1 – Comum a todos, a morte é um mistério que nos ultrapassa. Ninguém quer morrer. Quando alguém quer antecipar a morte – estando plenamente consciente e sem nenhum trauma depressivo – não quer morrer mas tem medo de sofrer, de ser um empecilho para os outros. Terei forças para suportar um sofrimento descomunal e desumano? Perante o que vem pela frente, por que não colocar já um termo, prevenindo a dor e o sofrimento. Isto diz bem da cultura atual: eliminar sacrifícios e toda a dor e mal-estar. Quando não se consegue, corta-se o mal pela raiz. É um tema muito delicado. Só quem acompanha de perto vidas destroçadas pela doença crónica e/ou terminal poderá ter um juízo mais compreensível. Cabe-nos, a todos, assegurar a dignidade de toda a pessoa, desde a conceção à morte natural. Só Deus é o Senhor da vida e da morte. Para Ele todos valem tudo, como filhos bem-amados, independentemente das limitações humanas, físicas ou mentais. E de nenhum modo podemos impor a morte aos outros...
Ao longo da Sua vida terrena, Jesus depara-se com a história humana, com os seus limites e fragilidades. Cresceu num ambiente familiar, em Nazaré, onde as pessoas se conheciam e se ajudavam mutuamente. Paredes meias com as alegrias e as tristezas de todos. É crível que tenha a experiência da perda do Pai, São José, aquele que Lhe deu nome e casa, O protegeu e O ensinou a trabalhar. Teve então que se tornar o homem da casa, assumindo as responsabilidades que eram do pai.
2 – O Evangelho deste Domingo traz-nos a Ressurreição de Lázaro. Mas traz-nos também a nossa condição humana, com os seus desafios e as suas perdas. A história de Deus não apenas se cruza com a história humana, mas entranha-se, enraíza-se, enxerta-se na minha, na tua, na nossa vida.
Jesus vem para todos. Quando falamos em todos corremos o sério risco de diluir os afetos e os compromissos com pessoas de carne e osso. É conhecido um comentário acerca da Princesa Diana: todo o mundo a amava, menos o marido! Nós gostamos de todo o mundo e estamos disponíveis a ajudar toda a gente, a dificuldade é ajudar o meu colega de carteira, a minha mãe nas tarefas de casa, o vizinho que está sempre a implicar com o meu cão que faz barulho e lhe faz as necessidades à porta!
Há sempre muitas pessoas a seguir Jesus. Porém, Jesus tem disponibilidade para criar laços, escutar desalentos, confortar desavindos, olhar olhos nos olhos quem precisa de atenção e carinho.
Em Betânia, Maria, Marta e Lázaro são Seus amigos. Quando Lázaro está doente, mandam-n’O chamar e Jesus voltará novamente à Judeia, existindo o perigo real de ser morto. A resposta de Jesus é contundente, mas é também um desafio: «Não são doze as horas do dia? Se alguém andar de dia, não tropeça, porque vê a luz deste mundo. Mas, se andar de noite, tropeça, porque não tem luz consigo». Tal como víamos no domingo passado, Jesus é a Luz do mundo (cf. Jo 9, 1-41), se andarmos na Luz não tropeçaremos, se andarmos de noite, sem Luz em nós, por certo que nos encaminhamos para a morte.
3 – Quando Jesus chegou a Betânia, o seu amigo Lázaro já jazia no sepulcro há quatro dias. Pelo caminho, vemos como os discípulos vão discorrendo das palavras de Jesus. Tomé, o apóstolo que no habituamos a reconhecer como incrédulo, predispõe-se a morrer com Jesus, pois conclui que a ida para a Judeia é uma espécie de suicídio, depois das ameaças verificadas antes. Contudo, Jesus não volta para morrer, mas para "recuperar", ressuscitar Lázaro e, quando a hora chegar, volta para dar a vida, para que todos, e não apenas Lázaro, sejamos ressuscitados para um vida abundante de graça e salvação.
Gente de bem, por certo, Marta e Maria recebem muitas pessoas que lhes apresentam as condolências. Marta, a irmã mais ativa, mal sabe que Jesus está perto vai ao Seu encontro e diz-lhe: «Senhor, se tivesses estado aqui, meu irmão não teria morrido. Mas sei que, mesmo agora, tudo o que pedires a Deus, Deus To concederá». Marta confia em Jesus. É possível, contudo, como se percebe com o avançar do diálogo, que Marta confie que o pedido de Jesus a Deus seja para o irmão ir para bom lugar e não tanto para "regressar" à vida terrena, pois logo que Jesus lhe diz «Teu irmão ressuscitará», ela Lhe responde: «Eu sei que há de ressuscitar na ressurreição do último dia».
O diálogo continua. Disse-lhe Jesus: «Eu sou a ressurreição e a vida. Quem acredita em Mim, ainda que tenha morrido, viverá; e todo aquele que vive e acredita em Mim, nunca morrerá. Acreditas nisto?». Ao que se segue nova profissão de fé por parte de Marta: «Acredito, Senhor, que Tu és o Messias, o Filho de Deus, que havia de vir ao mundo».
4 – Marta vai chamar Maria, que rapidamente vem ao encontro de Jesus e se prostra a Seus pés, validando o que antes a sua irmã tinha dito, isto é, que a presença de Jesus teria evitado a morte de Lázaro.
