sábado, 9 de novembro de 2013

XXXII Domingo do Tempo Comum - ano C - 10 de novembro

       1 – Deus «não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».
       O centro gravitacional do cristianismo é a Ressurreição de Jesus. É o acontecimento fundante da comunidade cristã. Sem Ressurreição, a morte de Jesus teria sido uma entre milhares, sem história para contar que não a de um indivíduo sepultado nas tumbas de Jerusalém. Com a aparição do Ressuscitado surge a Igreja, comunidade de apóstolos e discípulos que Se reúnem congregados por Ele. Jesus apresenta-Se no meio deles, e envia-os a anunciar a Ressurreição como Luz para uma vida nova. O anúncio do Evangelho inicia após e por causa da ressurreição.
       A luz da Páscoa permite re-ler e compreender toda vida e missão de Jesus, a Sua mensagem, gestos, palavras, encontros, prodígios. Muitos dos acontecimentos ficariam como meras recordações para os amigos mais próximos.
       A ressurreição é a razão de ser da fé cristã, sem a qual não adiantaria falar de vida nova, de eternidade, de futuro, de Alguém que garantisse a nossa identidade para lá do tempo e da história.
       Nos primeiros dias deste mês, a ida aos Cemitérios, chão sagrado que nos traz o passado e antecipa o nosso futuro, seria desoladora e desagregadora. Se esta fosse a última morada, seria muito pouco para os nossos anseios humanos, muito pouco para a nossa esperança. Melhor, seria uma esperança vã. E uma esperança vazia equivaleria a uma fé vazia, sem sentido, inútil, ilusória. A nossa fé baseia-se na Ressurreição de Jesus. É Ele a nossa esperança, a esperança de n'Ele ressuscitarmos e reencontrarmos aqueles a quem queremos bem e já partiram. Por isso rezamos por eles, trazendo-os à mesa da Eucaristia.
       2 – Depois da Ressurreição, Jesus reúne os discípulos, dá-lhes o Espírito Santo, constitui-os como Seu Corpo. E com eles também nós. Somos a Sua Igreja. Ele a Cabeça. Nós os membros. Aquilo que vinha a pregar – a vida eterna, a promessa de uma morada junto do Pai, a garantia que nenhum dos Seus discípulos se perderia, o desafio para fabricar bolsas que não se rompessem – é sancionado com a Sua ressurreição.
       Recuemos um pouco, ao tempo histórico de Jesus, aproximemo-nos d'Ele, como fizeram muitas pessoas naquele dia. Habituados a transacionar bens materiais, os saduceus olham para Ele com desconfiança, alguns mais preocupados com a própria carteira: tudo se resolve cá em baixo. A ressurreição poderá ser uma ilusão psicótica. À socapa alguém pergunta: «Mestre, Moisés deixou-nos escrito: ‘Se morrer a alguém um irmão, que deixe mulher, mas sem filhos, esse homem deve casar com a viúva, para dar descendência a seu irmão’. Ora havia sete irmãos. O primeiro casou-se e morreu sem filhos... o mesmo sucedeu aos sete, que morreram e não deixaram filhos. Por fim, morreu também a mulher. De qual destes será ela esposa na ressurreição, uma vez que os sete a tiveram por mulher?» 
       Bela maneira de pregar uma partida a Jesus, socorrendo-se dos Escritos Sagrados. Jesus, a Palavra de Deus em Pessoa, responde também com a Palavra de Deus: «Os filhos deste mundo casam-se e dão-se em casamento. Na ressurreição dos mortos, nem se casam nem se dão em casamento. E que os mortos ressuscitam, até Moisés o deu a entender no episódio da sarça-ardente, quando chama ao Senhor ‘o Deus de Abraão, o Deus de Isaac e o Deus de Jacob’. Não é um Deus de mortos, mas de vivos, porque para Ele todos estão vivos».
        A ressurreição introduz-nos no plano sobrenatural. Não é algo cuja evidência seja de natureza física, exterior, mas é experienciável interiormente, e vivida como compromisso no dia-a-dia. É um acontecimento NOVO, é dom. Não é conquista humana, é dádiva de Deus, em Cristo Jesus. Uma REALIDADE nova, e não o regresso a uma vida anterior.

