
Não sei se andava por aqui alguma parábola sobre o que é preciso aprender a apreciar. Recordava isso quando por vezes via em Roma o Cardeal Ratzinger atravessar a Praça de S. Pedro em direcção ao seu trabalho - uma Congregação que não era das preferidas da minha geração. Mas sabia que ele tinha feito parte do grupo de teólogos que marcaram o Concílio que, por sua vez, marcou decisivamente a minha vida.
Acompanhei, como repórter, a sua eleição e cumprimentei-o, com outros jornalistas, no dia seguinte à tomada de posse. Tudo isto é razoavelmente ridículo, semelhante a pretensão de me fazer próximo duma pessoa tão importante como o Papa. Mas queria chegar a outro ponto. Acompanhei a viagem de Bento XVI a Portugal (como havia acompanhado a de Angola) passo a passo, hora a hora, minuto a minuto. Posso dizer que não perdi uma única palavra (com acesso antecipado aos textos) e penso que muito poucos gestos me terão escapado na reportagem exaustiva da televisão em que estive envolvido.
E aqui chego para dizer o que todos viram e sabem: a amplitude da sua presença no meio de nós, depois de todos os alarmes de fracasso que havia - fora (e dentro) da Igreja. E como revelou capacidade de viver intensamente cada ritual que cumpria: litúrgico, pastoral, teológico, social, político, familiar. Nas palavras ditas à cultura, aos consagrados, aos agentes sociais, ao mar de luz, povo de mão firmes, que em Fátima sustentava e erguia a Luz como em Vigília Pascal. E do aconchego que ofereceu a milhões de peregrinos que pela televisão o viram longe e perto - sei de ressonâncias chegadas do Portugal global que anda pelo mundo fora. Pela beleza da Praça e do Tejo de Lisboa, numa aliança de céu, terra e rio, festa e silêncio como multidão jubilosa de jovens e anciãos na Avenida dos Aliados no Porto. Como os peregrinos mediáticos, os pobres e doentes repassados de angústias que se sentiram em Igreja reunida com Pedro num exercício profundo de comunhão e confirmação na fé. E, seja lícito referir, na solidez humilde da sua palavra densa, lógica, bela, crente, próxima, teológica, encarnada, clara, luminosa. E afectiva.
O que no início parecia uma "entrada" amarga foi uma refeição saborosa, em família, sabendo que ali - como diria Pessoa - éramos mais que nós - éramos um povo. Nada seria possível sem essa maravilha que é o nosso povo que soube estar em júbilo e silêncio nos momentos certos e compreendeu por inteiro que quem nos visitou foi mesmo o sucessor de Pedro. O resto foi acidental.
António Rego, Editorial Agência Ecclesia.
Sem comentários:
Enviar um comentário