sábado, 24 de dezembro de 2016

Natal de Jesus Cristo - 2016

       1 – O maior poder não é o que se impõe pela força, mas pelo amor. Não o que se consegue pela supremacia, a partir do exterior, mas o que surge livre a partir do interior. O Natal vem de fora, vem da eternidade, mas não se impõe a partir do exterior ou a partir de cima, mas nasce, enraíza-Se, encarna, torna-Se carne da nossa carne e osso dos nossos ossos, identifica-Se e confunde-Se connosco, entranha-Se no mundo, mistura-Se com a humanidade.
       São João Paulo II desafiava os jovens a serem evangelizadores dos outros jovens, pois ninguém como eles estaria tão preparado para evangelizar os jovens da mesma idade: eles percebem os mesmos códigos linguísticos que, por ventura, escapam aos mais velhos. 
       Para compreendermos os outros precisamos de nos sentir próximos. Precisamos de nos colocar no lugar do outro, mesmo que isso seja impossível, pois o tempo e o espaço não são simultâneos para duas pessoas: ocupam espaços e tempos diferentes, não se sobrepõem. Nunca. Como duas linhas retas em paralelo que nunca se fundem uma na outra. Colocar-se no lugar do outro para o perceber, para sentir o seu sofrimento, as suas inquietações. É um esforço meritório, mas só alcançável por Deus. 
       “Põe-te no meu lugar”. Expressão que apela à compreensão, a sintonizar o ponto de vista do outro para tentar compreender as suas palavras, a sua atitude ou os seus gestos. Ninguém nos pede uma sobreposição ao outro, mas sincronização, aceitação, proximidade.
        Deus faz este “esforço” de aproximação. Ao longo dos tempos. Em Jesus, a aproximação de Deus é total, coloca-Se no nosso lugar, do nosso lado, passa a ver a partir de baixo e de dentro, a partir da fragilidade e da limitação humanas, identifica-Se connosco. É a Sua grandeza: faz-Se pequeno, do nosso tamanho, deixa-Se ver e ao mesmo tempo esconde-Se no meio de nós, confundindo-Se connosco. Deixa-Se perseguir e amar, deixa-Se prender e até matar. Tão grande que tem o poder de Se tornar pequeno. É a Sua fraqueza: amar até morrer, morrer para ressuscitar, para viver, amar sem limites. Deus, por amor, não desiste de nós. Nunca desiste. Nós podemos ignorá-l’O, fazer de conta que não existe e, no entanto, Deus continua do nosso lado, a amar-nos, a atrair-nos para Si. São Paulo, na primeira Carta aos Coríntios (9, 19-23), mostra como se fez tudo para todos, para ganhar alguns para Cristo. Assim faz Deus, faz tudo para nos (re)conquistar para o Seu Reino de Amor. Se deixarmos que Ele nos vença, vencemos nós, e será novamente Natal.
        2 – Visitando as páginas da Sagrada Escritura, nos textos propostos para esta solenidade, a acentuação do abaixamento de Deus que, em Cristo, assume a nossa frágil condição humana, com as suas limitações, com os seus sonhos e projetos, com os seus sofrimentos e desilusões.
       "No princípio era o Verbo e o Verbo estava com Deus e o Verbo era Deus. No princípio, Ele estava com Deus. Tudo se fez por meio d’Ele e sem Ele nada foi feito. N’Ele estava a vida e a vida era a luz dos homens. A luz brilha nas trevas e as trevas não a receberam". Este é o mote dado pela Palavra de Deus. Jesus vem ao mundo, pre-existindo-lhe. À Sua frente vem um mensageiro, João Batista, que aponta para a Luz verdadeira, que é o Messias Jesus.
       O Filho de Deus Altíssimo, o Messias, não é de todo um desconhecido! Desde sempre nos conheceu. N’Ele foram criadas todas as coisas e sem Ele nada foi criado. Veio para o meio dos seus. Mas, diz o Evangelho, os seus não O reconheceram. Andavam atarefados com tantas coisas, distraídos, ou cheios de si, com corações de pedra. Quem O reconhece será salvo. A salvação consiste em conhecer Jesus, acolhê-l'O, para O amar e O viver, testemunhando-O, transparecendo-O.
       O profeta Isaías sublinha a beleza, a alegria, a rapidez do mensageiro que anuncia a boa nova da salvação. É tempo de largar as amarras da escravidão, do pecado e da morte. É tempo de júbilo, porque o Senhor está no meio de nós, irrompendo as cadeias das injustiças, restaurando as ruínas de Israel, consolando o Seu povo, "o Senhor descobre o seu santo braço à vista de todas as nações e todos os confins da terra verão a salvação do nosso Deus".
       Deus está agora mais visível. É Pessoa, de carne e osso. Está sujeito à determinação do espaço e do tempo, como cada um de nós. Está ao alcance do nosso olhar e das nossas mãos. Podemos vê-l’O, podemos segui-l’O, podemos matá-l’O. Sabemos onde encontrá-l’O.
        Embrulhado em panos, perto dos animais, é irreconhecível para os distraídos, para os que confundem grandeza com ostentação e poder, para os que esperam um Messias saído de um palácio, nascido num berço de ouro. Ele entranha-Se na história dos homens e na própria natureza.
       3 – Com efeito, "muitas vezes e de muitos modos falou Deus antigamente aos nossos pais, pelos Profetas. Nestes dias, que são os últimos, falou-nos por seu Filho, a quem fez herdeiro de todas as coisas e pelo qual também criou o universo".
       Ele é o Filho Unigénito de Deus, o Seu Eleito, que transborda da eternidade para o tempo, do seio do Pai para a convivência daqueles que assume como irmãos. Para nos redimir. Para nos elevar. Deus nunca esteve longe de quantos O invocam de coração humilhado e contrito. Com Jesus a distância encurta-se, pois Ele próprio, é Deus connosco, verdadeiro Deus e verdadeiro Homem.
       Deus continua a falar-nos e a falar ao mundo. Hoje Deus fala através de nós, de mim e de ti. Somos os mensageiros que correm velozes a anunciar a paz. Por vales e montanhas, por aldeias e cidades, aquém e além-mar. Uma vez convertidos, restabelecidos pela misericórdia do Senhor, cabe-nos hoje, cabe-nos agora, anunciar o Evangelho, levar Jesus a todo o lado, a todos os ambientes. Deus continua a falar. Não fiquemos na praia, de braços cruzados, a ver as gaivotas a pousar, adentremo-nos na história, envolvamo-nos na transformação do mundo em que vivemos. Levemos o melhor de nós – Deus que nos habita –, para que o mundo possa testemunhar o nascimento de Jesus e a certeza de que Ele está vivo, no meio de nós.
       O mandato divino é para todos, é para mim e para ti, é para hoje, pois amanhã é tarde, demasiado tarde. O futuro a Deus pertence. A nós pertence o presente, para sermos o presente de alegria, de amor e de serviço uns para os outros. Ide e anunciai o Natal, a Boa Notícia, a toda a criatura.

Pe. Manuel Gonçalves


Textos para a Eucaristia (A): Is 52, 7-10; Sl 97 (98); Hebr 1, 1-6; Jo 1, 1-18.

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