porque também «entre os tachos anda o Senhor". Mulher alegre, que pedia que o Senhor a livrasse de santos encapotados, cheia de ternura, discrição, mãe e santa num corpo enfermiço de vida, exclamou antes de morrer: «Enfim,Senhor, sou filha da Igreja»".

Papa Francisco, a revolução da misericórdia e do amor

WALTER KASPER (2015). Papa Francisco. A revolução da Misericórdia e do Amor. Prior Velho: Paulinas Editora. 136 páginas.
       O Cardeal Walter Kasper já é conhecido como o teólogo do Papa Francisco. Na primeira oração do Angelus, à janela do palácio apostólico, o Papa revelou aos fiéis reunidos na praça de são Pedro que estava a ler um livro, do Cardeal Kasper, sobre a misericórdia e que lhe estava a fazer muito bem. A misericórdia é o tempero das intervenções e gestos do Papa Francisco. E o livro do Cardeal teve um boom de vendas. O Cardeal, bem conhecido nos meios académicos e mais eclesiais passou a ser conhecido e requisitado para entrevistas, comentários, conferências. Na preparação dos Sínodos sobre a família, o Papa solicitou-lhe uma reflexão, com questionamentos, sobre a famílias, os principais problemas e desafios. Abriu o debate, sustentado pelo "relatório" do Cardeal Kasper. Curiosa é a ponte que faz para Bento XVI e sobretudo para o "teólogo" Joseph Ratzinger", aludindo às suas reflexões sobre as problemáticas da famílias.
       Curiosamente, sabendo-se que são dois teólogos de renome, alemães, com algumas "disputas", mormente na relação "Igreja Universal - Igrejas particulares", o Cardeal Kasper, que acentua a revolução extraordinária com o pontificado de Francisco, a meu ver e pelo que li, faz uma rasgado, reconhecido e merecido elogio a Bento XVI. Kasper fala da continuidade do papado, preparado e antecipado por Bento XVI e, como expectável, da rutura, quanto à linguagem, ao método, e ao ambiente que os moldou. Pode ver-se a proximidade e afinidade com Francisco mas vê-se que não há qualquer necessidade de contrapor negativamente o pontificado de Bento XVI ou de João Paulo II. Simplesmente a acentuação é diferente e as realidades originárias também. A preocupação é a mesma: servir a Palavra de Deus, comprometida com a humanidade.
"Uma surpresa, sim, como um raio no céu sereno fora já o anúncio do papa Bento XVI a 11 de fevereiro de 2013... esta renúncia foi um ato de coragem, de grande generosidade e de humildade, que merecia a máxima estima e pareço"
"O Papa Bento XVI, em muitas questões, preparou teologicamente o presente pontificado muito mais que à primeira vista possa parecer".
"O Papa Bento representa, de modo bem delineado, a melhor tradição europeia. Parte da fé, procura torná-la acessível, intelectual e espiritualmente, à compreensão, para depois, de harmonia com a tradicional relação entre teoria e práxis, traduzir e transpor a doutrina da fé para a prática... o Papa Francisco, pelo contrário, é guiado pela teologia querigmática. Aqui ele não é, porventura, um franciscano mascarado; é de cima a baixo um jesuíta... não parte da doutrina, mas da situação concreta; não quer, decerto, ajudar-se simplesmente a ela, mas tenta antes, como previsto no livro dos Exercícios de Inácio, julgar segundo as regras do discernimento dos espíritos..."
"Apesar de todas as diferenças de origem e de personalidade, para Francisco, Paulo VI é o Papa do qual, entre os seus predecessores, ele se sente mais próximo. O seu estilo dialógico comunicativo manifesta-se na Encíclica Ecclesiam Suam (1964). Nas suas posições ético-socais, ele alude, várias vezes, à importante encíclica social do Papa Paulo VI, Populorum Progressio, de 1967, e à sua Carta Apostólica Octasegima adveniens, de 1971".
"O Papa Francisco move-se no seio da grande tradição. Na história da Igreja, o Evangelho esteve na origem de muitos movimentos de renovação, desde o monaquismo antigo aos movimentos de reforma da Idade Média. O mais conhecido é o movimento evangélico de São Francisco de Assis e São Domingo de Gusmão. Francisco, juntamente com os seus irmãos, quis apenas viver o Eavngelho sine glosa, sem nada lhe roubar ou acrescentar"
"O papa Francisco insere-se numa tradição que remonta aos inícios, em especial dos seus predecessores imediatos... O retorno à origem não é, todavia, um desdobrar-se sobre o ontem e o anteontem, mas força para um início para amanhã... lançar pontes para as origens é construtor de pontes (pontífice) rumo ao futuro".
"Para o Papa Francisco, no centro do Evangelho está a mensagem da misericórdia...a misericórdia de Deus é infinita; Deus nunca se cansa de ser infinitamente misericordioso com cada um para que também nós não nos cansemos de implorar a sua misericórdia. Deus não exclui e não abandona ninguém. Um pequeno gesto de misericórdia entre os homens pode mudar o mundo".
"A misericórdia é a justiça própria de Deus, não condena o pecador desejoso de conversão, mas justifica-o. No entanto, entendamo-nos, a misericórdia justifica o pecador, não o pecado. O mandamento da misericórdia quer também que a Igreja não torne a vida difícil aos seus fiéis, e não transforme a religião numa espécie de escravidão. Ela quer - assim o afirma São Tomás de Aquino, na linha de Agostinho - que sejamos livres dos fardos que nos tornam escravos. É o fundamento da alegria que o Evangelho nos oferta".
"O arquiteto do documento de Aparecida foi o cardeal Jorge Bergoglio como presidente da comissão de redação. Não causa, pois, supresa que Aparecida seja citada em muitas passagens da Evangelium Gaudium. A opção preferencial pelos pobres não permaneceu uma especialidade latino-americana. João Paulo II e Bento XVI acolheram-na no seu próprio magistério. Bento XVI dotou-a de uma fundamentação cristológica. Na alocução final da sua visita à Alemanha, a 25 de setembro de 2011, em Friburgo, com a palavra-chave «desmundanização», já quis dizer o que afirma hoje o papa Francisco. Na altura não foi bem compreendido ou, então, nem sequer existiu a vontade de o compreender. Francisco diz agora, com total clareza e de modo programático, de que é que se trata, e di-lo não só com a sua palavra, mas também com o seu simples e sóbrio estilo de vida".
"O Papa pronuncia um quádruplo não: não a uma economia de exclusão em que os seres humanos são apenas remetidos para as margens e se tornam escória e rebotalho; não a um aidolatria do dinheiro e à ideologia da absoluta autonomia dos mercados; não ao dinheiro que, em vez de servir, domina; não à desigualdade social que gera violência".
"... o Papa fala de uma tempestade do amor, o único que é capaz de transformar o mundo desde dentro. A revolução da ternura e do amor acontece, sim, com paixão, mas sem violência, sem fanatismo e ressentimento".
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domingo, 29 de maio de 2016

Consagração a Santa Maria do Sabroso

       O último fim de semana de maio é de Peregrinação ao Santuário de Santa Maria do Sabroso. Consagremo-nos a Ela, Mãe de Deus e Mãe nossa:

