sábado, 13 de maio de 2017

Domingo V da Páscoa - ano A - 14 de maio de 2017

       1 – No melhor do pano cai a nódoa! Pensamos que conhecemos alguém de ginjeira e quando vamos a dar conta somos surpreendidos, negativa ou positivamente. Por um lado, cada pessoa é um mistério, para si mesmo e muito mais para os outros. Por outro lado, a proximidade, a habituação, o conhecimento pode levar-nos a dar os outros como adquiridos, na amizade, no namoro, no casamento, no trabalho. Mantendo-nos embora os mesmos ao longo do tempo, vamos deixando de ser o que éramos para nos tornarmos o que somos. A vida está em constante ebulição. Se assim connosco, assim com os outros. Pelo que a atenção, a abertura ao bem que o outro nos traz, questionando sempre o que o outro sente, pensa e deseja, permite caminhar com mais confiança.

       2 – O Evangelho que hoje nos é proposto leva-nos aos momentos finais da vida histórica de Jesus, mas com a certeza que o futuro emergirá seguro, pois o que agora se prepara é garantido pelo Pai. O Filho não é uma invenção, uma promessa adiada, um sonho, não é uma ilusão. Quem O vê, vê o Pai. Como quem diz: este não engana, é a cara chapada do Pai. A cara e a vida toda de Jesus assoma e transparece a vida do Pai, nas palavras, nos gestos, nas obras. Jesus vem para fazer o que viu fazer ao Pai, dizer o que ouviu ao Pai, fazer as obras que o Pai lhe dá para fazer.
       Jesus vai partir. Em dois sentidos: vai ser morto e ascenderá à Casa do Pai. Prevenindo os efeitos devastadores de um e de outro momento, Jesus alerta os seus discípulos: «Não se perturbe o vosso coração. Se acreditais em Deus, acreditai também em Mim. Em casa de meu Pai há muitas moradas; se assim não fosse, Eu vos teria dito que vou preparar-vos um lugar? Quando Eu for preparar-vos um lugar, virei novamente para vos levar comigo, para que, onde Eu estou, estejais vós também. Para onde Eu vou, conheceis o caminho».
       Ao longo dos três anos da Sua vida pública Jesus faz seminário com os seus discípulos. Prepara-os para que assumam a missão de levar a paz e a esperança ao mundo inteiro, para que sejam construtores da fraternidade. Agora que o fim se vislumbra, Jesus garante-lhes que permanecerá sempre, até ao fim dos tempo, acompanhá-los-á no seu caminho, guiando-os para o Pai. Assim foi antes, assim será no futuro.
       «Há tanto tempo que estou convosco e não Me conheces, Filipe? Quem Me vê, vê o Pai». Tomé e Filipe são hoje os interlocutores de Jesus. Interrogam-n'O. Para onde vai e qual o caminho? Responde-lhes Jesus: «Eu sou o caminho, a verdade e a vida. Ninguém vai ao Pai senão por Mim». A continuidade está assegurada. Como se verá depois com as aparições: as marcas da paixão, do Crucificado, estão bem visíveis no Ressuscitado. É certo que a pessoa é um mistério incontornável. Mas se há margem para a surpresa, também há margem para a confiança.

       3 – O mistério da salvação ultrapassa qualquer racionalização fria e calculista, ainda que precisemos de refletir, ponderar, para que acolhamos Deus que vem e irrompe na nossa vida não como ilusão, mas como Pessoa que Se relaciona connosco e que em Jesus Se torna visível. Há, neste mistério, apesar da novidade, continuação da missão do Pai para o Filho, do Filho para os discípulos. «Quem acredita em Mim fará também as obras que Eu faço e fará obras ainda maiores, porque Eu vou para o Pai».
       Esta continuidade assenta na confiança. Quem vê Jesus, vê o Pai e, sendo assim, podemos confiar, pois Jesus é fiável. Ele deixou marcas de bem e de serviço, de delicadeza e bondade, perdoando, acolhendo, incluindo, convivendo com todos, priorizando a Sua ligação aos pecadores e aos pobres, aos doentes e às crianças, às mulheres e aos publicanos. Não há que enganar. Muitas vezes ficamos com o pé atrás em relação a algumas pessoas e sobretudo quando já tivemos experiências negativas e quem sabe destrutivas. Poderemos ficar de pé atrás em relação a Jesus?
       Jesus não Se impõe de forma evidente ao ponto de rasgar a nossa liberdade, mas propõe-Se com a Sua doçura e prontidão para o serviço, apontando sempre para Deus Pai, Seu alimento e fonte de todo o bem. Como o Pai Me enviou também Eu vos envio a vós.