       3 – Quando emergimos no mistério da vida humana, a Luz da Fé faz-nos acolher a presença de Jesus Cristo, pelo Espírito Santo, de forma privilegiada no seio da comunidade eclesial. Mas não é fácil falar de morte e de vida depois da morte. Mas mais difícil seria aceitar que tudo desaparece com a morte. Então, tudo se resumiria ao cemitério, a vida dos nossos antepassados e a nossa vida, cujo futuro seria sombrio, pois desembocaria no desaparecimento definitivo de tudo o que fomos/somos, ficando, quando muito, uma memória residual da nossa passagem pelo mundo.
       São preocupações de sempre. A primeira leitura, do segundo livro de Macabeus, traz-nos a história de martírio de 7 irmãos e da sua mãe. Esta incentiva a fé em Deus. Acreditar em Deus implica acreditar na vida eterna. Sem ressurreição, sem eternidade, Deus seria dispensável, pois ficaríamos sem a garantia da justiça que não se cumprisse em tempo útil, aqui na terra. Cada um dos filhos testemunha a fé que recebeu de seus pais: Um irmão: «Que pretendes perguntar e saber de nós? Estamos prontos para morrer, antes que violar a lei de nossos pais». O segundo irmão disse: «Tu, malvado, pretendes arrancar-nos a vida presente, mas o Rei do universo ressuscitar-nos-á para a vida eterna, se morrermos fiéis às suas leis». O terceiro: «Do Céu recebi estes membros e é por causa das suas leis que os desprezo, pois do Céu espero recebê-los de novo». O quarto falou assim: «Vale a pena morrermos às mãos dos homens, quando temos a esperança em Deus de que Ele nos ressuscitará; mas tu, ó rei, não ressuscitarás para a vida». 
       A fé na Ressurreição só em Cristo recebe a LUZ definitiva. Porém, esta esperança vai-se aprofundando ao longo da história da Aliança de Deus com o Povo eleito. Durante a vida pública de Jesus, torna-se clarividente a fé na ressurreição, como promessa, sendo visualizada na ressurreição/reanimação de Lázaro, o filho da viúva de Naim, a filha de Jairo. O poder de Deus ultrapassa a nossa limitação racional. Em todo o caso, as ressurreições realizadas por Jesus são sobretudo sinal, pois aqueles que ressuscita voltam a uma vida muito semelhante à anterior e voltarão a morrer, não ficam cá para semente. A ressurreição de Jesus abre-nos definitivamente as portas da eternidade e a comunhão plena com Deus.

       4 – A ressurreição não é apenas futuro ou promessa, é realidade em Cristo e na Sua Igreja. Fomos batizados na morte e ressurreição de Cristo, morremos para o pecado para n'Ele ressuscitarmos como novas criaturas, pela água e sobretudo pelo Espírito Santo.
       Se somos novas criaturas, sendo inseridos na Ressurreição de Jesus, integrando o Seu Corpo (místico), vivamos nesta condição, antecipando, clarificando e testemunhando, com a nossa postura, o que se realiza na nossa identidade batismal. Criaturas novas, em Cristo ressuscitado, assumamo-nos irmãos uns dos outros.
       Vale sempre a pena escutar as recomendações do Apóstolo da Palavra, São Paulo, que acolhe na sua vida a paixão e a ressurreição de Cristo. Hoje, de novo, o testemunho e o desafio: «Jesus Cristo, nosso Senhor, e Deus, nosso Pai, que nos amou e nos deu, pela sua graça, eterna consolação e feliz esperança, confortem os vossos corações e os tornem firmes em toda a espécie de boas obras e palavras. Entretanto, irmãos, orai por nós, para que a palavra do Senhor se propague rapidamente e seja glorificada, como acontece no meio de vós. Orai também, para que sejamos livres dos homens perversos e maus, pois nem todos têm fé. Mas o Senhor é fiel: Ele vos dará firmeza e vos guardará do Maligno. Quanto a vós, confiamos inteiramente no Senhor que cumpris e cumprireis o que vos mandamos. O Senhor dirija os vossos corações, para que amem a Deus e aguardem a Cristo com perseverança». 
       Mesmo que sujeitos à perseguição e à própria morte, Deus é maior e n'Ele podemos confiar. A fé em Deus, a militância cristã, não fazem desaparecer os problemas e dificuldade mas são luz clara que aponta para a Meta e nos ajudam a enfrentar os dissabores do tempo presente, como sublinhava Bento XVI e como resumia/assumia o Papa Francisco: a fé não ilumina nem elimina todo o mal, mas é farol que nos guia e sustenta. Rezemos com fé, respondendo à palavra de Deus, com o salmo: “Firmai os meus passos nas vossas veredas, para que não vacilem os meus pés. Protegei-me à sombra das vossas asas, longe dos ímpios que me fazem violência. Senhor, mereça eu contemplar a vossa face e ao despertar saciar-me com a vossa imagem”. 
       Nada anula o amor de Deus por nós. Nada enfraqueça o nosso compromisso com os outros, para vivermos já como ressuscitados em Cristo, até ao dia em que nos apresentemos, finalmente, diante de Deus.


Textos para a Eucaristia: 2 Mac 7,1-2.9-14; Sl 16 (17); 2 Tes 2,16-3,5; Lc 20,27-38.

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