       Santa Maria, Mãe de Deus e Mãe nossa, Reunidos, aqui neste lugar, no Sabroso, no Santuário que os nossos antepassados Vos erigiram, queremos consagrar-nos a Vós, tudo o que somos e tudo o que temos, o que fazemos dos nossos dons e o que queremos ser com a Vossa ajuda e intercessão.
       Consagramos-Vos os nossos sonhos, os sonhos desfeitos e os realizados, os nossos medos e anseios, as nossas lutas e canseiras, as nossas alegrias e esperanças, a vida.
       Consagramos-Vos as terras deste concelho de Tabuaço e as suas gentes.
       Que as nossas comunidades, com diversas marcas cristãs, com a visibilidade da fé, da religiosidade e devoção nas igrejas e nas capelas, nos nichos e imagens e nas diversas invocações, sejam antes de mais espaço de oração e de diálogo, de encontro, de partilha e de comunhão entre todos.
       Consagramos-Vos os nossos campos e tudo o que produzem, ainda que seja com o suor do nosso esforço, as uvas e o vinho, as cerejas, as azeitonas e o azeite, as batatas e todos os legumes. Que produzam generosamente o pão da nossa caridade e que a ninguém falte alimento, nem o alimento biológico nem o alimento de afectos, da amizade e da ternura.
       Como S. José, Vosso esposo, saibamos trabalhar com dedicação e honestidade para enchermos as nossas casas com a abundância da alegria, da paz e do bem.
       Consagramos-Vos as nossas casas e as ruas por onde passamos. Santa Maria, nossa Mãe, que as nossas casas sejam acolhedoras e que não falte nelas o brilho do Vosso amor e da Vossa ternura. Quem mora e visita as nossas casas sinta o perfume da concórdia e do amor.
       Consagramos-Vos as nossas famílias. Num mundo de discórdias, de conflitos e de rupturas, que as nossas famílias saibam descobrir o amor que irradia da Vossa família de Nazaré, promovendo a dignidade de todos os seus membros, respeitando cada um, acolhendo as diferenças, celebrando a vida.
       Consagramos-Vos as nossas crianças. São o futuro do mundo. Mas somos nós os responsáveis por elas cresceram em sabedoria e amor, aptas para enfrentar as dificuldades e fortes para viver o amor e a solidariedade. Que não lhes falte o nosso afecto, o nosso amparo e a nossa caridade.
       Consagramos-Vos os nossos adolescentes e os nossos jovens. Que nas suas inquietações eles encontrem quem os escute, como Tu, Maria, soubestes escutar, compreender e amar Jesus, mesmo quando tinhas alguns receios.
       Consagramos-Vos os nossos cristãos, aqueles que se empenham no trabalho paroquial, com zelo, com amor, com humildade, procurando em tudo agradar-Vos e contribuir para que todos os membros se sintam como família Vossa.
       Consagramos-Vos também aqueles que já não vão, para que lhes saibamos dar razões de esperança e de fé.
       Consagramos-Vos os nossos doentes e os nossos idosos. Por vezes esquecemo-nos deles, talvez para não vermos o nosso futuro. Ajuda-nos a respeitá-los, a amá-los e a ajudá-los a enfrentar as suas dúvidas, os seus medos, as suas solidões.
       Fortalece em nós do dom da fé, da caridade e da esperança, para vivermos a vida com alegria, testemunhando aos outros a Amor que nos vem de Vosso Filho Jesus.
       Consagramo-nos a Vós. Que ao apelo que nos fizeste em Cana da Galileia: "fazei tudo o que Ele vos disser", saibamos responder com humilde, procurando em tudo, como Vós, nossa Mãe santíssima, fazer a vontade de Deus.
       Santa Maria do Sabroso, Mãe da Igreja e nossa Mãe, protegei todos os vossos filhos, em Tabuaço, na nossa Diocese de Lamego e em todo o mundo. Amém.

(consagração preparada em 2009 para este dia)

sábado, 28 de maio de 2016

IX Domingo do tempo Comum - ano C - 29 de maio

       1 – A humildade encaminha-nos para a felicidade genuína. Coloca-nos na rota da salvação. Abre-nos aos outros e a Deus. Facilita, melhor, possibilita a comunicação, o crescimento, o amadurecimento. Cimenta os laços de amizade e de ternura. Faz sobressair o melhor de nós, acolhendo e promovendo o melhor que os outros têm para nos dar.
       A prepotência e o egoísmo encerram-nos num casulo empobrecedor. A humildade não se opõe à autoestima, benfazeja para uma vida saudável. A humildade opõe-se à soberba, à avareza e ao egoísmo, à autossuficiência e à ambição desmedida. A humildade faz-nos realistas e humanos. A nossa grandeza assenta na dignidade humana, somos seres únicos e irrepetíveis. Para os crentes, esta dignidade é fortalecida pela filiação divina, somos filhos amados de Deus e, portanto, irmãos. A humildade faz-nos reconhecer a nossa ligação aos outros, dando-nos a certeza que a felicidade se constrói com eles. Os outros não são, como pensava Sarte, o nosso inferno. Não. Os outros são a visita que Deus nos faz e que nos humaiza. Na partilha, na amizade, no cuidado, no amor descobrimos a beleza e a grandeza e o sentido da nossa vida.
       2 – Um centurião (oficial romano que tinha sob o seu comando cem soldados) recorre a Jesus a favor de um dos seus servos. Enviou anciãos judeus para intercederem junto de Jesus. Veja-se a dinâmica de intercessão: «Ele é digno de que lho concedas, pois estima a nossa gente e foi ele que nos construiu a sinagoga». Jesus não se faz rogado, não se desculpa, não olha para agenda, não se faz muito ocupado, simplesmente os acompanha.
       A postura deste homem é admirável. Intercede por um servo! Por um filho, entende-se, agora por um servo, quando tem os que quer?! Por outro lado, apela a um judeu, professando outra religião, e nem ousa usar da sua posição social para chegar a Jesus ou para negociar com Ele. Pede aos anciãos. Num segundo momento, quando Jesus já está perto, envia-Lhe alguns amigos, com o seu pedido: «Não Te incomodes, Senhor, pois não mereço que entres em minha casa, nem me julguei digno de ir ter contigo. Mas diz uma palavra e o meu servo será curado. Porque também eu, que sou um subalterno, tenho soldados sob as minhas ordens. Digo a um: ‘Vai’ e ele vai, e a outro: ‘Vem’ e ele vem, e ao meu servo: ‘Faz isto’ e ele faz».
       O posto que ocupava dava-lhe estatuto, prestígio, colocando-o "acima" e "à parte" dos simples mortais. Porém, o que vemos é diferente. O cargo não o ensoberbece, nem o isola. É um homem bom. É "inimigo" dos judeus, mas ajuda-os, colabora com eles, que o consideram amigo. Diante de Jesus sente-se, como Pedro, pecador, nem é digno de ir ao Seu encontro. Confia essa missão aos seus amigos. Também por aqui se vê a humildade deste homem. Só pessoas humildes têm amigos, os mais têm pessoas subservientes, para as ocasiões.
       Ao ouvir as palavras que Lhe trazem do centurião, Jesus sente admiração por ele: «Digo-vos que nem mesmo em Israel encontrei tão grande fé». Mais que de humildade, trata-se de fé. A fé faz sobressair o melhor de nós e faz-nos potenciar o melhor dos outros. A fé converte-nos, torna-nos humildes, faz-nos cuidar dos outros como irmãos. A verdadeira e genuína humildade nasce, cresce e alimenta-se da fé.
       "Ao regressarem a casa, os enviados encontraram o servo de perfeita saúde".
       3 – Na verdade, a fé genuína, a fé que radica em Cristo morto e ressuscitado, faz-nos humildes, solidários, leva-nos a ultrapassar qualquer barreira social, política, religiosa. O Centurião é estrangeiro, mas a sua fé aproxima-o de Jesus. Jesus aproxima-nos do centurião: vede, eis um homem amadurecido na fé, amigo dos judeus e dos seus servos, preocupado com os mais pequenos...
       Na primeira leitura, escutámos a oração de Salomão, que é simultaneamente um desafio: «Quando um estrangeiro, embora não pertença ao vosso povo, Israel, vier aqui dum país distante por causa do vosso nome – pois ouvirão falar do vosso grande nome, da vossa mão poderosa e do vosso braço estendido –, quando vier orar neste templo, escutai-o do alto do Céu, onde habitais, e atendei os seus pedidos, a fim de que todos os povos da terra conheçam o vosso nome e Vos temam como o vosso povo, Israel, e saibam que o vosso nome é invocado neste templo que eu edifiquei».
       A intercessão de Salomão a Deus pelos estrangeiros é, antes de mais, o desafio que Deus nos coloca. Para Deus não há fronteiras. Todo-poderoso, o Seu maior poder é fazer-Se do nosso tamanho, só assim O poderemos ver, encontrar, compreender. Só assim O podemos seguir. Tão pequeno que Se deixa ver, Se deixa amar, Se deixa prender, perseguir e Se deixa matar às nossas mãos. Tão concreto que nos permite negá-l'O ou recusá-l'O. Salomão prepara o seu povo, aliás, o povo de Deus, para ser instrumento de salvação e lugar de acolhimento para todos, luz para todas as nações. Com Abraão já tínhamos visto que nele seriam abençoados todos os povos da terra. A eleição é inclusiva. O sol quando nasce é para todos. Deus faz chover sobre bons e maus. Jesus não faz aceção de pessoas, apesar do preconceito dos seus discípulos. Envia-nos a todo o mundo: ide e fazei discípulos de todas as nações.
       O tempo atual tem sido uma provocação à dimensão e maturação da nossa fé. Há milhares de pessoas que fugiram da sua terra, por medo, por perseguição, para fugir à fome e à guerra. Os países desta velha e envelhecida Europa, a nossa casa, têm tido uma grande dificuldade em lidar com os refugiados, umas vezes por medo outras por preconceito. Perguntamos aos cristãos e repetem os medos: se há entre nós necessitados, por que acolher outros, então tratemos dos que estão cá... Só nos apercebemos que havia necessitados entre nós agora que chegam outros? E se entre eles vêm criminosos? E se… se… Dar pousada aos peregrinos é uma das obras de misericórdia, o testamento de Jesus, o compromisso dos seus seguidores. O caminho a percorrer entre os princípios, os ideais, os propósitos, e a prática, confronta-se com as nossas limitações e com o nosso pecado.

