1 – Deus «não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».
O centro gravitacional do cristianismo é a Ressurreição de Jesus. É o acontecimento fundante da comunidade cristã. Sem Ressurreição, a morte de Jesus teria sido uma entre milhares, sem história para contar que não a de um indivíduo sepultado nas tumbas de Jerusalém. Com a aparição do Ressuscitado surge a Igreja, comunidade de apóstolos e discípulos que Se reúnem congregados por Ele. Jesus apresenta-Se no meio deles, e envia-os a anunciar a Ressurreição como Luz para uma vida nova. O anúncio do Evangelho inicia após e por causa da ressurreição.
A luz da Páscoa permite re-ler e compreender toda vida e missão de Jesus, a Sua mensagem, gestos, palavras, encontros, prodígios. Muitos dos acontecimentos ficariam como meras recordações para os amigos mais próximos.
A ressurreição é a razão de ser da fé cristã, sem a qual não adiantaria falar de vida nova, de eternidade, de futuro, de Alguém que garantisse a nossa identidade para lá do tempo e da história.
Nos primeiros dias deste mês, a ida aos Cemitérios, chão sagrado que nos traz o passado e antecipa o nosso futuro, seria desoladora e desagregadora. Se esta fosse a última morada, seria muito pouco para os nossos anseios humanos, muito pouco para a nossa esperança. Melhor, seria uma esperança vã. E uma esperança vazia equivaleria a uma fé vazia, sem sentido, inútil, ilusória. A nossa fé baseia-se na Ressurreição de Jesus. É Ele a nossa esperança, a esperança de n'Ele ressuscitarmos e reencontrarmos aqueles a quem queremos bem e já partiram. Por isso rezamos por eles, trazendo-os à mesa da Eucaristia.
2 – Depois da Ressurreição, Jesus reúne os discípulos, dá-lhes o Espírito Santo, constitui-os como Seu Corpo. E com eles também nós. Somos a Sua Igreja. Ele a Cabeça. Nós os membros. Aquilo que vinha a pregar – a vida eterna, a promessa de uma morada junto do Pai, a garantia que nenhum dos Seus discípulos se perderia, o desafio para fabricar bolsas que não se rompessem – é sancionado com a Sua ressurreição.
Recuemos um pouco, ao tempo histórico de Jesus, aproximemo-nos d'Ele, como fizeram muitas pessoas naquele dia. Habituados a transacionar bens materiais, os saduceus olham para Ele com desconfiança, alguns mais preocupados com a própria carteira: tudo se resolve cá em baixo. A ressurreição poderá ser uma ilusão psicótica. À socapa alguém pergunta: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: ‘Se morrer a alguém um irmão, que deixe mulher, mas sem filhos, esse homem deve casar com a viúva, para dar descendência a seu irmão’. Ora havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem filhos... o mesmo sucedeu aos sete, que morreram e não deixaram filhos. Por fim, morreu também a mulher. De qual destes será ela esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?»
Bela maneira de pregar uma partida a Jesus, socorrendo-se dos Escritos Sagrados. Jesus, a Palavra de Deus em Pessoa, responde também com a Palavra de Deus: «Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Na ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento. E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça-ardente, quando chama ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’. Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».
A ressurreição introduz-nos no plano sobrenatural. Não é algo cuja evidência seja de natureza física, exterior, mas é experienciável interiormente, e vivida como compromisso no dia-a-dia. É um acontecimento NOVO, é dom. Não é conquista humana, é dádiva de Deus, em Cristo Jesus. Uma REALIDADE nova, e não o regresso a uma vida anterior.
3 – Quando emergimos no mistério da vida humana, a Luz da Fé faz-nos acolher a presença de Jesus Cristo, pelo Espírito Santo, de forma privilegiada no seio da comunidade eclesial. Mas não é fácil falar de morte e de vida depois da morte. Mas mais difícil seria aceitar que tudo desaparece com a morte. Então, tudo se resumiria ao cemitério, a vida dos nossos antepassados e a nossa vida, cujo futuro seria sombrio, pois desembocaria no desaparecimento definitivo de tudo o que fomos/somos, ficando, quando muito, uma memória residual da nossa passagem pelo mundo.
