sábado, 6 de agosto de 2016

XIX Domingo do Tempo Comum - ano C - 7.agosto.2016

       1 – As palavras de Jesus são para todos. Mas nunca são para os outros. São sempre para nós. Posso recorrer ao ensinamento de Jesus para explicar, para elucidar, para corrigir com caridade, para desafiar, mas em primeiro lugar devo olhar para a minha vida confrontando-a com o que me pede Jesus.
       Quando os discípulos questionam Jesus sobre a salvação dos justos, a resposta não poderia ser mais elucidativa: preocupai-vos por entrar pela porta estreita, porque largos são os caminhos que levam à perdição. O mais é com Deus. Aos homens é impossível, a Deus tudo é possível. A salvação é dom de Deus, que toma a iniciativa. Nunca pode ser usurpação do homem.
       Jesus volta a insistir na necessidade dos bens materiais não serem um obstáculo à felicidade. O que nos salva verdadeiramente é o que podemos levar connosco para a eternidade. Tal como viemos ao mundo, dele sairemos, nus. Não levaremos nada que pese. Levaremos tudo o que liberta, o que nos fez bem, o que nos aproximou dos outros. Levamos as pessoas. Não as coisas.
       Façamos um exercício. Se fôssemos viajar, o que levaríamos? Se se só pudéssemos levar connosco uma ou duas pessoas, quem seguiria connosco? Se estivéssemos a morrer, sabendo disso, o que mudaríamos na nossa vida? Com quem é gostaríamos de falar? Para pedir perdão? Para agradecer? Para nos reconciliarmos? Para deixarmos uma mensagem importante? O que ainda gostaríamos de fazer? Certamente nem todas as respostas seriam iguais, mas possivelmente não se afastariam muito!
       Não esperemos pelo fim para sermos felizes. É um projeto basilar de todas as pessoas, mesmo quando não o reconhecem explicitamente. Outro exercício. Coloquemo-nos como se estivéssemos no fim dos nossos dias. Como gostaríamos de olhar para a nossa vida? Que avaliação faríamos a olhar para trás?
       Outra questão: o que é imprescindível para sermos felizes? Muito dinheiro? Conforto? Saúde? Uma boa casa? Um carro em bom estado? Tudo o que os outros têm e mais algum? Amigos? Uma família harmoniosa? Um bom trabalho? Segurança? Liberdade e participação nas decisões importantes para a vida da nossa vila e do nosso país? Sermos reconhecidos e respeitados por quem somos? Um telemóvel de alta gama? Um diploma? Um curso superior? Escrever um livro? Plantar uma árvore? Aparecer na televisão? Ser aplaudidos pelos outros?
       2 – Jesus desafia os seus discípulos a apostar os trunfos todos no que permanece até à eternidade. O tempo urge. Não há que adiar para a manhã. Para amanhã deixa quê comer não quê fazer. É hoje. Aqui e agora. Viver com tudo o que somos. O melhor de nós em busca do melhor dos outros.
       «Não temas, pequenino rebanho... Vendei o que possuís e dai-o em esmola. Fazei bolsas que não envelheçam, um tesouro inesgotável nos Céus, onde o ladrão não chega nem a traça rói. Porque onde estiver o vosso tesouro, aí estará o vosso coração. Tende os rins cingidos e as lâmpadas acesas. Sede como homens que esperam o seu senhor ao voltar do casamento, para lhe abrirem logo a porta, quando chegar e bater. Felizes esses servos, que o senhor, ao chegar, encontrar vigilantes... Estai vós também preparados, porque na hora em que não pensais virá o Filho do homem».
       Pedro, como sempre, toma a dianteira para perguntar a Jesus se aquelas palavras também são para eles. Então Jesus conta-lhes outra parábola sobre o administrador fiel e prudente que o Senhor coloca à frente da sua casa e que será bom se o encontrar vigilante quando regressar e a administrar a sua casa com justiça. Jesus conclui dizendo que «a quem muito foi dado, muito será exigido; a quem muito foi confiado, mais se lhe pedirá».
       Antes de esperarmos que os outros cumpram, seja o que for, importa que nós nos empenhemos na prossecução do bem, no serviço aos outros. Somos administradores, não donos. E como administradores desta casa que é o mundo cabe-nos apresentar ao Senhor os melhores resultados possíveis, ou melhor, o que fizemos a favor dos outros, com que justiça e empenho colocamos na procura de soluções para integrar todos, para ajudar os mais desfavorecidos, para constituirmos uma família para Deus.
       3 – Deus concede a Salomão um desejo. «Pede. Que Eu posso dar-te?» Salomão pede então, não riqueza, não longos anos, nem vitória sobre os inimigos, nem glória: «Concede-me, pois, a sabedoria e o conhecimento, a fim de que eu saiba conduzir este povo». Deus conceder-lhe-á a sabedoria, mas também o quê não ousou pedir (2 Cr 1, 7-12).
       Voltamos às questões anteriores. O que é imprescindível para sermos verdadeiramente felizes e nos realizarmos como pessoas, para vivermos segundo a vontade de Deus? Onde está o nosso tesouro? Que pediríamos a Deus? Onde colocamos o nosso coração?
       Refira-se à partida, relembrando o que líamos e refletíamos no domingo passado, que o mal não são os bens e as riquezas materiais, mas o uso que deles se faz. O mal é a avareza que seca o coração e enferma a vida em abundância. Se o tesouro são as pessoas que Deus colocou à nossa beira, isso implica-nos em todos os esforços para eliminar o mal, o sofrimento, a violência, a pobreza endémica. Lembremo-nos de São Tiago, não se prega a estômagos vazios, não podemos desejar a paz e o bem a alguém que não tem que comer nem com que se agasalhar. A opção pela pobreza em espírito não nos descompromete, pelo contrário, leva-nos a usar o que somos e o que temos em prol dos outros.

