1 – Oração. Fé. Humildade. Confiança. Despojamento. Entrega. Abertura. Sabedoria do coração. Compaixão. Ternura. Amor. Alegria. Felicidade. Partilha. Comunhão. Fidelidade. Entreajuda. Caridade. Cuidado. Serviço. Fraternidade. Perdão. Paz. Reconciliação. Vida.
Com um jeitinho, conseguiremos conjugar estas diferentes palavras, interligando-as e tornando-as realidade. No domingo passado, Jesus convidava-nos, como discípulos, a uma oração persistente, baseada na confiança em Deus como Pai de Misericórdia. Ainda que uma Mãe pudesse esquecer o seu filho amado, Deus jamais se esquece de nós, nem deixa sem resposta a nossa súplica.
A oração, sincera, compromete-nos com os outros, enlaça-nos, conduz-nos ao serviço, à partilha solidária. A firmeza da fé transparece na firmeza da caridade.
Oração. Sinceridade. Arrependimento. Conversão. Esperança. Felicidade. Inevitavelmente, a oração dilata o nosso coração para acolhermos o outro, perdoando-o e servindo-o; dilata-nos o coração para reconhecermos a nossa fragilidade e a interdependência aos outros. A lógica é sempre a mesma: se a oração nos faz elevar o olhar, o coração e a vida para Deus, para o alto, em sentido ascendente e vertical, de imediato nos faz voltar o olhar, o coração e a vida para os outros, para o mundo que nos rodeia, num sentido fraterno e horizontal.
2 – O Evangelista contextualiza a parábola de Jesus, dizendo que tem como destinatários os que se consideram justos e desprezam os outros. Como outras parábolas e palavras de Jesus, vale a pena juntarmo-nos aqueles a quem a parábola se dirige, para que nos diga algo, para que mexa connosco. Em algum momento já nos considerámos melhores que os outros, mantendo-nos distantes e não querendo misturar-nos com os outros ou sujar as mãos, pois considerámo-nos de um nível distinto.
Paremos. Escutemos Jesus. Com atenção e docilidade. Não é um propagandista qualquer ou um qualquer palrador. É o Profeta da Nova Aliança, é Rosto e Presença da Misericórdia de Deus. O que incomoda Jesus não é tanto o pecado, as imperfeições ou defeitos. O que verdadeiramente O incomoda é a hipocrisia, a sobranceria, a soberba de quem não é capaz de se dar, de amar, de se compadecer com os mais frágeis. Não combina com Jesus. Ele não é assim. Nas palavras e nos gestos, nos encontros e nos prodígios, Jesus é assertivo, acolhendo com docilidade, a todos, mas com especial ternura e afeição aqueles que estão à margem, excluídos, doentes, mulheres, crianças, pobres, os últimos do povo e aqueles cujas profissões os renegam para a periferia. Jesus não pergunta pelo Cartão de Cidadão, pela origem social ou religiosa, pela condição moral ou profissional. Pergunta pelo coração, pela disponibilidade em acolher Deus, Boa Nova da salvação. Todos estão no mesmo patamar.
Diz assim Jesus: «Dois homens subiram ao templo para orar; um era fariseu e o outro publicano. O fariseu, de pé, orava assim: ‘Meu Deus, dou-Vos graças por não ser como os outros homens, que são ladrões, injustos e adúlteros, nem como este publicano. Jejuo duas vezes por semana e pago o dízimo de todos os meus rendimentos’. O publicano ficou a distância e nem sequer se atrevia a erguer os olhos ao Céu; mas batia no peito e dizia: ‘Meu Deus, tende compaixão de mim, que sou pecador’. Eu vos digo que este desceu justificado para sua casa e o outro não. Porque todo aquele que se exalta será humilhado e quem se humilha será exaltado».
3 – A sobranceria e a prepotência estagnam-nos, não nos deixam crescer. E o que não avança diminui. O que irrita Jesus é a hipocrisia, pois esta fecha-nos como numa concha, afasta-nos dos outros. A autossuficiência não nos permite acolher o bem alheio. Definhamos num círculo que começa em nós e em nós acaba. O centro está no nosso umbigo. Como Narciso (mito que dá origem ao narcisismo), corremos o risco de adormecermos na nossa vaidade e beleza. Narciso era tão belo que não achou ninguém que estivesse à sua altura. Preferiu ficar só. Admirando a sua imagem e a sua beleza no reflexo das águas, e como não conseguia alcançar a imagem refletida, deixou-se morrer na relva junto ao lago, onde nasceria uma flor (narciso). Os narcisos nascem na primavera, em solos húmidos, são autossuficientes, o caule faz inclinar a flor para baixo, debruçando-se sobre si mesmo como no mítico Narciso.
