Deus disse uma palavra. A palavra eterna fez-se humanidade no tempo. O rosto humano da palavra é Jesus Cristo. Depois ouviram-se outros sons, com sinais, letras e gramáticas. São as palavras sem rosto.
A palavra tem boca,
mas só o rosto fala
da abundância do coração,
das portas que não se abrem,
dos muros que resistem ao egoísmo,
dos excessos de luxo que sobram a alguns,
dos mínimos vitais que faltam a outros.
- O rosto de Cristo é a palavra viva que alimenta de verdade aqueles que só têm boca.
A palavra tem olhos,
mas só o rosto vê
para além das sombras,
as fábulas e das distâncias,
para além das danças,
dos símbolos e dos mitos,
para além dos astros,
dos túmulos e das máscaras,
para além do improvável e impossível,
para além da lógica e das evidências.
- O rosto de Cristo é a nova aurora que leva o sol da justiça àqueles que só têm olhos.
A palavra tem ouvidos,
mas só o rosto escuta
os sons do oceano,
o diálogo das crianças,
os contos da aldeia,
o segredo da esfinge,
as lendas das montanhas,
as perguntas do sábio.
- O rosto de Cristo é o aplauso divino aos nossos silêncios.
A palavra diz,mas só o rosto sabeporque é que Sócrates nada sabia,porque motivo aquele velho canta,o que vai dentro das pessoas,o sentido do tsunami,porque sou feliz ou não.
- O rosto de Cristo é a sabedoria divina aceite pela fé de quem só acreditava em certezas.
A palavra proclama,
mas só o rosto canta
a beleza do deserto selvagem,
as parábolas do Reino,
o esplendor do Taj Mahal,
a pobreza da Porciúncula.
- O rosto de Cristo é a porta que liberta para a verdade total as nossas miragens de liberdade.
A palavra escreve,
mas só o rosto sente
o que a palavra esconde,
a presença do transcendente,
a agressão de ser rejeitado,
a mensagem dos grafites,
as lágrimas dos pobres,
a mão que toca outra mão.
- O rosto de Cristo é a página em branco onde podemos escrever as nossas palavras.
A palavra lê,
mas só o rosto entende
o que a boca diz,
o que os olhos vêem,
o que os lábios recitam
o que os ouvidos ouvem,
o que o leitor declama,
o que o livro conta,
o que o poeta canta,
o que o crente reza.
- O rosto de Cristo é a palavra-chave de quem deseja descodificar o Livro dos livros.
A palavra recita,
mas só o rosto dialoga
com o santo e o pecador,
com a vitória e a derrota,
com o inteligente e o teimoso,
com o bom tempo e a tempestade,
com a esquerda e a direita,
com Pedro Bernardone e Francisco de Assis,
com o católico e o animista.
- O rosto de Cristo é a sala do encontro de Deus com o homem no diálogo universal da criação.
Frei Manuel Rito Dias, in Bíblica, n.º 327, Março-Abril 2010
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