       4 – O decisivo na nossa vida é a fé, a fé em Jesus Cristo, morto e ressuscitado. Uma vez resgatados às trevas, ao pecado e à morte, vivemos como ressuscitados, procurando que as nossas obras comprovem e amadureçam a nossa fé e façam transparecer a luz que nos vem do Espírito Santo.
       O apóstolo Paulo dá a vida, tudo o que tem, pelo Evangelho de Jesus, que anuncia a propósito e despropósito. Após o encontro com Jesus, nada o demoverá para seguir Jesus, anunciar Jesus, mostrar Jesus, apontar para Jesus. Como sublinha, nesta carta aos Gálatas, o mandato que recebeu vem de Jesus Cristo e de Deus Pai. E é em nome de Jesus Cristo, para agradar a Cristo e não aos homens, que se dirige às igrejas da Galácia, que tão breve abandonaram Jesus e o Seu evangelho, deixando-se convencer por falsos profetas que semearam a discórdia e a confusão.
       "Mas se alguém – ainda que fosse eu próprio ou um Anjo do Céu – vos anunciar um evangelho diferente daquele que nós vos anunciamos, seja anátema. Como já vo-lo dissemos, volto a dizê-lo: Se alguém vos anunciar um evangelho diferente daquele que recebestes, seja anátema. Estarei eu agora a captar o favor dos homens ou o de Deus? Acaso procuro agradar aos homens? Se eu ainda pretendesse agradar aos homens, não seria servo de Cristo".
       Há em nós a tentação de adequarmos, adaptarmos, modificarmos o Evangelho de tal forma que se conforme às nossas opções e à forma como vivemos e nos relacionamos com os outros, em família, em Igreja, em sociedade. Curioso, como muitos se justificam com a postura do papa Francisco. Já assim era antes, basta evocar a última visita do papa João Paulo II aos EUA. Milhares de jovens, fãs do Papa, quando confrontados com os valores que defendia, logo diziam que isso era pouco importante. Pouco importante: questões da vida, da dignidade, da manipulação genética, do casamento entre pessoas do mesmo sexo... Ou seja, importante o embrulho, não o conteúdo. O pontificado de Francisco é uma lufada de ar fresco, mas como o próprio tem sublinhado, acolher, sempre, todos, mesmo quando abertamente se encontram em colisão com a verdade e com o Evangelho, mas não mitigar o Evangelho. O exemplo mais elucidativo é o de Jesus. À mulher apanhada em flagrante adultério: vai, Eu não te condeno, vai e não voltes a pecar. Alguns pegam neste caso para "aprovarem" o pecado! O perdão é levar a sério o pecador, não é fazer de conta que não aconteceu.
       Paulo escreve às igrejas da Galácia, não para as condenar, mas para as converter ao Evangelho. A seriedade passa por reconhecer os erros, as fragilidades, os pecados, para encetar o caminho de conversão e de mudança de vida.
       A fé não nos verga. A fé faz-nos humildes, erguendo-nos à estatura de Cristo, para que Ele viva em nós e através de nós. É preciso fibra para renunciarmos aos nossos interesses para que prevaleça a vontade de Deus.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): 1 Reis 8, 41-43; Sl 116 (117); Gal 1, 1-2. 6-10; Lc 7, 1-10.

sexta-feira, 27 de maio de 2016

A minha casa é casa de oração!

       Jesus, depois de ser aclamado pela multidão, entrou em Jerusalém e foi ao templo. Observou tudo à sua volta e, como já era tarde, saiu para Betânia com os Doze. No dia seguinte, quando saíam de Betânia, Jesus sentiu fome. Viu então de longe uma figueira com folhas e foi ver se encontraria nela algum fruto. Mas, ao chegar junto dela, nada encontrou senão folhas, pois não era tempo de figos. Então, dirigindo-Se à figueira, disse: «Nunca mais alguém coma do teu fruto». E os discípulos escutavam. Chegaram a Jerusalém. Quando Jesus entrou no templo, começou a expulsar os que ali vendiam e compravam: derrubou as mesas dos cambistas e os bancos dos vendedores de pombas e não deixava ninguém levar nada através do templo. E ensinava-os, dizendo: «Não está escrito: ‘A minha casa será chamada casa de oração para todos os povos’? E vós fizestes dela um covil de ladrões». Os príncipes dos sacerdotes e os escribas souberam disto e procuravam maneira de o fazer morrer. Mas temiam Jesus, porque toda a multidão andava entusiasmada com a sua doutrina. Ao cair da noite, Jesus e os discípulos saíram da cidade. Na manhã seguinte, ao passarem perto da figueira, os discípulos viram-na seca até às raízes. Pedro recordou-se do que tinha acontecido na véspera e disse a Jesus: «Olha, Mestre. A figueira que amaldiçoaste secou». Jesus respondeu: «Tende fé em Deus. Em verdade vos digo: Se alguém disser a este monte: ‘Tira-te daí e lança-te no mar’, e não hesitar em seu coração, mas acreditar que se vai cumprir o que diz, assim acontecerá. Por isso vos digo: Tudo o que pedirdes na oração, acreditai que já o recebestes e assim sucederá. E quando estiverdes a orar, se tiverdes alguma coisa contra alguém, perdoai, para que o vosso Pai que está nos Céus vos perdoe também as vossas faltas». (Mc 11, 11-26).


       Jesus já avisara os seus discípulos que a subida a Jerusalém não será um passeio, mas aproxima-se a hora de o Filho do Homem ser entregue às autoridades, ser morto e três dias depois ressuscitar. Os apóstolos não reagem muito bem, ou melhor, procuram acautelar os seus interesses, ver qual deles ficará no primeiro lugar. ouvem então a resposta de Jesus: O Filho do Homem não veio para ser servido mas para servir e dar a visa pela redenção de todos.
       O Evangelho que escutamos hoje faz-nos entrar com Jesus em Jerusalém e concretamente no templo. O Cego Bartimeu começou a ver com a Luz que recebeu de Jesus, mas parece que a Luz ainda não chegou a todos.
       Um pouco antes, na viagem para Jerusalém, Jesus e os discípulos sentem fome. Aproximam-se de uma figueira, mas ela não tem alimento. Então Jesus faz com que a figueira fique seca.Cegam a Jerusalém, entram no templo e eis o confronto com os cambistas em que Jesus os expulsa. Dois momentos que deixam transparecer alguma irritação por parte de Jesus. A primeira não é perceptível. Se não era tempo de figos... No Templo, Jesus acentua a sacralidade do Templo, por aí se invocar o Nome de Deus. Em todo o caso, Jesus acentuará a prevalência do Templo espiritual que deve ser cada pessoa.
       Ao passarem de novo pela figueira, já seca, Jesus aproveita a ocasião para um ensinamento extraordinário sobre a força da fé e da oração. Percebe-se melhor o gesto para fortalecer a fé dos discípulos, do que a "irritação" pelo facto da figueira não dar fruto fora de tempo, a não ser que Jesus queira que os seus discípulos, hoje somos nós, deem fruto em todo o tempo e que nem o tempo seja desculpa para não produzir abundante fruto.

quarta-feira, 25 de maio de 2016

Santa MARIA MADALENA DE PAZZI, virgem

Nota biográfica:
       Nasceu em Florença no ano 1566: teve uma piedosa educação e entrou na Ordem das Carmelitas; levou uma vida oculta de oração e abnegação, rezando assiduamente pela reforma da Igreja e dirigindo as suas irmãs religiosas no caminho da perfeição. Recebeu de Deus muitos dons extraordinários. Morreu no ano 1607. 