       4 – A fé e a esperança guiam-nos para o futuro que Deus nos traz, para vivermos comprometidos no presente, transformando positivamente o mundo em que vivemos. O passado recorda-nos o que fomos, como caminhámos, os pecados que nos fizeram tropeçar, os sonhos que nos fizeram levantar, os projetos que nos puxaram para o hoje.
       Não há trevas que não possam ser iluminadas pela luz da fé, pela esperança em Deus, pela certeza que Deus não nos faltará. A Sabedoria lembra que "a noite em que foram mortos os primogénitos do Egipto foi dada previamente a conhecer aos nossos antepassados, para que, sabendo com certeza a que juramentos tinham dado crédito, ficassem cheios de coragem. Ela foi esperada pelo vosso povo, como salvação dos justos e perdição dos ímpios... os justos seriam solidários nos bens e nos perigos; e começaram a cantar os hinos de seus antepassados". A voz de Deus ecoa do futuro para nos encontrar e nos alentar a viver, lutar e ultrapassar as agruras dos tempos presentes.
       A oração ajuda-nos a confiar em Deus. Nas horas de maior amargura, a presença de Deus agiganta-Se com o Seu amor infinito. "Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem, para os que esperam na sua bondade, para libertar da morte as suas almas e os alimentar no tempo da fome. A nossa alma espera o Senhor, Ele é o nosso amparo e protetor. Venha sobre nós a vossa bondade, porque em Vós esperamos, Senhor".

        5 – Por sua vez a Carta aos Hebreus, recorda-nos a fé de Abraão, o testemunho de confiança, de despojamento, de desprendimento, para seguir o chamamento de Deus, procurando corresponder à vontade de Deus. A fé em algo transforma-se em fé em Alguém, a Quem se segue e de Quem se espera uma vida com sentido. "A fé é a garantia dos bens que se esperam e a certeza das realidades que não se veem. Ela valeu aos antigos um bom testemunho. Pela fé, Abraão obedeceu ao chamamento e partiu para uma terra que viria a receber como herança; e partiu sem saber para onde ia. Pela fé, morou como estrangeiro na terra prometida, habitando em tendas, com Isaac e Jacob, herdeiros, como ele, da mesma promessa, porque esperava a cidade de sólidos fundamentos, cujo arquiteto e construtor é Deus». Prosseguindo o mesmo exemplo, também Sara, sua esposa, os seus descendentes, Isaac e Jacob. De um homem – Abraão – que já esperava a morte sem descendência, Deus concedeu-lhe uma descendência incontável.
       Abraão e os seus descendentes voltam-se para o futuro e para uma pátria que os aguarda. Não para o que deixaram, mas para o que os espera. "Se pensassem na pátria de onde tinham saído, teriam tempo de voltar para lá. Mas eles aspiravam a uma pátria melhor, que era a pátria celeste... Pela fé, Abraão, submetido à prova, ofereceu o seu filho único Isaac, que era o depositário das promessas». Desta forma, conclui a Carta, "Ele considerava que Deus pode ressuscitar os mortos; por isso, numa espécie de prefiguração, ele recuperou o seu filho", assim como Jesus Cristo, Filho unigénito do Pai será recuperado, glorificado, não na vida carnal, mas na ressurreição definitiva, à qual todos somos associados.

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (C): Sab 18, 6-9; Sl 32 (33); Hebr 11, 1-2. 8-19; Lc 12, 32-48.

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