sábado, 18 de fevereiro de 2017

Domingo VII do Tempo Comum - ano A - 19.02.2017

       1 – «Sede santos, porque Eu, o Senhor, vosso Deus, sou santo». Deus manda Moisés convocar o povo para a santidade, não por capricho, mas para que viva e progrida como povo. A santidade é um compromisso de bondade e de serviço. "Não odiarás do íntimo do coração os teus irmãos, mas corrigirás o teu próximo, para não incorreres em falta por causa dele. Não te vingarás, nem guardarás rancor contra os filhos do teu povo. Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Eu sou o Senhor".
       Só Deus é Deus e se o mandamento vem d'Ele então não há que temer pois não vem armadilhado, não tem letras pequeninas, nem condições escondidas ou disfarçadas. Deus não tem a pretensão de concorrer connosco ou de nos dominar ou de nos fazer escravos. Ele é o Senhor. Está acima e além de nós. Não nos faz sombra. Não tem a preocupação de nos mostrar que é melhor do que nós, como por vezes nos acontece, competimos tanto que nos esquecemos de viver, de nos apreciarmos mutuamente nos dons e nas qualidades e na entreajuda. "Onde Deus reina como Pai, os homens já não podem reinar uns sobre os outros" (J. Antonio Pagola). Ser santo, aperfeiçoar-se como pessoa, tornar-se melhor, é um desafio e um compromisso de cumprirmos com a nossa humanidade. Quanto mais aprendermos, quando mais nos aproximarmos uns dos outros, quanto mais desenvolvermos as nossas capacidades para deixar marcas positivas no mundo, tanto mais seremos humanos, criados à imagem e semelhança de Deus.
       A Lei dada por Deus ao povo através de Moisés prepara-nos para a grandeza! Atenção, não nos prepara para a sobranceria, para a arrogância, para prepotência! Mas para a grandeza que nos embeleza e nos humaniza, que nos aproxima uns dos outros e nos irmana, levando-nos a gastar-nos pelos outros, a persistir nas dificuldades, a solidarizar-nos nas aflições e a caminhar juntos!
       2 – Jesus faz-nos passar dos mínimos garantidos para o máximo. Não contra os outros ou apesar deles. Mas em relação a nós próprios. O caminho é superar-nos constantemente. Não desistir. Insistir. Dando o melhor. No Sermão da Montanha Jesus exige de nós. Não exige pouco ou muito. Exige tudo. E a acrescentar a isto, a superação visa sintonizar-nos com o sofrimento dos outros, com o seu peregrinar, com as suas lutas. Melhorar a minha performance para ser mais prestável aos outros. Sou abençoado na medida em que me torno bênção para os outros.
       Hoje pudemos escutar novamente a contraposição de Jesus, pela positiva. «Ouvistes que foi dito aos antigos: ‘Olho por olho e dente por dente’. Eu, porém, digo-vos: Não resistais ao homem mau. Mas se alguém te bater na face direita, oferece-lhe também a esquerda». De enxurrada, intenso e imenso. Jesus já tinha surpreendido com as Bem-aventuranças, invertendo a lógica do poder e da felicidade. Agora, à lei de talião, apõe a não-violência e o perdão. Diga-se que a lei de talião já era preventiva, olho por olho e dente por dente promovia uma justiça (popular) equitativa. Se me partem um dente, eu não tenho o direito a partir dois!
       Mas Jesus vai mais longe. «Se alguém quiser levar-te ao tribunal, para ficar com a tua túnica, deixa-lhe também o manto. Se alguém te obrigar a acompanhá-lo durante uma milha, acompanha-o durante duas. Dá a quem te pedir e não voltes as costas a quem te pede emprestado. Ouvistes que foi dito: ‘Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo’. Eu, porém, digo-vos: Amai os vossos inimigos e orai por aqueles que vos perseguem, para serdes filhos do vosso Pai que está nos Céus».
       3 – O caminho da santidade, do aperfeiçoamento funda-se e fundamenta-se em Deus. Relembrando sempre as palavras sábias do então Cardeal Joseph Ratzinger (Bento XVI): para o Reino de Deus há tantos caminhos como as pessoas. Porém, Jesus é o Caminho, a Verdade e a Vida. O meu caminho, o teu caminho, há de levar-nos a Jesus, há de levar-nos ao Pai. Sendo assim, quanto mais perto eu estiver de Jesus e quanto mais perto tu estiveres de Jesus, mais perto vamos estar um do outro. E se estamos próximos poderemos apoiar-nos mutuamente, ajudar-nos, incentivar-nos quando um de nós estiver a fraquejar.