Oração de coleta:

       Senhor, que amais a virgindade e cumulastes de dons celestes Santa Maria Madalena de Pazzi abrasada no vosso amor, concedei-nos que, celebrando hoje a sua memória, imitemos o exemplo da sua pureza e caridade. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo. 

Dos Escritos sobre a Revelação e a Provação, de Santa Maria Madalena de Pazzi, virgem

Vinde, Espírito Santo

Verdadeiramente admirável sois Vós, ó Verbo de Deus, no Espírito Santo, ao fazer que Ele se infunda de tal modo na alma, que ela chegue a unir-se a Deus, conheça a Deus, saboreie Deus, e em nada se alegre fora de Deus.
O Espírito Santo desce à alma, marcado com o precioso selo do Sangue do Verbo, do Cordeiro imolado; mais ainda, é esse mesmo Sangue que o incita a descer, embora o Espírito já por Si tenha esse desejo.
O Espírito que assim deseja, é a substância do Pai e a substância do Verbo; procede da essência do Pai e do beneplácito do Verbo, vem como fonte que se difunde na alma, e a alma submerge-se n’Ele. Assim como dois rios, confluindo, de tal modo se misturam que o menor perde o seu nome e recebe o do maior, assim actua este Espírito divino, quando desce à alma para com ela Se unir. Mas é necessário que a alma, que é menor, perca o seu nome e o ceda ao Espírito Santo; e deve fazer isto transformando-se de tal modo no Espírito que se torne com Ele uma só coisa.
Porém, este Espírito, distribuidor dos tesouros que estão no coração do Pai e guarda dos segredos entre o Pai e o Filho, introduz-Se tão suavemente na alma que não se sente a sua vinda e, pela sua grandeza, poucos O apreciam.
Com a sua densidade e a sua leveza entra em todos os lugares que estão aptos e predispostos para O receber. Na sua palavra frequente, como também no seu profundo silêncio, é ouvido por todos; com impetuosidade e prudência, imóvel e mobilíssimo, penetra em todos os corações.
Não Vos ficais, Espírito Santo, no Pai imóvel e também não Vos ficais no Verbo; estais sempre no Pai e no Verbo, e em Vós mesmo, e em todos os espíritos bem-aventurados e nas criaturas. Sois necessário à criatura, por causa do Sangue derramado pelo Verbo Unigénito, o qual, pela veemência do amor, se tornou necessário à sua criatura. Repousais nas criaturas que se predispõem com pureza a receber em si, pela comunicação dos vossos dons, a vossa própria semelhança. Repousais nas almas que recebem em si os efeitos do Sangue do Verbo e se tornam habitação digna de Vós.
Vinde, Espírito Santo. Venha a união do Pai e o beneplácito do Verbo. Vós, Espírito da verdade, sois o prémio dos santos, o refrigério das almas, a luz das trevas, a riqueza dos pobres, o tesouro dos que amam, a abundância dos famintos, a consolação dos peregrinos; enfim, Vós sois Aquele que contém em Si todos os tesouros.
Vinde, Vós que, descendo a Maria, realizastes a Encarnação do Verbo, e realizai em nós, pela graça, o que n’Ela realizastes pela graça e pela natureza.
Vinde, Vós que sois o alimento de todo o pensamento casto, a fonte de toda a clemência, a plenitude de toda a pureza.
Vinde e transformai tudo o que em nós é obstáculo para sermos plenamente transformados em Vós.

segunda-feira, 23 de maio de 2016

Grupo de Jovens na Jornada da Juventude

       A Jornada Diocesana da Juventude é um ponto alto das atividades pastorais propostas para os jovens, no caso concreto, da Diocese de Lamego. Alterna de Arciprestado para Arciprestado, e atualmente por zonas pastorais, potenciando o trabalhos de jovens, grupos, paróquias que se envolvem e comprometem com a preparação da Jornada.
       Este ano coube à Zona Pastoral de Tarouca acolher o repto do Secretariado Diocesano da Juventude (SDPJ de Lamego) para realizar a Jornada. O lugar escolhido foi Santa Helena da Cruz, em Tarouca, no dia 20 de maio de 2016. Uma manhã preenchida por diferentes propostas, caminhada, confissões, workshops, relacionando a oração e a misericórdia, seguindo a temática do Jubileu da Misericórdia e do Plano Pastoral da Diocese de Lamego.
       O Grupo de Jovens de Tabuaço marcou presença, integrando jovens da Paróquia de Carrazedo.
Outras fotos na página da Paróquia de Tabuaço no Facebook