       4 – Vivemos o Centenário das Aparições de Fátima, com a peregrinação do Papa Francisco e com a canonização de Francisco e Jacinta. Nestes dias muito se tem refletido sobre Fátima, a Mensagem comunicada por Nossa Senhora aos Pastorinhos, sobre as vivências e os riscos da devoção mariana. Alguns dos critérios para validar as Aparições e a Mensagem são conhecidos, como a continuidade com o Evangelho. Outro critério está nos frutos. Fátima converte? Leva as pessoas a mudar de vida, positivamente falando? Compromete com os outros? Compromete com a com Igreja? Faz-nos mais atentos às necessidades dos irmãos? Amadurece a nossa fé em Deus?
       Um aparte. Dizia um amigo sacerdote que alguns são tão devotos de Fátima que facilmente vão a Fátima, mas depois ficam tão cansados, tão cansados, que não conseguem andar 5 metros para ir à Igreja Paroquial e participar na Eucaristia!
       A maturidade da fé não é igual para todos, mas se a fé é autêntica conduzir-nos-á à comunidade. A fé não é minha, não é tua. Não é nossa. É a fé com que Jesus nos abre o coração para o Pai e para a eternidade. A fé insere-nos no Seu Corpo, que é a Igreja, da qual Ele é a cabeça e nós os membros.
       Deus não está longe de quantos O invocam de todo o coração. Não está longe de Jacinta, de Francisco, de Lúcia; não está longe de nós. Deixa-Se ver de forma privilegiada em Jesus Cristo, mas também em todos aqueles que em Seu nome procuram ser fiéis ao mandato de amor que Ele corporiza.
       A Virgem Maria é a primeira discípula e como discípula de Jesus, aponta-nos para Ele, sempre: Fazei tudo o que Ele vos disser. Por outro lado, foi vontade de Jesus que Maria assumisse na nossa vida um papel preponderante, o de Mãe. Nos Seus últimos desejos, nas Suas palavras finais, Jesus dá-nos Maria por Mãe e faz-nos reconhecer que somos filhos d'Ela, pelo que Ela há ser Casa para nós, há de preencher de graça e de confiança o nosso coração e a nossa vida. Também com Ela a continuidade é lógica: Ela faz-nos sentir em Casa, dulcificando a nossa vida para melhor acolhermos o Seu Filho. Quem meus filhos beija, minha boca adoça.
       Maria, porém, não é um para-raios que nos defende da maldade de Deus, como uma mãe que se interpõe entre o pai e os filhos para que estes não sejam agredidos, com o risco de levar em vez dos filhos. Pelo contrário, Deus é fonte de todo o bem, o Seu maior atributo é a Misericórdia. Como Mãe, Ela pega-nos na nossa mão e leva-nos a Jesus. Ela ajuda-nos a perceber e a familiarizar-nos com o Amor de Deus. Cheia de Graça, gera Jesus, para que também nós, frutifiquemos na graça e na bênção de Deus.

       5 – Os primeiros cristãos e as primeiras comunidades cristãs procuram ser fiéis aos ensinamentos de Jesus e merecedores da Sua morte e ressurreição. Ser fiéis não significa ficar parados no tempo, no passado, cristalizando as situações e os momentos. Pelo contrário, a fidelidade exige criatividade e inovação, procurando no momento atual responder às necessidades e urgências das pessoas.
       De dia para dia aumenta o número dos discípulos. Acentuam-se as dificuldades em atender a todas as pessoas. A comunidade reúne-se, reza ao Senhor, deixa-se iluminar pelo Espírito Santo e decide. A prioridade do anúncio não pode e não deve descurar a atenção à caridade. A caridade começa com a pregação, mas não pára aí, exprime-se e concretiza-se no serviço às pessoas mais fragilizadas.
       A missão primeira de Jesus é anunciar o Evangelho, não de forma genérica, mas em conformidade com as pessoas que encontra. Por vezes é preciso alimentar primeiro o corpo, é preciso parar para que outros possam beneficiar da Sua presença e do Seu amor. Mesmo quando os discípulos tentam afastar as pessoas, como as crianças, Jesus dá-lhes toda a atenção e todo o tempo do mundo. Não vale passar à frente, há que ajudar quem está à minha frente, ao meu lado, quem vem atrás de mim. 
       É desta forma que nos tornamos pedras vivas e entramos na construção deste templo espiritual, agregando-nos de tal forma que Jesus seja para nós a pedra angular que nos sustenta e solidifica como comunidade de irmãos. A dimensão espiritual da Igreja e dos discípulos de Cristo impede a instrumentalização dos outros e a idolatria, pois só a Deus é devido a honra, o louvor e a glória, que passa pela oração e pela vida orante, procurando servir cada um como a Cristo Senhor.

       6 – Que a oração nos predisponha para o serviço. «Senhor nosso Deus, que nos enviastes o Salvador e nos fizestes vossos filhos adotivos, atendei com paternal bondade as nossas súplicas e concedei que, pela nossa fé em Cristo, alcancemos a verdadeira liberdade e a herança eterna».
       Como pedia o Papa Francisco, em vésperas de se tornar Peregrino de Fátima, a oração dilata o nosso coração para estarmos e nos sentirmos unidos em Cristo Jesus e, juntos, comprometidos com a paz e a esperança que nos cabe semear e espalhar por todo o mundo, a toda a criatura.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (ano A): Atos 6, 1-7; Sl 33 (34); 1 Pedro 2, 4-9; Jo 14, 1-12.

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