       No Reino de Deus não há excluídos, pois os nossos caminhos hão de desembocar em Jesus. Por conseguinte, estamos "condenados" a aproximar-nos uns dos outros. Na verdade, diz-nos Jesus, Deus é Pai de todos e «faz nascer o sol sobre bons e maus e chover sobre justos e injustos». A bênção recai sobre todos. Temos afinidades. Por certo. Mas nem por isso estamos dispensados de amarmos até os nossos inimigos, os que nos são indiferentes, os que desprezamos. Aliás, questiona Jesus, que vantagem haveria em amar aqueles que nos amam? Isso todos podem fazer. Os discípulos de Jesus são desafiados ao máximo. E o máximo é Deus. «Portanto, sede perfeitos, como o vosso Pai celeste é perfeito».
       A vinda de Jesus ao mundo, Deus que Se faz Homem, tem como missão reconciliar-nos a todos com Deus. Pelo mistério da Sua morte e da Sua ressurreição, Jesus resgata-nos das trevas, do pecado e da morte, para nos reconduzir ao Coração do Pai. "Ele perdoa todos os teus pecados e cura as tuas enfermidades; salva da morte a tua vida e coroa-te de graça e misericórdia. / O Senhor é clemente e compassivo, paciente e cheio de bondade; não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos castigou segundo as nossas culpas. / Como o Oriente dista do Ocidente, assim Ele afasta de nós os nossos pecados; como um pai se compadece dos seus filhos, assim o Senhor Se compadece dos que O temem" (Salmo).
       4 – Também em São Paulo descortinamos esta corresponsabilidade pela salvação, que nos é dada por Jesus Cristo, mas que nos impele a sermos instrumentos redentores uns para os outros. O outro é Presença de Deus, é Rosto que nos desafia e interpela, na sensibilidade de Emmanuel Levinas, é Rosto que irrompe e me chama, é um apelo da eternidade, do Infinito, que não é redutível a mim, mas me provoca, me interpela, pois no face a face encontro-me com o divino e então é mais forte o mandamento "não matarás". Se nos recordarmos do crime de Caim contra o seu irmão Abel, a sentença de Deus questiona-nos e responsabiliza-nos pelo sangue dos nossos irmãos, pelas suas vidas. Somos guardas dos nossos irmãos ou seremos Caim uns para os outros!
       O Apóstolo interroga-nos: «Não sabeis que sois templo de Deus e que o Espírito de Deus habita em vós? Se alguém destrói o templo de Deus, Deus o destruirá. Porque o templo de Deus é santo, e vós sois esse templo. Ninguém tenha ilusões. Se alguém entre vós se julga sábio aos olhos do mundo, faça-se louco, para se tornar sábio. Porque a sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus». É a nossa grandeza: na nossa pobreza e humildade, deixarmo-nos guiar pela sabedoria de Deus, mesmo que pareçamos loucos. O decisivo é que Cristo reine em nós. “Onde o reinado de Deus vai abrindo caminho, vai-se construindo comunicação, solidariedade, comunhão e fraternidade” (Pagola).
       Em Maria encontramos uma modelo de humildade ao ponto de n’Ela se gerar o próprio Deus. Como Ela, também nós possamos dizer: a minha alma engrandece o Senhor. Traduzindo: que em nós se manifeste a grandeza de Deus. Para isso precisamos de ser templo e transparência e respiração de Deus.
       Na Carta aos Coríntios, que temos vindo a escutar, São Paulo insiste na necessidade de viver Jesus, transparecer Jesus, testemunhar Jesus. Em tudo. Em toda a parte. Com todos. Para louvor e glória de Deus Pai. «Tudo é vosso: Paulo, Apolo e Pedro, o mundo, a vida e a morte, as coisas presentes e as futuras. Tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus». O apóstolo alerta-nos para não confundirmos o mensageiro (eu, tum, cada um de nós) com a Mensagem (Jesus e o Seu Evangelho de Amor). Não nos anunciamos. Anunciamos Jesus Cristo, morto e ressuscitado!

Pe. Manuel Gonçalves

Textos para a Eucaristia (A): Lev 19, 1-2. 17-18; Sl 102 (103); 1 Cor 3, 16-23; Mt 5, 38-48.

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