Maria chora e, com ela, os judeus que a acompanham. O evangelista sublinha a comoção de Jesus que também chora a morte do amigo. Alguns constatam a amizade mas questionam-se acerca do poder de Jesus, pois se curou um cego também poderia ter evitado a morte de um amigo.
O túmulo em que Lázaro se encontra sepultado faz-nos visualizar o túmulo de Jesus. Uma gruta, com uma pedra posta à entrada. Comovido, Jesus pede que retirem a pedra. Continua a contar com o nosso esforço, cabe-nos fazer o que está ao nosso alcance, Deus fará o resto. A intervenção de Marta faz perceber o óbvio, o corpo já está em decomposição, já cheira mal. Está mesmo morto. Após a remoção da pedra, Jesus levanta os olhos para o Céu e reza: «Pai, dou-Te graças por Me teres ouvido. Eu bem sei que sempre Me ouves, mas falei assim por causa da multidão que nos cerca, para acreditarem que Tu Me enviaste».
A oração faz milagres, Deus sempre nos ouve, mas nem sempre compreendemos os Seus desígnios. Podemos não fazer o mundo à nossa maneira, mas poderemos acolher as bênçãos de Deus e procurar que o mundo seja dom onde vivamos como irmãos.
É então que Jesus brada para que Lázaro saia. Ele sai, de mãos e pés enfaixados com ligaduras e com o rosto envolvido num sudário. Antecipa-se aqui o sepultamento de Jesus. É necessário que lhe tirem as ligaduras. Antecipa-se também a ressurreição de Jesus. Quando forem ao Seu túmulo, vão perceber que saiu pelo próprio pé, deixando as ligaduras e o sudário arrumados.
Muitos dos judeus que foram visitar Marta e Maria acreditaram em Jesus.
5 – Pouco a pouco, o Povo da Promessa e da Aliança, vai percebendo que Deus é um Deus de vivos e não de mortos. Não teria sentido doutra maneira. Um Deus que não garantisse a preservação da nossa identidade para sempre seria um Deus a prazo, talvez útil e necessário para nos iludir no tempo, mas apenas isso, uma ilusão, um momento, um fogacho de esperança.
Não é fácil entender a ressurreição dos mortos. Por certo. Até porque ninguém nos relatou como será. Sabemos que Jesus ressuscitou Lázaro, o filho da viúva de Naim, a filha de Jairo e foi ressuscitado por Deus Pai, ascendendo para junto d'Ele, de onde nos atrai e nos convoca. Há os que dizem acreditar em Deus mas não na vida eterna, na ressurreição dos mortos. Crer em Deus, que é fonte de vida, pressupõe fé na ressurreição e esperança que a nossa vida permanecerá para sempre.
O profeta Ezequiel traz-nos a Palavra de Deus: «Vou abrir os vossos túmulos e deles vos farei ressuscitar, ó meu povo, para vos reconduzir à terra de Israel. Haveis de reconhecer que Eu sou o Senhor, quando abrir os vossos túmulos e deles vos fizer ressuscitar, ó meu povo. Infundirei em vós o meu espírito e revivereis. Hei de fixar-vos na vossa terra e reconhecereis que Eu, o Senhor, digo e faço». E Deus é sempre fiel à Sua promessa. Mais que Lázaro ou que os filhos da Viúva de Naim e de Jairo, Jesus é a realização da promessa do Senhor, que antecipa a nossa própria ressurreição para Deus. De referir que só a ressurreição de Jesus é gloriosa, para sempre. Lázaro voltará a morrer, cuja ressurreição final o catapultará para a eternidade, e não para uma nova vida histórica, temporal ou reencarnada.
6 – A certeza que o tempo presente, por mais violento e doloroso que seja, será passageiro, a esperança na vida futura, ressuscitada, a fé em Deus que fará justiça aos injustiçados, aos pobres, aos excluídos, levou alguns a falar no descomprometimento dos cristãos, pois fixando-se no futuro, deixariam de se empenhar na transformação do mundo.
Pelo contrário, sem Deus e sem futuro, sem garantia de eternidade e de uma justiça definitiva, é que todos ficaríamos ao deus-dará, agindo cada um segundo os seus interesses mais imediatos. Sabendo que Deus nos espera, o compromisso em acolher a Sua misericórdia, os Seus dons, já aqui, na nossa vida, vivendo, amando, servindo, antecipando, tanto quanto possível, a glória da eternidade. Por conseguinte, rezamos, "Senhor nosso Deus, concedei-nos a graça de viver com alegria o mesmo espírito de caridade que levou o vosso Filho a entregar-Se à morte pela salvação dos homens". A entrega e a vida de Jesus, o Seu compromisso com todos, preferencialmente pelos mais desfavorecidos, mostra-nos o caminho do Pai.
Diz-nos São Paulo: "Se Cristo está em vós, embora o vosso corpo seja mortal por causa do pecado, o espírito permanece vivo por causa da justiça. E se o Espírito d’Aquele que ressuscitou Jesus de entre os mortos habita em vós, Ele, que ressuscitou Cristo Jesus de entre os mortos, também dará vida aos vossos corpos mortais, pelo seu Espírito que habita em vós".
Caminhamos mais seguros, comprometidos na história, envolvidos no Espírito Santo, para vivermos ao jeito de Jesus, dando a vida, gastando-a a favor dos outros e não a guardando para nós. E assim iniciamos a vida eterna...
Pe. Manuel Gonçalves
Textos para a Eucaristia (A): Ez 37, 12-14; Sl 129 (130); Rom 8, 8-11; Jo 11, 1-45.
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