sábado, 16 de novembro de 2013

XXXIII Domingo do Tempo Comum - ano C - 17 de novembro

       1 – «Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas».
       Deus vê o interior, não julga aparências nem ilusões. Se assim fora muitos seriam dispensados, condenados, castigados. O Evangelho deste XXXIII Domingo do Tempo Comum traz-nos o olhar de Jesus que trespassa as pedras grossas e imponentes do Templo de Jerusalém e vai para além das vistas curtas que olham para as piedosas ofertas. «Dias virão em que, de tudo o que estais a ver, não ficará pedra sobre pedra: tudo será destruído».
       Quando se aproxima o final do ano litúrgico, a palavra de Deus impele-nos para a eternidade, mas sempre em tensão proactiva com o tempo presente. A eternidade inicia-se na nossa vida, do lado de cá. Quem perseverar (HOJE) será salvo (hoje e AMANHÃ).
       Discípulos e multidão ficam atónitos diante das palavras de Jesus. Como é que o majestoso edifício poderá em breve ruir? Porém, não é este dado que preocupa Jesus. O que se arruína é inanimado, é pedra, é ouro e prata, é exterior, não toca a alma do ser humano, ainda que tenha resultado do esforço e do sacrifício de muita gente e da religiosidade simples e generosa de muita outra. O que O preocupa mesmo é a vida, o interior, a pessoa. Perante o descalabro daquilo que nos rodeia pode facilmente advir o desespero. As dificuldades existem. Sempre existiram e hão de continuar a persistir. “Os desertos exteriores multiplicam-se no mundo, porque os desertos interiores tornaram-se tão amplos” (Bento XVI, no início do pontificado, 24/4/2005).
       Jesus prepara-nos para esses dias mais sacrificados, prevenindo-nos, dando-nos confiança: «Tende cuidado... Haverá fenómenos espantosos e grandes sinais no céu... deitar-vos-ão as mãos e hão de perseguir-vos… Tereis ocasião de dar testemunho. Eu vos darei língua e sabedoria a que nenhum dos vossos adversários poderá resistir ou contradizer. Causarão a morte a alguns de vós e todos vos odiarão por causa do meu nome; mas nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá».
       2 – «Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas... nenhum cabelo da vossa cabeça se perderá». Parece um exemplo caricato, tendo em conta que basta repararmos nas cabeças dos que estão à nossa beira para logo vermos que muitos já muitos cabelos perderam. Contudo, Jesus mostra com delicadeza e de forma simples que mesmo as pequenas coisas contam para Deus, ainda que nos pareçam insignificantes ou passem despercebidas. Jesus confia totalmente em Deus e por inteiro Se Lhe entrega: «Pai, nas Tuas mãos entrego o Meu espírito».
       No Dia do Exército, a 28 de outubro, em Lamego, D. António Couto, na homilia, deixava-nos este sublinhado lapidar: “Rezar não é para beatos e beatas de trazer por casa. Rezar é para militares e militantes. Rezar é um ato de verdade e de coragem, que implica o máximo risco. Trata-se, no fortíssimo dizer de Jeremias, de «empenhar [ou penhorar] o coração» (Jer 30,21)”.
       Assim a oração, assim a fé. A fé exige pessoas corajosas, valentes, capazes de lutar e discutir com Deus. O Papa Francisco, em maio, interrogava os católicos sobre a fidelidade a Cristo: «Sou capaz de fazer ver a minha fé com respeito, mas também com valentia?».
       Perante os reveses da vida não é fácil suportar a paciência e a alegria da fé. Há dias que apetece desistir, protestar com Deus, questionar a Sua proximidade e o Seu amor por nós. Para um descrente, as dificuldades desembocam num vazio, para um crente fazem-no voltar-se para Deus.