sábado, 21 de maio de 2016

Solenidade da Santíssima Trindade - C - 22.maio.2016

       1 – Em muitas situações da vida temos dificuldade em compreender, aceitar e acolher uma opinião diferente da nossa, uma forma de viver que nos é alheia, uma postura que temos como petulante e prepotente. Umas vezes com razão. Muitas vezes porque não demos tempo para que o outro explicasse. Não escutámos. Com pressa, adiantamo-nos a silenciamos outras opções, para não termos nem que refletir nem que escolher.
       Ao fim e ao cabo, todos somos tolerantes e compreensivos quando concordam connosco e/ou quando estimamos aqueles que se nos contrapõem. É conhecido o episódio em que os discípulos voltam para junto de Jesus, dizendo-Lhe, satisfeitos da vida, que proibiram um homem de expulsar espíritos impuros em Seu nome por não fazer parte do grupo (Mc 9, 38-40 ). Pouco depois Jesus dir-lhes-á que entre eles o serviço aos outros deve ser uma prioridade e um compromisso constante. As disputas para o primeiro lugar ficam reservadas para os chefes das nações, não para os Seus seguidores (cf. Mc 9, 30-37). E, por outro lado, o bem é sempre bem, venha de onde vier!
       Se olharmos para a política, para o desporto e até para a Igreja vemos com facilidade a tentação de excluir quem não concorda com as nossas ideias e com as nossas opções. Só o que vem da minha bancada, da minha janela, do meu grupo, do meu clube é que é positivo e defensável. Somos pouco trinitários, temos dificuldades ancestrais em aceitar e acolher o que não é familiar, por defesa, por medo, por insegurança e/ou por sobrevivência. Quando duas tribos se encontravam, lutavam pelo mesmo lugar, mediam forças e tentavam aniquilar-se mutuamente garantindo que não estariam sujeitas a novas ameaças. Cortava-se o mal pela raiz! Ou, estabelecem uma aliança de cooperação, garantida por casamentos mistos, envolvendo as famílias das duas tribos.
        Segundo o livro do Génesis, Deus criou-nos para vivermos como família, um só povo porque um só Deus e Pai de todos. O pecado – quando cada um encara o outro como adversário e como inimigo, o outro como impossibilidade para "eu" ser deus – gera conflitos, disputas, guerras, ruturas. Afastam-se os mais frágeis. Impõem-se os mais fortes. Pelo menos até certo ponto, pois os mais fracos podem preparar-se e fortalecer-se para se tornarem mais fortes e poderem voltar à luta.
       2 – A solenidade da Santíssima Trindade cria mais uma oportunidade para louvarmos o Deus que nos é revelado por Jesus Cristo, que O encarna, personificando-O no tempo e na história, mostrando-O (quem Me vê, vê o Pai), dando-lhe um rosto, um corpo, tornando-O visível. Em Jesus Cristo, vemos Deus. Nos seus gestos e palavras. Na Sua postura e nas Suas escolhas. Na Sua delicadeza e na Sua compaixão. Cumprido o tempo, Ele enviar-nos-á o Espírito Santo, para que continue a revelar-nos a misericórdia infinita do Pai e a suscitar em nós a docilidade para O acolhermos, vivendo-O e testemunhando-O em todo o mundo e em todo o tempo.
       Acompanhando Jesus, os discípulos veem e compreendem que para Deus não há excluídos. Na expressão do Papa Francisco, não há santos sem passado e sem pecado, e não há pecadores sem futuro, sem possibilidade de se arrependerem e mudarem de vida. Para Jesus, os pecadores, os excluídos do poder, da sociedade, da cultura, da religião, as pessoas doentes, os publicanos, os pequeninos, as prostitutas, as pessoas cujas profissões "menores" as afastam dos reinos deste mundo, têm preferência no Reino de Jesus, não por serem melhores mas precisamente porque são os primeiras a precisarem de ser socorridos. Os pais darão uma atenção privilegiada ao filho que está doente ou está mais frágil, não por desamor em relação aos outros, mas para que aquele volte à mesa e ao convívio. E isso é ser família, cuidar uns dos outros, a começar pelos mais frágeis. Sabemos bem como atravessamos a cultura do descarte (expressão do Papa Francisco)! Desafio: construir a cultura da proximidade, da inclusão, instaurando a civilização do amor e da vida, já preconizada por Paulo VI, acentuada por João Paulo II, clarificada por Bento XVI e globalizada por Francisco.
       3 – O Evangelho hoje proclamado coloca-nos nos últimos momentos da vida histórico-temporal de Jesus. A caminhada percorrida com os Seus discípulos já tem algum tempo. Amadureceram. Puderam ver Jesus, a Sua postura delicada, a atenção aos mais frágeis, a confiança que lhes comunicou a falar do Pai, o reino aberto a todos.
       Ao aproximar-se o final, Jesus sabe que ainda precisam de mais tempo, mas sobretudo precisam de se manter ligados ao Pai, pelo Espírito Santo. Se nos apoiarmos em nós, as nossas limitações e fraquezas virão ao de cima e facilmente podemos ensoberbecer-nos. Se nos deixarmos guiar pelo Espírito, Ele nos revelará a verdade, além das nossas debilidades e pecados. Somos vasos de barro, mas ainda assim Deus manifesta-Se em nós e através de nós. O Espírito de Deus faz-nos perceber da nossa grandeza, porque filhos de Deus, e da nossa dependência aos outros, porque irmãos; faz-nos acolher os outros como família e não como adversários e inimigos, mostrando-nos o caminho a percorrer e a distância que nos separa – e nos atrai – da misericórdia de Deus.
       Diz Jesus: «Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas não as podeis compreender agora. Quando vier o Espírito da verdade, Ele vos guiará para a verdade plena; porque não falará de Si mesmo, mas dirá tudo o que tiver ouvido e vos anunciará o que está para vir. Ele Me glorificará, porque receberá do que é meu e vo-lo anunciará. Tudo o que o Pai tem é meu. Por isso vos disse que Ele receberá do que é meu e vo-lo anunciará».
       O Espírito Santo nos revelará toda a verdade, recordar-nos-á as palavras de Jesus, palavras que nos geram para a vida eterna e nos comprometem com o reino de Deus, aqui e agora, neste mundo.
       4 – A economia da salvação traz-nos Deus. Como alguém dizia, não é preciso a chegada de Cristo ou do Papa Francisco, para chegar à humanidade a misericórdia de Deus. A Sagrada Escritura vai dando nota da presença benevolente de Deus na História. Pelos mensageiros, Patriarcas, Juízes, Profetas e Reis. Pelos acontecimentos que colocam à prova a fé e a firmeza do povo eleito.
       O livro dos Provérbios fala-nos da Sabedoria de Deus, que poderemos, seguindo a reflexão dos Padres da Igreja e com algumas cautelas, identificar com o próprio Jesus.
       A sabedoria de Deus apresenta-se: «O Senhor me criou... antes das suas obras mais antigas. Desde a eternidade fui formada, desde o princípio, antes das origens da terra. Antes de existirem os abismos e de brotarem as fontes das águas... antes de se implantarem as montanhas e as colinas... ainda o Senhor não tinha feito a terra e os campos, nem os primeiros elementos do mundo. Quando Ele consolidava os céus, eu estava presente; quando traçava sobre o abismo a linha do horizonte, quando condensava as nuvens nas alturas, quando fortalecia as fontes dos abismos, quando impunha ao mar os seus limites para que as águas não ultrapassassem o seu termo, quando lançava os fundamentos da terra, eu estava a seu lado como arquiteto, cheia de júbilo, dia após dia, deleitando-me continuamente na sua presença».
       Há páginas nos profetas que anunciam a vinda do Messias. Com efeito, ler o Antigo Testamento com a luz da Páscoa, que inclui o mistério da Encarnação, ajuda a perceber o encadeamento da história da Aliança de Deus com o Seu povo. Uma Aliança que não fica em banho-maria, mas tem um desfecho. Ao mesmo, lendo o Novo Testamento com os seus antecedentes, ajuda a perceber e acolher melhor todo o mistério de Deus que Se revela ao longo do tempo e em plenitude com a vinda de Jesus Cristo. Não é um momento, um rompante. Deus, desde sempre, cria-nos por amor, querendo-nos bem, vem salvar-nos. Toda a história da humanidade está imbuída da misericórdia complacente de Deus. 

       5 – Na segunda leitura, o Apóstolo São Paulo desafia-nos a confiarmos a nossa vida a Deus que é Pai e Filho e Espírito Santo, na certeza que não nos desiludiremos. Com efeito, fomos "justificados pela fé, estamos em paz com Deus, por Nosso Senhor Jesus Cristo, pelo qual temos acesso, na fé, a esta graça em que permanecemos e nos gloriamos, apoiados na esperança da glória de Deus. Mais ainda, gloriamo-nos nas nossas tribulações, porque sabemos que a tribulação produz a constância, a constância a virtude sólida, a virtude sólida a esperança. Ora a esperança não engana, porque o amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado".
       A esperança em Deus anima-nos nas tribulações e fortalece-nos no compromisso para construirmos um mundo mais fraterno, iniciando o reino de Deus que Jesus nos trouxe da eternidade, para a qual nos conduzirá. Há que converter as dificuldades em provações e oportunidades!
       Confiemo-nos nas mãos e no coração de Deus: "Deus Pai, que revelastes aos homens o vosso admirável mistério, enviando ao mundo a Palavra da verdade e o Espírito da santidade, concedei-nos que, na profissão da verdadeira fé, reconheçamos a glória da eterna Trindade e adoremos a Unidade na sua omnipotência" (oração de coleta).

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (C): Prov 8, 22-31; Sl 8; Rom 5, 1-5; Jo 16, 12-15.

