A Imaculada Conceição é um dos privilégios com que Deus adornou Nossa Senhora: “ter sido imune de toda a mancha de pecado original no primeiro instante da Sua Conceição, por uma singular graça e privilégio de Deus omnipotente, em atenção aos méritos de Jesus Cristo, Salvador do género humano”. Queremos todos, paroquianos desta comunidade que a tem como padroeira, de modo consciente e agradecido, ser a ressonância e o eco da saudação que o Arcanjo Gabriel trouxe do Céu à Virgem de Nazaré Ave Maria, cheia de Graça, o Senhor é convosco.
É flagrante o contraste do comportamento das duas mulheres que a leitura do Génesis e do Evangelho, escolhidas pela liturgia para esta solenidade, tão expressivamente evidenciam. A disponibilidade da Virgem – eis a escrava do Senhor, faça-se em mim segundo a Tua palavra - redime a desobediência de Eva. Ela é a nova Eva que Deus pôs defronte ao novo Adão-Cristo, como nos ensinou João Paulo II. Como a nova Eva A cantaram os Padres da Igreja, cujos textos a Liturgia oferece à nossa meditação. Recordemos aquele belíssimo de São Ireneu: “Enquanto Eva seduzida pela mensagem de um anjo desobedeceu à Palavra divina e se afasta de Deus, Maria, ao contrário, guiada pela anunciação de outro anjo, obedeceu à palavra divina e mereceu trazer a Deus no Seu seio. Aquela, portanto, deixou-se seduzir para não obedecer a Deus, e esta deixou-se persuadir a obedecer-lhe. Deste modo a Virgem Maria tornou-se a advogada da Virgem Eva”.
E que lucro auferiu o homem com a desobediência original? Diz-no-lo também a leitura do Génesis. Foi o fim da felicidade querida por Deus e desfrutada até então, e a consciência clarividente de todas as limitações. É a nudez absoluta, com todo o realismo da expressão, a evidência do desequilíbrio, mas pior, é o medo, a angústia, a desconfiança. Adão sente-se miserável, despido e inseguro, e o medo é o sentimento frustrante que o invade e confessa a Deus que o procura e interroga. Tive medo. É a condição duma humanidade decaída que se sente completamente perdida, baralhada, que se esconde incapaz de encontrar-se com Deus, mas igualmente incapaz de encontrar-se consigo e com os demais. E, para cúmulo, não assume responsabilidades. Foi a mulher, foi a serpente, e a culpa vai passando para outro que não eu. Não será este o panorama que experimentamos à nossa volta e a que nos habituamos já a relacionar irreflectidamente com a crise?
E a resposta de Deus qual é? É o próprio Deus que vem ao encontro do homem, que o procura, impelido pelo Seu coração de Pai como nos recordava o Servo de Deus, João Paulo II. A Encarnação de Jesus, o Filho do Homem, testemunha que Deus procura o homem. É uma busca que nasce no íntimo de Deus e tem o seu ponto culminante na Encarnação do Verbo. Consequentemente a mensagem de Deus tão insistentemente repetida por Jesus é a recomendação que não tenhamos medo. Não tenhais medo. A mesma palavra pronunciada pelo Anjo da Anunciação é o prenúncio da complacente misericórdia do Pai em relação aos homens e a confirmação da plenitude dos tempos.
A solenidade da Imaculada Conceição é a prova irrefutável da vitória da Graça sobre o pecado, é certeza de que Deus está do nosso lado, de que Deus amou de tal modo o mundo que lhe enviou o Seu próprio Filho para nos revelar o Seu mistério que é mistério de amor. “A Redenção permeia toda a história do homem” e concretiza o admirável desígnio de Deus explanado na por São Paulo na Carta aos Efésios. A Nossa Senhora podem aplicar-se com toda a propriedade essas palavras. Em Cristo, Ela foi escolhida antes da criação do mundo para ser santa e irrepreensível, em caridade na Sua presença, para ser um hino de louvor da Sua glória. Talvez aqui possamos fundamentar a confidência de João Paulo II, reportando-se ao momento da eleição para o Sumo Pontificado: “Enquanto entrava nos problemas da Igreja universal com a eleição para Papa, trazia comigo esta convicção: nesta dimensão universal a vitória será trazida sempre por Maria. Cristo vencerá por meio d’Ela, porque Ele quer que as vitórias da Igreja no mundo contemporâneo e no mundo futuro estejam unidas a Ela”. Esta presença maternal há-de contribuir para que na consciência de cada um, neste tempo de tanta insegurança e de tanto desânimo, se revigore a certeza de que existe alguém que tem nas mãos o destino do mundo que passa; alguém que tem as chaves da morte e dos abismos; alguém que é o Alfa e o Ómega da História, tanto colectiva como individual. E este alguém é Amor, entre os homens; Amor fonte inesgotável de comunhão. Só Ele é a plena garantia das palavras: não tenhais medo. As palavras não foram ditas para anular aquilo que é penosamente exigente, mas para confirmar toda a verdade do Evangelho e todas as exigências nele contidas, assegurando-nos o Senhor a Sua muito particular intervenção, quando a experiência das nossas limitações nos inibe, porque a Deus nada é impossível.
+ Jacinto Tomaz de Carvalho Botelho, Bispo de Lamego
Visita Pastoral à paróquia de Tabuaço
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