D. António Couto escreve aos bispos de Portugal pedindo mais empenho na dimensão missionária
16-Jun-2010
Bispos de Portugal, tenho uma coisa para vos dizer!
1. No espaço de dois anos e meio, o Papa Bento XVI fez aos Bispos de Portugal
dois interessantíssimos discursos: o primeiro, em Roma, em 10 de
Novembro de 2007, durante a Visita ad Limina; o segundo, em Fátima, em 14 de Maio de 2010, durante a Visita Apostólica a Portugal.
2. No discurso de 2007, o Papa trouxe para primeiro plano a construção de uma
Igreja de comunhão e participação, em que os seus membros não fiquem
perdidos e entretidos nas pregas do tempo e da vaidade a discutir quem é
o primeiro, mas se ocupem verdadeiramente nas coisas de Deus e no
testemunho de Cristo, começando por apostar numa nova e fecunda
iniciação cristã, que não vá deixando pelo caminho cada vez mais
crianças e jovens. Mais do que os discursos e as ideias, é o encontro
testemunhado com a Pessoa de Cristo que é determinante. Era este o
caminho, o método.
3. No discurso de 2010, Bento XVI, serenamente feliz, começou por apresentar o
Papa como alguém que vive, não para si mesmo, mas para a presença de
Deus no mundo, coram Deo e coram hominibus. Esta atitude faz toda a
diferença. Por isso, insistiu que os Pastores não podem ser apenas
pessoas que ocupam um cargo, mas têm de sentir-se responsáveis pela
abertura da Igreja à acção do Espírito, como a harpa de David exposta ao
vento do Espírito, de onde saem sempre as mais belas melodias.
Sentinelas atentas, portanto, aos novos movimentos e novas formas
eclesiais, que o Espírito vai despertando, e que vão transformando o
«inverno da Igreja» em nova primavera.
4. Coram Deo e coram hominibus.
Difícil postura, sem equilibrismos, ao mesmo tempo contemplativa e
profética. Testemunhal sempre. E Bento XVI voltou a lembrar que os
discursos e apelos aos princípios e valores cristãos, ainda que
necessários e indispensáveis, não chegam ao mais fundo do coração da
pessoa, não tocam a sua liberdade, não mudam a vida. Aquilo que fascina,
referiu, é sobretudo o encontro com pessoas crentes que, pela sua fé,
atraem para a graça de Cristo, dando testemunho d’Ele.
5. Por isso
e para isso, Bento XVI lembrou aos Bispos o caminho pastoral que se
propuseram fazer: oferecer a todos os fiéis uma iniciação cristã
exigente e atractiva, radicada no Evangelho, e que venha a ter reflexos
na vida pública. Por isso e para isso, lembrou ainda o Papa, é
necessário um novo vigor missionário de todos os cristãos, chamados a
formar um laicado maduro, empenhado na Igreja e solidário no coração do
mundo, onde devem ser verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo, sobretudo
nos meios humanos onde o silêncio da fé é mais amplo e profundo, e
referiu a propósito, os meios políticos, intelectuais e dos
profissionais da comunicação.
6. Mas também é fundamental o testemunho da alegria, da caridade e da esperança
no mundo deste tempo, com tantas e tão acentuadas carências sociais,
com tantas pobrezas, onde sobressai a falta do sentido da vida.
7. Enfim, os Bispos de Portugal devem ser mestres e testemunhas, mestres porque
testemunhas, exercendo sempre a sua paternidade episcopal, antes de mais
com os sacerdotes, mas também com todos os fiéis, não descurando a
denúncia profética e o seu papel de sentinelas que velam pelo rebanho e
conduzem o rebanho, sem esquecer a atenção de privilégio que devem
sempre saber dar à ovelha perdida. Isto porque, a grande referência para
o Papa, para os Bispos e para todos os cristãos é Jesus Cristo. Sem
Ele, disse em jeito de desabafo o Papa na Homilia da Santa Missa
celebrada no Porto, no dia 14 de Maio: quanto tempo perdido, quanto
trabalho adiado!
8. Glosando o título deste breve texto, retirado das palavras certeiras de Jesus
que dissolvem os pensamentos tortuosos insidiados no coração do fariseu
Simão (Lc 7,36-50), os Bispos de Portugal foram desafiados a verem, para
além das muitas acções que vão realizando neste país e neste tempo (a
mulher do Evangelho acima citado realiza seis!), a sétima, que é a
grande acção da Graça de Deus que há-de ser sempre o fio condutor da sua
vida de Pastores, de bons Pastores. Portanto, só estando
verdadeiramente e sem subterfúgios e sem intervalos coram Deo, se pode
estar também verdadeiramente coram hominibus, prestando a esta
humanidade sofrida e desalentada um verdadeiro serviço de qualidade.
9. Para lá dos conteúdos dos discursos com que nos brindou, o maior realce tem de
ser posto, todavia, também para que os discursos sejam verdadeiros, no
facto de Bento XVI ter sido no meio de nós testemunha qualificada da
acção da Graça de Deus em acção no nosso mundo.
D. António Couto, Bispo Auxiliar de Braga/novo Bispo de Lamego, in Agência Ecclesia.
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