quinta-feira, 19 de maio de 2016

A Páscoa de Jesus e o nosso compromisso batismal

       Liturgicamente, tendo celebrado a Ascensão do Senhor, vamos centrar-nos no Pentecostes, a dádiva do Espírito Santo. Com a plenitude da Páscoa, nasce a Igreja e os cristãos que a constituem. Doravante, Jesus tem outros olhos, outra voz, outras mãos, outros pés. Ele está vivo em nós e através de nós.
       As Suas últimas palavras são de despedida, de promessa, de esperança e de envio. Sintetizam o mistério pascal, comprometendo os discípulos. Doravante não poderão calar o que viram e ouviram: «Vós sois testemunhas destas coisas» (Lc 24, 48).
       Ao longo de três anos – a vida pública de Jesus –, os apóstolos foram testemunhas de um sonho, um projeto de vida, um desafio envolvente. O reino de Deus a emergir na pessoa de Jesus Cristo, nas Suas palavras e nos Seus gestos de compaixão e de proximidade, de delicadeza e de acolhimento. Uma mesa posta para todos. Um banquete para incluir, a começar pelos excluídos. Um reino de portas abertas, integrador, em que ninguém está a mais. Acompanham-n'O camponeses, pedintes, doentes, maltrapilhos. Não admira que Ele tenha o cheiro das ovelhas. Mais que um estilo (exterior) é um jeito de ser, um compromisso. A santidade de Jesus mistura-se com o (nosso) pecado, a divindade abaixa-Se para caminhar connosco e nos elevar.
       A Ascensão de Jesus e o dom do Espírito Santo leva-nos a sério. Não somos mais crianças de levar pela mão. O tempo de aprendizagem perdura a vida toda mas há um momento em que as aprendizagens e os instrumentos nos responsabilizam e nos é passada a bola. Cabe-nos prosseguir o caminho aberto por Jesus.
       Depois da Sua paixão, diz-nos São Lucas, Jesus apareceu vivo aos Seus discípulos, durante 40 dias (tempo necessário para iniciar e cimentar uma nova forma de se relacionarem com o Mestre), falando-lhes ainda e sempre do reino de Deus. Agora é tempo de descobrirem Jesus no mundo das pessoas e não ficar simplesmente à espera que do Céu venha a resolução de todas as dificuldades (cf. Atos 1, 1-11).
       Não apenas eles. Também nós. Quantas vezes ficamos à espera? De sinais! De respostas! De soluções! Por vezes deixamos o tempo passar a ver se tudo se resolve! Ou deixamos para ver se outros resolvem! Então do Céu a mesma voz: Por que esperais? Ele está convosco e através de vós continua a agir no mundo.
       Ele não nos faltará com a Sua presença e o Seu amor. Até ao fim!

Publicado na Voz de Lamego, n.º 4362 , de 10 de maio de 2016

terça-feira, 17 de maio de 2016

Paróquia de Tabuaço | Festa do Credo | 2016

       No dia 15 de maio de 2016, solenidade de Pentecostes, a Paróquia de Nossa Senhora da Conceição de Tabuaço viveu mais uma festa da Catequese, a Festa do Credo. Nos últimos anos, esta solenidade tem sido valorizada com a festa da Profissão de Fé. Porém, este ano e infelizmente, não existe o 6.º Ano de Catequese, pelo que também não há lugar à Profissão de Fé. Credo e Profissão de Fé assemelham-se. Daí a opção por colocar a festa na Solenidade do Pentecostes, na certeza que só o Espírito Santo nos faz professar a fé em Deus que é Pai, criador do universo, que é Filho, que encarna para viver connosco, é morto e ressuscita, que Espírito Santo, que gera a vida e nos santifica, e na Igreja na qual Jesus vive e Se manifesta ao mundo.
       Os meninos do 5.º Ano, com as suas catequistas, apresentaram-se felizes e com vontade de festejar o Credo. Alguns momentos sublinhados: a oração de fiéis, evocando os dons do Espírito Santo, e a Profissão de Fé - Credo, envolvendo catequistas, sacerdote, pais, padrinhos/madrinhas de batismo e, claro, os catequizandos.
       Fotos desta festa, simples mas muito significativa, para os intervenientes diretos e suas famílias e para a comunidade paroquial:

Para outras fotos disponíveis, visitar a Paróquia de Tabuaço no Facebook

segunda-feira, 16 de maio de 2016

Angelo Comastri - Onde está o teu Deus?

ANGELO COMASTRI (2006). Onde está o teu Deus? Histórias de conversões do século XX. Prior Velho: Paulinas Editora. 152 páginas.
(Angelo Comastri, à direita de Bento XVI, à esquerda na foto)

       Na aquisição de um outro livro, no caso de Tomás Halík, vinha este como oferta. Primeiro pensamento quando surge um livro como oferta para promover outro: não há de ser muito bom, ou não teve muita saída, e estão a aproveitar para despachar. Mas cedo nos apercebemos, folheando, que seria uma leitura interessante. Já me tinha acontecido com outro livro: SONALI DERANIYAGALA (2015). Vida Desfeita. Também vinha como oferta e foi uma leitura empolgante, sabendo, para mais, que correspondia a uma situação real.
       Angelo Comastri, Vigário do Papa Bento XVI para a cidade de Roma, recolhe alguns testemunhos de pessoas que se converteram ao cristianismo, vindos do ateísmo, do comunismo, do judaísmo, ou de uma cristianismo apagado e indiferente.
       A conversão é uma realidade que a todos diz respeito. Ao longo de toda a vida há de merecer a nossa atenção. Todos nos encontramos em processo de conversão, com dúvidas e questionamentos. Há depois aqueles cuja conversão foi mais repentina, mais acentuada, mais luminosa. Figuras como a de São Paulo ou Santo Agostinho de Hipona, mas também de outros, como Santa Teresa de Jesus, fervorosa criança e adolescente crente, que se distanciou, mas que a determinada altura da sua vida, percebeu, viu, que teria que alterar a sua vida de forma radical, deixando as modas, as intrigas da alta sociedade, para se entregar inteiramente a Jesus Cristo.
       O autor apresenta-nos as figuras de Adolfo Retté, André Frossard, giovanni Papini, Edith Stein, Eugénio Zolli, Serjej Kourdakov e Pietro Cavallero. Ao falar a conversão de cada um, apresenta outros testemunhos semelhantes. No final de cada "biografia" o convite à oração.

  • Adolphe Retté - testemunhos semelhantes de Josué Carduci e Aldo Brandirali -, em 1907, tornou pública a sua conversão, com o diário "Do diabo a Deus". Cresceu e foi educado na fé, mas numa família dividida. Em adulto tornou-se ateu e inimigo da religião, dedicando-se a mostrar que Deus não existia. No final de uma conferência, um jardineiro interpela-o, dizendo que sabia que Deus não existe, mas perguntando que se o mundo não foi criado por ninguém, como é que tudo começou, o que é que a ciência sabe sobre o assunto. Intrigado por esta questão e sabendo que a ciência não tem uma resposta, começou a buscá-la, mormente quando lê a Divina Comédia, os cantos do Purgatório. Começa então a escutar uma voz interior que o desafia. Pouco a pouco vai descobrindo que a fé é luz e caminho, é verdade e vida. Ainda resiste, escrevendo contra a religião, mas já não havia volta a dar...
  • André Frossard - exemplo próximo, vindo das luzes de Paris, Paul Claudel -, era um ateu perfeito, como o próprio confessa, anticlerical, escarnecendo da religião como se fora um conto de fadas. Quando completou 15 anos de idade, pegou numa mão cheia de dinheiro e ia passar a noite com uma prostituta. No comboio viu um mendigo magríssimo e percebeu que não iria mais longe, o dinheiro seria para aquele mendigo... começava a conversão. Um dia entra numa Igreja, porque o amigo de quem estava a espera, estava a demorar demasiado, e decidiu entrar... cético, ateu convicto... e saiu de lá católico, romano, apostólico, atraído, levantado, retornado, ressuscitando por uma alegria inexplicável...
  • Giovanni Papini - exemplo semelhante, Marco Pisetta, ex-terrorista que se converteu a Jesus Cristo -. Contra a vontade do pai, mação convicto e republicano feroz, a mãe fê-lo batizar. No entanto, Giovanni tornou-se um fervoroso anticatólico. Em 1911, publicou as Memórias de Deus cheio de blasfémias. Mas as dúvidas assolam-no. Quer certezas que não encontra. Vários momentos o conduzem à conversão, a comunhão da sua menina, a doçura cristã da esposa, as censuras dos amigos, as leituras daquela altura, com Santo Agostinho, Pascal e os Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loiola, a Imitação de Cristo... o coração já gravitava à volta de Cristo... e depois tudo era pouco para falar de Jesus Cristo!
  • Edith Stein - busca pela verdade condu-la a Cristo. Judia, longe de algum dia imaginar converter-se ao cristianismo. Com um temperamento independente em relação à família e às tradições judaicas, decide buscar a verdade, através do estudo. Terá como professores Husserl e mais tarde Max Scheler, filósofo judeu convertido aos cristianismo. Em 1915, trabalha como voluntária na Cruz Vermelha para tratar soldados vítimas do tifo e da cólera e aprende que a última palavra não é da ciência mas da dedicação. No verão de 1921, em casa de uma família amiga, para passar o tempo lê a autobiografia de Santa Teresa de Jesus (Teresa de Ávila), até de madrugada, concluindo: "Esta é a verdade". Tornando-se católica, viria a ser religiosa carmelita, e depois deportada pelos nazis da Holanda, vindo a ser morta por ser religiosa de origem judaica.
  • Eugénio Zolli - Israel Zolli era o grande rabino da comunidade israelita de Roma durante os dramáticos acontecimentos da 2.ª Guerra Mundial. Acabada a guerra tornou-se cristão-católico, testemunhando a sua fé e adesão a Jesus Cristo e ao Evangelho. Um terramoto. Sendo uma figura proeminente do judaísmo, a sua conversão trouxeram-lhe fortes ataques, além de ficar sem as condições económicas e financeiras, mas persistiu o chamamento de Cristo, a visão de Cristo a pousar-lhe a mão sobre os ombros. Também a esposa e posteriormente a filha se viriam a tornar cristãs. Esta conversão é também um testemunho favorável ao Papa Pio XII, muitas vezes acusado de silêncio sobre os ataques nazis, mas por muitos judeus reconhecido o seu papel em salvar milhares de judeus ao abrir-lhes, por exemplo, igrejas e conventos para os proteger.
  • Sergei Kourdakov - nasceu em 1 de março de 1951, na Sibéria. Os avós paternos morreram de inanição e fome, o pai foi fuzilado em 1955 e a mãe morreu de desgosto pouco depois. Até aos seis anos algumas famílias de amigos acolheram-no, depois foi para os colégios do Estado, saltando de um para outro. Aprendeu a lutar para se defender. Os seus educadores tinham horror a Deus. Foi-lhe inculcado que a religião não era inimiga mas os crentes e era estes que era preciso silenciar, perseguir, destruir. Viria a ser responsável de um grupo sempre à cata de grupos de cristãos reunidos para os ameaçar, bater, prender. Pelo meio encontra uma jovem persistente, é agredida com violência, numa reunião seguinte volta a encontrá-la e depois novamente, Fica admirado como é que alguém pode correr tantos riscos em nome da religião... um dia a arrumar a cave da esquadra, enquanto arrumava material confiscado aos crentes, para queimar e destruir, depara-se com uma página do evangelho manuscrita... e começa a fuga para o cristianismo. Na noite de 3 para 4 de setembro de 1971, a pouquíssimos quilómetros do Canadá, abandona o barco em que seguia e é-lhe dado azilo no Canadá... para procurar Deus... dando testemunho da sua vida crente... será morto a 1 de janeiro de 1973... já se tinha encontrado com Cristo.
  • Pietro Cavallero - é preso a 3 de outubro de 1967, depois de uma fuga de 8 dias, após a matança no largo Zandonai, na Itália. Ficou conhecido como o "bandido que ri", apesar de nunca se rir, apenas quando foi preso quando disparou o último tiro, pois não tinha mais balas... depois de encontrar Cristo passou a ter motivos para sorrir. Converteu-se... mas nunca arranjou atenuantes para o seu comportamento, tendo consciência dos erros cometidos...

