sexta-feira, 26 de outubro de 2018

Jodi Picoult - A CONTADORA DE HISTÓRIAS

JODI PICOULT (2015). A contadora de Histórias. Lisboa: Betrand Editora. 520 páginas.
       No passado dia 21 de agosto (de 2018), Jakiw Palij, nascido na Polónia, agora com 95 anos de idade, ex-guarda de um campo de concentração nazi, foi deportado dos EUA, de Nova Iorque, onde vivia, para a Alemanha. Há 25 anos foi confrontado pela primeira vez sobre as suas ações durante a Segunda Guerra Mundial. Trabalhou como assistente das forças SS de Hitler no campo de concentração de Trawniki (na Polónia ocupada pelos alemães) em 1941. Mais de 6 milhões judeus, entre homens, mulheres e crianças, foram assassinados a tiros nesse campo no dia 3 de novembro de 1943, num dos maiores massacres num único dia no Holocausto. Chegou aos EUA em 1949 e obteve, 8 anos depois, a cidadania americana, sendo-lhe retirada em 2003, por ter mentido sobre o seu passado ligado ao nazismo. Contribuiu diretamente para o extermínio dos prisioneiros judeus, já que tinha como missão assegurar-se que não fugiam. Levou alguns anos a ser deportado, pois nenhum país na Europa o aceitava até que finalmente a Alemanha o recebeu. A Alemanha julgou e condenou vários membros da SS por cumplicidade em assassinatos, mas nenhum deles foi para a prisão, por motivos de saúde.
       Este caso é real e histórico.
       No livro que agora sugerimos como leitura, a autora é verdadeiramente uma contadora de histórias, mas, como em outros romances que escreveu e deu à estampa, têm muito a ver com a realidade. Com efeito, "A Contadora de Histórias" narra a vida de Sage, neta de uma judia que foi prisioneira Nazi. Algumas das personagens vão contando a suas vidas, permitindo-nos diferentes pontos de vista. A história do presente encontra um bom homem, aceite pela comunidade e perfeitamente integrado, mas que quer contar o seu segredo, a sua vida passada, como membro das SS. Pouco a pouco, as personagens vão entrelaçando a trama, o passado e o presente, e o futuro. Josef pede ajuda a Sage para morrer. Aos poucos Sage percebe que Josef precisa de perdão, do perdão de uma judia, já que não pode pedir perdão aqueles e àquelas que morreram vítimas do Nazi. Vai-se percebendo que Josef, mesmo sendo nazista e no campo de concentração, vai procurando proteger sobretudo as crianças. De algum modo foi ele que protegeu a Avó de Sage, ainda que ele procure mostrar que era mau, para que Sage o possa ajudar a morrer. Sage tinha encontrado um amigo e agora enfrenta a dúvida se o há de entregar para ser julgado e expulso dos EUA ou se o há de proteger ou se o há de ajudar a morrer. Perdoar ou manter o ciclo das ofensas!
       A contadora de histórias é também a Avó de Sage, Minka, que, através da criação imaginativa de estórias, sobreviveu e ajudou outras a sobreviver no campo de concentração. É um romance que tem muito de histórico, com a seriedade e honestidade com que Jodi Picoult coloca em toda a trama. É como se estivesse dentro da história, ou dentro do filme, envolvidos e engolidos pela realidade. É daqueles romances, como aliás sugere a crítica, que se lê de fio a pavio sem parar, com vontade de continuar para descobrir onde nos conduz a história.

Uma ou outra frase:
"Dentro de cada um de nós existe um monstro; dentro de cada um de nós existe um santo. A verdadeira questão é qual deles alimentamos melhor, qual deles destruirá o outro"."Um monstro é apenas uma pessoa para quem o equilíbrio se desfez a favor do mal"
"... pessoas desesperadas fazem coisas que normalmente não fariam"."Quando a nossa existência é um inferno, a morte deve ser o céu".
"O poder não é fazer algo terrível a alguém que é mais fraco do que nós... É ter a força de fazer algo de terrível e optar por o não fazer"."O que tens de parti para reunir uma família? Pão, evidentemente".
"Se os meteres a todos no mesmo saco por serem alemães, como podes ser diferente, quando eles nos metem a todos no mesmo saco por sermos judeus?""Tudo o que precisamos para viver mais um dia é de uma boa razão para ficar neste mundo".
"Por vezes, para voltarmos a ser humanos, só precisamos que alguém seja capaz de nos ver como seres humanos independentemente do que mostramos à superfície"."A história não é um relato sobre datas, lugares e guerras. É sobre pessoas que preenchem os espaços entre eles".
"No Judaísmo há dois pecados que não podem ser perdoados. O primeiro é o homicídio, porque tem de ir ter com a outra parte e defender a nossa posição, e obviamente tal não é possível se a vítima está debaixo de terra. Mas o segundo pecado imperdoável é arruinar a reputação de alguém. Tal como um morto não pode perdoar ao assassino, uma boa reputação jamais pode ser reparadas. Durante o Holocausto os judeus foram assassinados e a sua reputação foi destruída"."Por vezes, para ganharmos precisamos de fazer sacrifícios".
"O padre disse: «O que ele fez está errado. Ele não merece o vosso amor. Mas merece o vosso perdão, porque caso contrário irá crescer como uma erva daninha dentro do vosso coração até o sufocar e cobrir. A única pessoa que sofre, quando se acumula todo esse ódio, és tu». Eu tinha treze anos e sabia muito pouco sobre o mundo, mas sabia que havia sabedoria na religião, então queria fazer parte dela. - Olha-me. - Não sei o que essa pessoa te fez, e não tenho a certeza se o quero saber. Mas perdoar não é algo que se faz por alguém. É algo que fazemos por nós próprios. É dizer: Não és suficientemente importante para teres poder sobre mim. É dizer: Não me vais deixar presa no passado, Eu mereço um futuro".

Sem comentários:

Enviar um comentário