Somos diferentes. No corpo e na mente. Lidar com os sentimentos e com os infortúnios. Diferentes a amar e a deixar-nos amar. Por vezes complicamos as situações mais simples e desvalorizamos o que tem de essencial. O essencial, como nos lembra Antoine de Saint Exupéry, no Principezinho, é invisível aos olhos, radica no coração, que tem razões, segundo Pascal, que a razão desconhece.
Para nós cristãos, a referência é Jesus Cristo: a docilidade à voz do Pai, a delicadeza para com todos, o gastar a vida até à última gota de sangue em benefício da humanidade, transparecendo a misericórdia do Pai, envolvendo-nos como irmãos… É um desafio e um compromisso. Dá-nos as ferramentas para nos descobrirmos como filhos do mesmo Pai e nos assumirmos, em definitivo, como irmãos.
No início, Caim não compreendeu que a fraternidade o humanizava. E matou o seu irmão. Quando as coisas não nos correm bem, sobretudo na relação com as pessoas que amamos, e seguindo a tendência do tempo, desistimos. Parece ser mais fácil voltar as costas aos problemas. Ou eliminar aqueles que consideramos rivais. Infelizmente não são apenas palavras. Cinco minutos de notícias e quantas quezílias que dão em violência e em morte!
Vivendo ao jeito de Jesus, Rosto e Presença da Misericórdia do Pai, vivamos nós também predispostos a dar/gastar a vida pelos outros, pela família, pelos amigos, pelos vizinhos, por aqueles de quem não gostamos tanto. Deslizar pela vida como no tango.
No tango, cada um dança em função do outro, deslizando de encontro ao seu corpo, a sua agilidade, segurando o outro, e ao mesmo tempo confiando e por isso deixando-se cair, deslizando, procurando sintonizar cada movimento, escutando a música, mas sobretudo a melodia do outro. São dois. Não um. Dois mas que quase se fundem como em um. A identidade de cada um. A agilidade de cada um. Cada um tem que conhecer os movimentos do outro, as possibilidades, limites. Até onde pode ir e onde não chega. Esforço, dedicação, treino, diálogo. Alguns atropelos. Recomeços. Voltar a tentar uma e outra vez, sem desistir, até que os passos e movimentos estejam de tal modo sintonizados e sincronizados que quem vê de fora lhe pareça natural e para os próprios extravase alegria, num diálogo de corpos, de emoções, centrando-nos no outro, no olhar, nas nuances, prevendo algum deslize ou alguma alteração, para se adaptar, corrigindo movimentos, para amparar o outro ou se deixar ir.
E no tango, como na vida, precisamos do outro.
Publicado na Voz de Lamego, n.º 4378, de 13 de setembro de 2016
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