São preocupações de sempre. A primeira leitura, do segundo livro de Macabeus, traz-nos a história de martírio de 7 irmãos e da sua mãe. Esta incentiva a fé em Deus. Acreditar em Deus implica acreditar na vida eterna. Sem ressurreição, sem eternidade, Deus seria dispensável, pois ficaríamos sem a garantia da justiça que não se cumprisse em tempo útil, aqui na terra. Cada um dos filhos testemunha a fé que recebeu de seus pais: Um irmão: «Que pretendes perguntar e saber de nós? Estamos prontos para morrer, antes que violar a lei de nossos pais». O segundo irmão disse: «Tu, malvado, pretendes arrancar-nos a vida presente, mas o Rei do universo ressuscitar-nos-á para a vida eterna, se morrermos fiéis às suas leis». O terceiro: «Do Céu recebi estes membros e é por causa das suas leis que os desprezo, pois do Céu espero recebê-los de novo». O quarto falou assim: «Vale a pena morrermos às mãos dos homens, quando temos a esperança em Deus de que Ele nos ressuscitará; mas tu, ó rei, não ressuscitarás para a vida».
A fé na Ressurreição só em Cristo recebe a LUZ definitiva. Porém, esta esperança vai-se aprofundando ao longo da história da Aliança de Deus com o Povo eleito. Durante a vida pública de Jesus, torna-se clarividente a fé na ressurreição, como promessa, sendo visualizada na ressurreição/reanimação de Lázaro, o filho da viúva de Naim, a filha de Jairo. O poder de Deus ultrapassa a nossa limitação racional. Em todo o caso, as ressurreições realizadas por Jesus são sobretudo sinal, pois aqueles que ressuscita voltam a uma vida muito semelhante à anterior e voltarão a morrer, não ficam cá para semente. A ressurreição de Jesus abre-nos definitivamente as portas da eternidade e a comunhão plena com Deus.
4 – A ressurreição não é apenas futuro ou promessa, é realidade em Cristo e na Sua Igreja. Fomos batizados na morte e ressurreição de Cristo, morremos para o pecado para n'Ele ressuscitarmos como novas criaturas, pela água e sobretudo pelo Espírito Santo.
Se somos novas criaturas, sendo inseridos na Ressurreição de Jesus, integrando o Seu Corpo (místico), vivamos nesta condição, antecipando, clarificando e testemunhando, com a nossa postura, o que se realiza na nossa identidade batismal. Criaturas novas, em Cristo ressuscitado, assumamo-nos irmãos uns dos outros.
Vale sempre a pena escutar as recomendações do Apóstolo da Palavra, São Paulo, que acolhe na sua vida a paixão e a ressurreição de Cristo. Hoje, de novo, o testemunho e o desafio: «Jesus Cristo, nosso Senhor, e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu, pela sua graça, eterna consolação e feliz esperança, confortem os vossos corações e os tornem firmes em toda a espécie de boas obras e palavras. Entretanto, irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor se propague rapidamente e seja glorificada, como acontece no meio de vós. Orai também, para que sejamos livres dos homens perversos e maus, pois nem todos têm fé. Mas o Senhor é fiel: Ele vos dará firmeza e vos guardará do Maligno. Quanto a vós, confiamos inteiramente no Senhor que cumpris e cumprireis o que vos mandamos. O Senhor dirija os vossos corações, para que amem a Deus e aguardem a Cristo com perseverança».
Mesmo que sujeitos à perseguição e à própria morte, Deus é maior e n'Ele podemos confiar. A fé em Deus, a militância cristã, não fazem desaparecer os problemas e dificuldade mas são luz clara que aponta para a Meta e nos ajudam a enfrentar os dissabores do tempo presente, como sublinhava Bento XVI e como resumia/assumia o Papa Francisco: a fé não ilumina nem elimina todo o mal, mas é farol que nos guia e sustenta. Rezemos com fé, respondendo à palavra de Deus, com o salmo: “Firmai os meus passos nas vossas veredas, para que não vacilem os meus pés. Protegei-me à sombra das vossas asas, longe dos ímpios que me fazem violência. Senhor, mereça eu contemplar a vossa face e ao despertar saciar-me com a vossa imagem”.
Nada anula o amor de Deus por nós. Nada enfraqueça o nosso compromisso com os outros, para vivermos já como ressuscitados em Cristo, até ao dia em que nos apresentemos, finalmente, diante de Deus.
Reflexão Dominical na página da Paróquia de Tabuaço.
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