Deus conhece o nosso íntimo. Precisamos apenas de ser transparentes, com a nossa insuficiência e com a nossa miséria, com o nosso pecado e a nossa fragilidade. Quando sou fraco então é que sou forte, como nos lembra São Paulo, pois Deus fortalece-nos com a Sua graça. Não está em causa, em nenhum momento, a dignidade e a grandeza humanas, pois somos únicos e irrepetíveis, criados à imagem e semelhança de Deus. O que somos e o que escolhemos. A abertura do coração permite-nos aprender com os outros, acolher Deus, na Sua misericórdia infinita, e percorrer um caminho, com os outros, que nos fortalece como seres humanos e como irmãos em Jesus Cristo.
4 – Na verdade, situando-nos perante Deus, como crentes cristãos, a certeza que para Ele todos somos filhos (de primeira). Ele é Pai e ainda mais Mãe (João Paulo I), não considera uns filhos e outros enteados. Jesus morreu por todos, não pelos "melhores", mas sobretudo pelas pecadores. Tratar-nos uns aos outros com indiferença, com desprezo ou sobranceria é contrário à nossa filiação divina e à nossa condição de irmãos em Cristo Jesus.
Na linguagem veterotestamentária, "o Senhor é um juiz que não faz aceção de pessoas. Não favorece ninguém em prejuízo do pobre e atende a prece do oprimido. Não despreza a súplica do órfão, nem os gemidos da viúva. Quem adora a Deus será bem acolhido e a sua prece sobe até às nuvens. A oração do humilde atravessa as nuvens e não descansa enquanto não chega ao seu destino. Não desiste, até que o Altíssimo o atenda, para estabelecer o direito dos justos e fazer justiça".
Com efeito, a oração do humilde sobe aos céus. Essa experiência fazemo-la uns com os outros: quando pedimos com delicadeza e humildade provocamos abertura e resposta; quando exigimos com rudeza afastamos os outros que poderão atender-nos porque tem de ser, mas fazendo-o com má vontade. Como sói dizer-se, as moscas caçam-se com mel e não com fel.
O salmo garante-nos que Deus nos atende. Ele está perto especialmente dos mais frágeis: "o Senhor está perto dos que têm o coração atribulado e salva os de ânimo abatido. O Senhor defende a vida dos seus servos, não serão castigados os que n’Ele confiam".
Confiança na misericórdia de Deus, caminho aberto para que Ele nos cumule de bênçãos. Como nos dizia Jesus: rezar sem desistir. Deus é Pai que nos responderá e nos fará justiça.
5 – "Deus eterno e omnipotente, aumentai em nós a fé, a esperança e a caridade; e para merecermos alcançar o que prometeis, fazei-nos amar o que mandais". A oração, feita com sinceridade, como abertura a Deus, une-nos ao Seu projeto de amor, manifesto, em plenitude, em Jesus Cristo, na Sua vida e sobretudo na Sua paixão redentora, ressuscitando-nos para a vida, para o serviço, para o cuidado a favor dos outros.
O Apóstolo, dirigindo-se a Timóteo, mostra como manteve viva a fé, sobretudo nos momentos de perseguição e durante a prisão. Procurou cumprir com fidelidade – "combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a fé. E agora já me está preparada a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me há de dar naquele dia; e não só a mim, mas a todos aqueles que tiverem esperado com amor a sua vinda" – sabendo que dessa forma entraria na vida eterna, na glória de Deus.
Nos momentos de aperto não pôde contar com ninguém, a não ser com o próprio Deus. "Na minha primeira defesa, ninguém esteve a meu lado: todos me abandonaram. Queira Deus que esta falta não lhes seja imputada. O Senhor esteve a meu lado e deu-me força, para que, por meu intermédio, a mensagem do Evangelho fosse plenamente proclamada e todas as nações a ouvissem; e eu fui libertado da boca do leão. O Senhor me livrará de todo o mal e me dará a salvação no seu reino celeste. Glória a Ele pelos séculos dos séculos".
Para Paulo a adversidade também serviu para testemunhar o Evangelho, enfrentando os acusadores, anunciando Jesus Cristo. Prevaleceu a força que encontrou em Cristo Jesus, pela oração confiante.
Pe. Manuel Gonçalves
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