       3 – «Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas».
       Vale a pena reler, a propósito, duas intervenções, respetivamente, do Papa Bento XVI e do Papa Francisco.
       Dirigindo-se aos jovens, em setembro de 2011, Bento XVI contrapõe a Luz da Fé às trevas e à escuridão: «Ao nosso redor pode haver a escuridão e as trevas, e todavia vemos uma luz: uma chama pequena, minúscula, que é mais forte do que a escuridão, aparentemente tão poderosa e insuperável. Cristo, que ressuscitou dos mortos, brilha neste mundo, e fá-lo de modo mais claro precisamente onde tudo, segundo o juízo humano, parece lúgubre e sem esperança. Ele venceu a morte – Ele vive – e a fé n’Ele penetra, como uma pequena luz, tudo o que é escuro e ameaçador. Certamente quem acredita em Jesus não é quem vê sempre só o sol na vida, como se fosse possível poupar-lhe sofrimentos e dificuldades, mas há sempre uma luz clara que lhe indica um caminho, o caminho que conduz à vida em abundância (cf. Jo 10, 10). Os olhos de quem acredita em Cristo vislumbram, mesmo na noite mais escura, uma luz e vêem já o fulgor dum novo dia».
       Quem acredita em Cristo não está isento de dificuldades no caminho, não vê apenas o sol, contudo, por mais escura que seja a noite, há uma LUZ que não se apaga, Cristo Jesus.
       Na sua primeira Carta Encíclica, Lumen Fidei (A Luz da Fé), o Papa Francisco assume a reflexão do Seu predecessor, ultrapassando o preconceito que olha para a fé como algo obscuro que impede pleno acesso à razão iluminada. A fé, com efeito, é Logos, Palavra encarnada, razão, dá sentido à vida, e onde muitas vezes a razão não chega, «a fé não é luz que dissipa todas as nossas trevas, mas lâmpada que guia os nossos passos na noite, e isto basta para o caminho».
       4 – Na vida de grandes santos há momentos de noite, de treva, de dúvida, de questionamento, como Santa Teresinha quando partiu um braço e se lançou a Jesus: como hás de ter amigos se os trata tão mal?
       O próprio Jesus se vê atrapalhado. No horto das Oliveiras: “Pai, se é possível, afasta de Mim este Cálice”, ou pregado no madeiro da Cruz: “Meu Deus, meu Deus, porque Me abandonaste?”. Prevalece em Jesus e na vida dos santos a confiança, aceitando que os momentos de dor fazem parte da provação e da valentia da fé. Nem sempre é fácil.
       A 28 de maio de 2008, na Viagem Apostólica à Polónia, no campo de extermínio de Auschwitz, o Papa alemão, Bento XVI, questionava o silêncio de Deus: «Num lugar como este faltam as palavras, no fundo pode permanecer apenas um silêncio aterrorizado, um silêncio que é um grito interior a Deus: Senhor, por que silenciaste? Por que toleraste tudo isto? É nesta atitude de silêncio que nos inclinamos profundamente no nosso coração face à numerosa multidão de quantos sofreram e foram condenados à morte; todavia, este silêncio torna-se depois pedido em voz alta de perdão e de reconciliação, um grito ao Deus vivo para que jamais permita uma coisa semelhante».
       O questionamento do silêncio de Deus diante de tamanha vileza conduz o crente à oração confiante, na procura de soluções de paz, que brotem do perdão e da conciliação.

       5 – «Pela vossa perseverança salvareis as vossas almas».
       A fé, como a esperança, não é um salto no escuro, mas um lançar-lhe no regaço de Deus que, como Pai, Mãe, nos acolhe, nos segura e nos embala. A esperança, e a fé também, é acreditar, esperar o que ainda não se vê. Confia-se na bondade de Deus, como Cristo nas Sua orações: faça-se a Tua vontade, o que Tu queres e não o que Eu quero. Nas Tuas mãos entrego a minha vida.
        O profeta incentiva a esperança diante das tormentas que se aproximam: «Há de vir o dia do Senhor, ardente como uma fornalha; e serão como a palha todos os soberbos e malfeitores. O dia que há de vir os abrasará – diz o Senhor do Universo – e não lhes deixará raiz nem ramos. Mas para vós que temeis o meu nome, nascerá o sol de justiça, trazendo nos seus raios a salvação».
       A fé humilde, despojada, alcança-nos a misericórdia de Deus. Confiamos n'Aquele que há de vir. «Diante do Senhor que vem, que vem para julgar a terra; julgará o mundo com justiça e os povos com equidade».
       Mas porquanto, a esperança faz-se de compromisso, de trabalho, de serviço ao nosso semelhante. Com efeito, é AGORA, perseverando, vivendo, que salvaremos as nossas almas, a nossa vida. Não ficámos extasiados a olhar para o Céu, pois é da terra que se levanta a salvação de Deus. É deste chão que se ergue a Cruz de Jesus e o Seu amor imenso por nós.
       São Paulo dá o exemplo: «…não vivemos entre vós na ociosidade... Trabalhámos dia e noite, com esforço e fadiga... quem não quer trabalhar, também não deve comer... a esses ordenamos e recomendamos que trabalhem tranquilamente, para ganharem o pão que comem».

Textos para a Eucaristia: Mal 3, 19-20a; Sl 97 (98); 2 Tes 3, 7-12; Lc 21, 5-19
 
 
(Para refletir, e para preparar e/ou acrescentar à homilia, uma pequena história: clique AQUI)

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