Tudo é possível a quem acredita...

       Jesus desceu do monte, com Pedro, Tiago e João. Ao chegarem junto dos outros discípulos, viram uma grande multidão à sua volta e os escribas a discutir com eles. Logo que viu Jesus, a multidão ficou surpreendida e correu a saudá-l’O. Jesus perguntou-lhes: «Que estais a discutir?». Alguém Lhe respondeu do meio da multidão: «Mestre, eu trouxe-Te o meu filho, que tem um espírito mudo. Quando o espírito se apodera dele, lança-o por terra, e ele começa a espumar, range os dentes e fica rígido. Pedi aos teus discípulos que o expulsassem, mas eles não conseguiram». Tomando a palavra, Jesus disse-lhes: «Oh geração incrédula! Até quando estarei convosco? Até quando terei de vos suportar? Trazei-mo aqui». Levaram-no para junto d’Ele. Quando viu Jesus, o espírito sacudiu fortemente o menino, que caiu por terra e começou a rebolar-se espumando. Jesus perguntou ao pai: «Há quanto tempo lhe sucede isto?». O homem respondeu-lhe: «Desde pequeno. E muitas vezes o tem lançado ao fogo e à agua para o matar. Mas se podes fazer alguma coisa, tem compaixão de nós e socorre-nos». Jesus disse: «Se posso?... Tudo é possível a quem acredita». Logo o pai do menino exclamou: «Eu creio, mas ajuda a minha pouca fé». Ao ver que a multidão corria para junto d’Ele, Jesus falou severamente ao espírito impuro: «Espírito mudo e surdo, Eu te ordeno: sai deste menino e nunca mais entres nele». O espírito, soltando um grito, agitou-o violentamente e saiu. O menino ficou como morto, de modo que muitas pessoas afirmavam que tinha morrido. Mas Jesus tomou-o pela mão e levantou-o, e ele pôs-se de pé. Quando Jesus entrou em casa, os discípulos perguntaram-Lhe em particular: «Porque não pudemos nós expulsá-lo?». Jesus respondeu-lhes: «Este género de espíritos não se pode fazer sair, a não ser pela oração» (Mc 9, 14-29).
       Ao descer da Montanha, onde Se tinha transfigurado, à vista de Pedro, Tiago e João, Jesus encontra grande alvoroço, com pessoas descontentes com os discípulos de Jesus por não terem conseguido expulsar um espírito impuro de uma criança. Jesus intervém e cura a criança.
      Aos discípulos diz-lhe da necessidade da oração. Para vencer o mal é preciso rezar, rezar muito, rezar confiantes, colocar tudo nas mãos de Deus, acreditar na força da oração, na força da fé. Há situações que só com Deus e em Deus têm solução.
       A reação de Jesus aponta à falta de fé não apenas dos discípulos mas também de escribas e doutores da lei e de todos aqueles que constantemente testam Deus, para que se faça não a Sua vontade, mas os seus desejos.
       Claramente, Jesus fala da importância da fé. Só esta nos coloca diante de Deus, da Sua força, do Seu Espírito e do Seu Amor por nós, e nos faz ver a nossa pequenez. Reconhecendo a nossa indigência encontraremos em Deus o "poder" ou o "amor" para transformar o mundo, não em função de nós, mas a favor do próximo. Do mesmo modo a oração. Diálogo em dois sentidos: falamos com Deus e Ele fala connosco. Não vale só a multiplicação das palavras, é urgente o silêncio, a escuta, deixar que Deus nos fale ao coração. A oração, expressão da nossa fé, abre a nossa vida para Deus e predispõe-nos para O acolhermos e O comunicarmos aos outros.

