Um homem inteiro foi beatificado. Metade do mundo reconheceu esse mérito na sua fé. Outra parte na sua dimensão de homem decisivo na evolução dum século
       Não é fácil falar de João Paulo II após três dias de convívio  próximo. Andou a nosso lado por toda a Roma, no meio de nós, na música,  nas imagens, nos grandes momentos, nos cartazes, nas frases, no sorriso,  no grande gesto, com uma intimidade fraterna sem qualquer véu de  permeio. E na imaterialidade de quem partiu há pouco. Desde a cripta  donde saiu a urna, à Basílica junto do túmulo de S. Pedro, à grande  Praça e arredores apinhada de povo, solenidade e festa, vida, morte e  "ressurreição" dum homem comum e invulgar a quem muito foi dado e aos  poucos tudo foi tirado: a voz, o rosto, o gesto, a feição.
       Despojado como um Job, humilhantemente exposto naquela janela do seu  gabinete onde lançou bênçãos, palavras doces e amargas, sorrisos e  pombas de paz. E onde não conseguiu pronunciar a última Mensagem Pascal.  Antes, foi um gemido "urbi et orbi" prenúncio duma morte acompanhada no  exterior pelos jovens que o visitaram quando ele já não podia chegar  junto deles.
       Um homem que veio de longe, do leste e do frio e trouxe ar do outro  pulmão da Europa. Um homem forte que não ocultava a própria fragilidade.  Com a referência constante a Deus e a dimensão permanente do homem.  Atento ao mundo do trabalho e da contemplação. Senhor da palavra e do  gesto profético e das mãos frágeis que quase não abriam a porta do ano  2000. Defensor da vida não apenas no primeiro e no último momento mas em  todos os tempos e lugares onde se joga a dignidade de cada ser humano. O  homem - a grande causa defendida nos templos e nos areópagos.
       Um poeta de Deus que não perdeu nunca a dimensão doutrinal do seu  ministério e a exigência  da teologia actualizada. Um impulsionador do  Concílio que nunca deixou de o amar, mesmo nas interpretações  fantasiosas de alguns teólogos e pastoralistas. Um respeitador profundo  da oração litúrgica, sabendo sempre como a encarnar nas culturas de  África, Ásia ou Américas. Um homem severo na exigência e pródigo no uso e  proclamação da misericórdia.
       Um duplo visitador de Assis na celebração da sua universalidade, onde  não teve medo de rezar pela paz ao lado dos representantes das  religiões do mundo. Um devoto de Fátima como o mais humilde peregrino  que se não perde em preciosismos teológicos mas apenas, como as crianças  crê, adora, espera e ama. Um testemunho e vítima  das maiores ditaduras  do século XX ao mesmo tempo que um crente profundo na liberdade do  homem.
       Um homem inteiro foi beatificado. Metade do mundo reconheceu esse  mérito na sua fé. Outra parte na sua dimensão de homem decisivo na  evolução dum século. Homem de Deus. Homem dos homens. Karol Wojtyla.  João Paulo II. Beato. Na felicidade de Deus. Para, noutra dimensão,  venerarmos tudo o que foi e, na nova vida, continua a ser. 
António Rego, in Editorial Agência Ecclesia.

 
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