sábado, 14 de maio de 2016

Solenidade de Pentecostes - ano C - 15 . maio . 2016

       1 – A Páscoa é um acontecimento inaudito que altera a história para sempre. Não é um acontecimento materialmente comprovável (em si mesmo) mas é visível e real pelos frutos que gera. Apanha os apóstolos desprevenidos e apanha-nos entre dúvidas e questionamentos. É uma enxurrada de vida e de luz, que por vezes nos sossega e nos impele para o futuro e outras vezes nos assusta e nos retém no passado ou na fragilidade do momento. Com a ressurreição de Cristo, a vastidão do Céu abre-se para nós. Já não vivemos marcados pelas trevas, mas pela claridade, pela luz. Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida. Por Ele vamos ao Pai. É o Rosto e o Corpo e a Presença do Pai.
       Encarnou, viveu, foi morto, ressuscitou. Agora vive junto do Pai, mas com a mesma sacramentalidade de nos dar a eternidade e nos mostrar o Céu. Está presente de maneira nova, pelo Espírito Santo, que Ele envia de junto do Pai e nos dá em abundância. A Sua promessa cumpre-Se em plenitude com o Espírito Santo. Encarnação, Paixão, Páscoa, Ascensão e Pentecostes. Um único mistério de amor. Deus dá-Se totalmente. Ele que nos criou por amor, por amor nos redime.
       No primeiro dia da Semana, tempo novo, de graça e de salvação, de luz e de misericórdia, os apóstolos encontram-se atordoados, ainda inconsoláveis com os acontecimentos dos dias anteriores. O Mestre da Docilidade, que pregou a paz, a justiça, o amor, a inclusão, o perdão, a igualdade entre todos, a filiação comum, um reino para todos, foi preso, escarnecido, esbofeteado, chicoteado, crucificado como um malfeitor. Fica sem chão e sem pátria, Ele que Se abaixou na perfeição, ajoelhando e lavando-nos os pés. É levantado da terra, na Cruz, como escárnio. Que fazer? Como pôde ter acontecido? Não era Ele o Messias prometido? Como pôde Deus permitir tal atrocidade?
       Se foi assim com o Mestre do Amor, não se espera outro desfecho para os seus seguidores! Fogem. Escondem-se. Fecham-se em casa, com medo dos judeus. Naquela tarde, no PRIMEIRO DIA da Nova Criação, Jesus apresenta-Se vivo no MEIO deles. Com a mensagem de sempre: «A paz esteja convosco».
       2 – Para que as dúvidas sejam integradas na fé, Jesus mostra-lhes as mãos e o lado. Não é engano. Não é um fantasma ou um espírito que anda a vaguear. É o próprio Cristo. As marcas da paixão, aliás, as marcas do amor, da entrega, estão visíveis. Não há que enganar. É Cristo Jesus. Não é uma ilusão de ótica, ainda que a fé seja interior, espiritual. Jesus deixa-Se ver. Como prometera. Agora estais tristes, porque vou partir, mas logo regressarei e então a vossa alegria será completa.
       A mensagem ratifica os sinais: «A paz esteja convosco. Assim como o Pai Me enviou, também Eu vos envio a vós». Jesus cumpriu o tempo, preencheu o mundo com a misericórdia de Deus. Três anos intensos. Por campos e cidades. Ao encontro das pessoas. Com gestos e palavras convida todos para o Seu Reino de amor. Com a Sua morte, e previamente preparados, os discípulos assumem a mesma missão de viver e testemunhar o Reino de Deus, levando-o a toda a parte, a todas as pessoas.
       Mas não pensemos que ficam órfãos. Jesus di-lo com antecedência: enviar-vos-ei o Paráclito, o Espírito Santo, vou preparar-vos um lugar, para que onde Eu estou vós estejais também, porquanto não vos deixarei órfãos. O Espírito Santo revelar-vos-á toda a verdade, a verdade que vos transmiti.
       Jesus coloca-Se no MEIO, sopra sobre eles – NOVA CRIAÇÃO – e diz-lhes: «Recebei o Espírito Santo: àqueles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-ão perdoados; e àqueles a quem os retiverdes ser-lhes-ão retidos».
       O Espírito Santo é dado para partilhar a vida e os dons e todo o bem, nunca para reter. O que se guarda perde-se. Ganha-se o que se partilha. Só nos pertence o que damos.
       3 – São Lucas, tal como víamos na semana passada, desdobra o mistério pascal, temporal mas sobretudo espiritualmente. É um mistério tão grande que precisamos de tempo. Precisamos de rezar, meditando a grandeza da bondade de Deus que nos salva dando-nos Jesus, no tempo, e para sempre, dando-nos o Espírito Santo. Jesus vive na Palavra proclamada e vivida, vive nos Sacramentos, especialmente na Eucaristia, que nos deixou como memorial da Sua morte e ressurreição. O pão e o vinho, pela força do Espírito, convertem-se no Corpo e no Sangue de Jesus, alimentando-nos até à vida eterna. Vive por todo o bem que façamos. Vive quando acolhemos os que Ele acolheu, amou e serviu, os mais frágeis.
       A Ascensão torna claro que Jesus agirá nos e pelos Apóstolos. Agora são eles. Agora somos nós. Ficar especados a olhar para o Céu para que Deus resolva o que nos compete não nos insere no reino de Deus. Este constrói-se connosco, com os nossos talentos, com o nosso esforço. Melhor, com a mesma docilidade de Jesus, deixando que Deus Pai atue em nós pelo Seu Santo Espírito.
        Vejamos como é que o Pentecostes mudou para sempre a vida dos discípulos. A acentuação de Lucas não deixa espaço para demissão, para o medo ou para cruzar os braços. Os apóstolos estão encerrados em casa. Eis que "subitamente, fez-se ouvir, vindo do Céu, um rumor semelhante a forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram então aparecer uma espécie de línguas de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios do Espírito Santo e começaram a falar outras línguas, conforme o Espírito lhes concedia que se exprimissem".
       Com tamanha barulheira, percebe-se que outras pessoas acorram para ver o que se passa. Sublinha Lucas que eram "judeus piedosos, procedentes de todas as nações que há debaixo do céu". O Espírito Santo não se confina a um lugar ou a um grupo de pessoas. Se alguém se sente agraciado e se abre ao Espírito de Deus perceberá que é constituído missionário a favor de outros. Os Apóstolos são inundados com o fogo do Espírito e imediatamente se tornam o que são: Apóstolos de Jesus Cristo. Quem os ouve percebe-os. É a linguagem do Espírito, do amor, é a linguagem do bem e dos afetos. Todos percebem. Também nós percebemos e nos fazemos perceber se a linguagem é da escuta, do acolhimento e do serviço, da misericórdia, da bênção e do perdão.

       4 – A Páscoa envolve-nos no mistério de Deus. É dom e graça. Não depende de nós, vem de Deus e se de Deus nos vem então só Ele nos pode ensinar a acolher, a perceber e a viver.
       O Apóstolo São Paulo di-lo categoricamente: "Ninguém pode dizer «Jesus é o Senhor» a não ser pela ação do Espírito Santo". É o Espírito Santo que suscita a vocação e nos impele à missão evangelizadora. É do Espírito que recebemos os dons para nos dedicarmos uns aos outros e transformarmos o mundo, a começar pela família, pela comunidade, por aqueles que estão mesmo à nossa beira. Os apóstolos começaram de imediato a irradiar o Evangelho do Reino. Também nós fomos constituídos filhos e herdeiros para repartirmos a herança que recebemos de Cristo pelo Espírito Santo. De facto, diz São Paulo, "há diversidade de dons espirituais, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diversas operações, mas é o mesmo Deus que opera tudo em todos. Em cada um se manifestam os dons do Espírito para o bem comum. Assim como o corpo é um só e tem muitos membros e todos os membros, apesar de numerosos, constituem um só corpo, assim também sucede com Cristo. Na verdade, todos nós – judeus e gregos, escravos e homens livres – fomos batizados num só Espírito, para constituirmos um só Corpo. E a todos nos foi dado a beber um único Espírito".
       Verdadeiramente nosso é o que partilhamos com os outros. Não existem dons que não sejam partilháveis. Pelo contrário, se não são para compartir não são dons. O que é dado é para ser ofertado. Nisto se reconhece a bondade e o amor de Deus que se manifesta nos dons que nos aproximam e nos irmanam.
       5 – O Espírito Santo conforma-nos na esperança e anima-nos nas tribulações. Promessa de Jesus: "Quando vos entregarem, não vos preocupeis nem como haveis de falar nem com o que haveis de dizer; nessa altura, vos será inspirado o que tiverdes de dizer. Não sereis vós a falar, mas o Espírito do vosso Pai é que falará por vós" (Mt 10, 19-20).
       A vida em Cristo, pelo Espírito Santo, sob a bênção do Pai, não nos garante uma vida anestesiada, sem dor e sem sabor. Jesus previne os seus discípulos, dizendo-lhes que se O perseguiram a Ele que é Mestre e Senhor, o mesmo farão aos seus seguidores. Vale a pena encaixar aqui algumas palavras do Papa Francisco sobre a dádiva do Espírito e a esperança a que somos chamados: «A esperança é um dom que Deus nos concede, se sairmos de nós mesmos e nos abrirmos a Ele. Esta esperança não dececiona porque o Espírito Santo foi infundido nos nossos corações. Não faz com que tudo apareça bonito, não elimina o mal com a varinha mágica, mas infunde a verdadeira força da vida».

Pe. Manuel Gonçalves



Textos para a Eucaristia (C): Atos 2, 1-11; Sl 103 (104); 1 Cor 12, 3b-7. 12-13; Jo 20, 19-23.